Cairo, Egito, 29/6/2011 – Egito e Irã parecem cada vez mais próximos de restabelecerem relações diplomáticas após um impasse de 31 anos, a julgar pelas últimas declarações de porta-vozes dos dois governos. “Os chanceleres do Egito e da República Islâmica do Irã anunciaram sua disposição de ampliar as relações diplomáticas entre as duas nações”, disse no dia 18 o ministro de Relações Exteriores iraniano, Ali Akbar Salehi.
O agora derrubado regime do presidente Hosni Mubarak, considerado sócio estratégico de Washington, rechaçou por anos as repetidas tentativas de aproximação do Irã, além de frequentemente se mostrar hostil. Agora, o governo interino do Conselho Supremo das Forças Armadas (CSFA), que assumiu em fevereiro após a renúncia de Mubarak, parece ter mudado de atitude em relação a Teerã.
“Na época de Mubarak, o Egito se atinha servilmente à política dos Estados Unidos e de Israel, cuja grande característica era isolar o Irã”, disse o analista Wahid Abdelmagid, do Centro de Estudos Estratégicos e Políticos, com sede no Cairo. “Após a revolução, a posição oficial mudou de rumo”, acrescentou. O primeiro sinal surgiu menos de uma semana depois da saída de Mubarak, quando o CSFA deu permissão, pela primeira vez em mais de 30 anos, para que dois navios de guerra iranianos cruzassem o Canal de Suez rumo ao Mar Mediterrâneo. Funcionários israelenses consideraram o fato uma “provocação”.
No começo de abril, o primeiro chanceler pós-revolução, Nabil al-Arabi, disse que o Cairo estava disposto a “virar a página” com o Irã. “Egípcios e iranianos merecem ter relações mútuas por sua história e civilização”, acrescentou. No dia 25 de maio, Al Arabi se reuniu com Salehi no contexto de um encontro do Movimento de Países Não Alinhados, realizado na ilha indonésia de Bali, para discutir sobre o reinício de relações bilaterais.
Menos de uma semana depois, uma delegação egípcia de 50 pessoas – integradas por revolucionários, religiosos e figuras da área cultural – visitou Teerã, onde também discutiram com seus colegas iranianos a possibilidade de reiniciar vínculos. “Desde a vitória revolucionária, houve aumento de intercâmbios entre funcionários dos dois países e em nível popular”, disse à IPS o analista político Ibrahim Mansour. Por sua vez, o Irã apoiou claramente o levante popular de 25 de janeiro e elogiou o novo clima amigável.
A República Islâmica está disposta a reiniciar relações com o Egito “o mais rápido possível”, disse Salehi, que considerou a visita da delegação desse país como “um avanço para preparar o terreno para melhores relações”. O Irã rompeu relações diplomáticas com o Cairo em 1979, depois da revolução islâmica, quando o então presidente egípcio, Anwar Sadat, assinou o acordo de paz de Camp David com Israel.
O Cairo se distanciou em seguida, no mesmo ano, da República Islâmica ao conceder asilo político ao deposto xá do Irã, Mohammad Reza Pahlavi. A hostilidade se manteve entre os dois países até a década de 1980, quando o Egito apoiou o regime de Saddam Hussein contra o Irã, em uma guerra que durou oito anos. O Egito é o único país árabe que não mantém relações formais com Teerã.
O governo iraniano expressou várias vezes na última década seu desejo de restaurar relações com o Egito, o país árabe mais povoado. “Se o governo do Egito estivesse disposto, abriríamos uma embaixada no Cairo no mesmo dia”, disse o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadineyad, em meados de 2007. Por pressão dos Estados Unidos e de Israel, o regime de Mubarak rechaçou repetidas vezes as tentativas de aproximação e, por outro lado, optou por qualificá-lo de “ameaça” à segurança regional.
“O Irã fez saber em várias oportunidades seu desejo de restabelecer relações com o Egito, mas o regime de Mubarak esboçou diversas razões para manter distância”, afirmou Mansour. “Todas elas ficaram pelo caminho, junto com o regime anterior. Agora, os únicos que se opõem ao restabelecimento das relações entre Egito e Irã são Estados Unidos e Israel”, acrescentou.
Deixando a política de lado, as relações com o Irã serão benéficas para a atribulada economia do Egito, disse Mansour. Além de ativar o comércio bilateral, seria proveitoso para o turismo, principal fonte de divisas antes da revolução. “Se as relações forem restabelecidas, virão um milhão de iranianos todos os anos”, disse, referindo-se aos vários santuários religiosos dos xiitas, um dos ramos do Islã que há nesse país. “Seria um grande impulso para o setor, que foi muito afetado pela revolução”, ressaltou.
No entanto, a possibilidade de uma aproximação sofreu um revés em meados de maio, com a eleição de Al Arabi como secretário-geral da Liga Árabe, em substituição a Amr Moussa. O governante CSFA designou na semana passada o veterano diplomata Mohammad al Orabia para substituir Al Arabi à frente da chancelaria. A repentina mudança de Al Arabi para a Liga Árabe foi uma “grande decepção” para quem se animara com suas promessas de mudança em matéria de política externa, disse Mansour.
“As declarações iniciais de Al Arabi haviam injetado uma boa dose de otimismo no público sobre mudanças antecipadas na política do Egito e a restauração de um papel destacado deste país na região”, disse. “Entretanto, as esperanças se despedaçaram após sua designação à frente da Liga Árabe”, prosseguiu. “A medida, certamente, afetará a iniciativa atual de restabelecer relações com o Irã, e não saberemos exatamente quando, até conhecermos a orientação da política do novo ministro”, afirmou.
O diálogo com o Irã se manterá nesta etapa de transição, disse Abdelmagid. “Contudo, duvido que haja algo formal antes das eleições presidenciais e parlamentares neste país”, acrescentou. As eleições legislativas estão previstas para setembro, segundo o cronograma fixado pelo CSFA e as presidenciais para quatro meses depois. Envolverde/IPS