Consumir é a nossa natureza. Fazemos isso do berço ao túmulo. E também não há nada de errado em querer prosperar, melhorar de vida, ter mais conforto e qualidade de vida. Mais que um direito, é um dever lutar por isso, por nós, pelos que dependem de nós, pelos que virão depois de nós.

O problema está no desequilíbrio, nos falsos sonhos de felicidade e de pertencimento social baseados na posse de bens materiais. Isto é consumismo. Sinais de uma sociedade que anda muito doente.

A boa notícia é que já reconhecemos a doença, e a má, é que em vez de atacar as causas, podemos estar perdendo tempo com os efeitos. Não que não seja importante atuar também sobre os efeitos, mas se não combatermos também as causas, os efeitos tenderão a continuar voltando e até piorando a doença. Claro, a não ser que a doença seja tão grave, que só nos reste mesmo atuar sobre os efeitos, para prolongar ao máximo a vida e proporcionar maior conforto possível ao paciente. Não parece ainda ser o caso de nossa sociedade. Talvez ainda tenhamos tempo de cuidar dos efeitos e também das causas. Na verdade, o planeta é um só, e tudo que pudermos fazer, terá de ser aqui, de preferência agora, e por nós, já que não existe salvador da pátria capaz de nos salvar de nós mesmos.

Entre as causas de nossa crise, está o consumismo, que tem nos levado a comer demais, viver depressa demais, acumular demais, trabalhar demais, nos endividar demais, tudo muito, tudo rápido, aqui, agora.

Entre seus efeitos, temos cada vez menos tempo para cultivar uma amizade, cuidar de um amor, dominar uma arte, ficar à toa, passear, praticar um hobby ou esporte.

A educação de nossas crianças acaba sendo deixada por conta de empregadas domésticas sem qualificação, de professores que deveriam se dedicar a ensinar outras coisas, em vez de perder tempo para ensinar o que os pais não têm tempo de fazer, ou, pior, entregues à babá televisão ou videogames. A tendência é trocar a presença, o afeto, e nossas culpas, por presentes materiais caros e que acabam quebrados logo em seguida, numa mensagem subliminar de que presentes não são suficientes para substituir o afeto ou a ausência dos pais.

As consequências têm sido terríveis. Nossas crianças estão se tornando consumidoras compulsivas já muito cedo, trocando consumo por cidadania, aprendendo a ser manipuladoras, insensíveis. Temos medo de nossas crianças quando paramos nos sinais de trânsito. Que sociedade é esta em que as crianças nos metem medo?

A diabetes, a obesidade mórbida, a hipertensão, o estresse, a depressão tomaram dimensão de epidemia. O trabalho, que deveria enobrecer, nos escraviza a dívidas para obter mais consumo. A felicidade prometida no consumo resulta apenas em mais frustração que leva a mais consumo, não para atender necessidades físicas, mas para calar as dores existenciais e psíquicas, claro, sem conseguir.

Como sempre, o problema não está em usar, está em abusar. A natureza cria os prazeres e nós os excessos. Esquecemos com grande facilidade que não existe plano B na natureza, não teremos para onde ir se acabarmos com as condições da vida neste planeta. E já estamos fazendo isso. Já consumimos mais de 30% da capacidade da natureza se regenerar sozinha. E esta pegada ecológica, em vez de diminuir, está aumentando!

É claro que a substituição de tecnologias sujas por limpas, ou a economia verde, serão de grande ajuda, mas se não mudarmos a escala de nosso consumo e desperdício, elas apenas adiarão um pouco mais o colapso.

A mudança não deve ser igual para todos. Enquanto quem pega demais – para desperdiçar e acumular – precisa pegar de menos, quem não pega quase nada, e vive sem o atendimento às suas necessidades básicas, mudar significa ter de pegar mais recursos. A questão é, mesmo que por um milagre, se fôssemos capazes de mudar nosso estilo de vida e consumo, teríamos recursos suficientes para atender às necessidades de todos? Somos seis bilhões hoje, e seremos nove bilhões até 2050. Destes, a maioria não tem acesso a água tratada, coleta de lixo e esgoto, moradia digna e segura, e boa parte passa fome. O planeta terá como atender a todos? Certamente que sim, mas não à ganância de uns poucos, já alertava Gandhi. Então, nas raízes da crise existe um problema também no espírito humano, em sua ética e moral na relação com os outros e a natureza.

A poluição, a degradação ambiental, a pobreza, a fome, a violência, são efeitos das doenças de nossa sociedade. Para atacar suas causas, precisamos ir às raízes e, em nosso caso, o problema está na ideia de que podemos tudo, que temos mais direitos que as demais espécies, que podemos crescer de maneira ilimitada, aumentar os lucros, o consumo, o lixo, os empregos de maneira ilimitada. Esquecemos que só existe um planeta de recursos naturais, e que ele é limitado.

A questão que deve nos preocupar agora é se todas as medidas de mudança que já estamos adotando, além de combater os efeitos, também atacarão as causas?

Ou reconhecemos nossos limites e deveres com a natureza ou desapareceremos enquanto espécie. Ou combatemos as desigualdades sociais ou corremos o risco de sucumbir como civilização. Precisamos rever as ideias que nos fizeram acreditar que somos o centro de tudo, que temos mais direito à natureza e à vida do que as demais espécies. Somos apenas passageiros neste planeta e não os seus donos. Para a natureza, a extinção de espécies não é a exceção, é a regra, mas para nós, isso seria um desastre.

* Vilmar Sidnei Demamam Berna é escritor e jornalista, fundou a Rebia (Rede Brasileira de Informação Ambiental  – www.rebia.org.br), em janeiro de 1996 fundou o Jornal do Meio Ambiente e, em 2006, a Revista do Meio Ambiente e o Portal do Meio Ambiente (www.portaldomeioambiente.org.br). Em 1999, recebeu no Japão o Prêmio Global 500 da ONU para o Meio Ambiente e, em 2003, o Prêmio Verde das Américas. Site www.escritorvilmarberna.com.br.