Srinagar, Índia, 15/12/2011 – Com a queda da insurgência armada no Estado indiano de Jammu e Caxemira, o governo estadual deseja voltar à normalidade relaxando a draconiana legislação de segurança e reabrindo cinemas e comércios de bebidas alcoólicas, proibidos por organizações fundamentalistas. Em 2003, quando a situação nesse Estado do norte da Índia deu sinais de normalidade, gente nas ruas, organizações da sociedade civil e dirigentes políticos pediram a revogação da Lei de Poderes Especiais para as Forças Armadas, que permite detenções indefinidas sem julgamento.
“Vivemos à sombra de uma pistola há duas décadas. Merecemos melhor tratamento e a oportunidade de levar uma vida normal”, disse Altaf Bhat, doutor em economia e desempregado. Jovens como Bhat passam o tempo em cibercafés devido à enorme escassez de oportunidades, produto da situação de insegurança.
A Lei de Poderes Especiais foi aprovada pelo parlamento em 1990 como medida contra a insurgência deste Estado de maioria muçulmana, também um território disputado com o vizinho Paquistão. “Chegou a hora de revogá-la”, afirmou Omar Abdullah, ministro-chefe de Jammu e Caxemira, em outubro, abrindo um debate que rapidamente ecoou por todo o país.
Uma equipe de três interlocutores de paz, designados por Nova Délhi, enviou nesse mesmo mês um informe ao governo central sobre como atender as preocupações da população local e recomendou retirar a lei de forma paulatina. A posição de Abdullah foi criticada pelo partido do Congresso, seu aliado na Conferência Nacional, no governo estadual. O Partido do Congresso também encabeça a governante Aliança Progressista Unida, da qual também participa a Conferência Nacional.
Também houve objeções entre os militares, cuja força está instalada nesse Estado, porque afirmam que a Lei de Poderes Especiais, que dá cobertura legal aos seus soldados, prejudicará as operações contrainsurgentes. O exército, segundo a imprensa, afirma que 2.500 combatentes, que acredita estão no território da Caxemira controlado pelo Paquistão, podem regressar ao vale e acabar com a paz, se a lei for revogada. O argumento não convenceu Abdullah. “Nossa intenção é que a lei não seja aplicada nas áreas onde não é necessária a presença do exército”, esclareceu.
“Se comparamos a situação de 2002 com a de 2011, vemos que a atividade insurgente diminuiu 5%. Por isso, digo que é hora de revogar a lei”, disse Abdullah no dia 7. Abdullah, em reuniões que manteve com o ministro da Defesa, A. K. Antony, declarou que este ano houve um pequeno auge no turismo, com 1,3 milhão de visitantes até outubro.
O ministro-chefe é pressionado pelo opositor Partido Democrático Popular, pela sociedade civil e pelas pessoas nas ruas, que querem o fim da lei imediatamente. “As violações de direitos humanos ocorrem porque os soldados sabem que estão protegidos por essa poderosa lei, sem importar a gravidade dos abusos que cometerem”, denunciou à IPS o jovem Zameer Ahmed.
Sheij Shokat, professor de direitos humanos da Universidade da Caxemira, disse à IPS que, para revogar a lei, “o governo deve mostrar seriedade e convencer quem é contra. Contudo, até agora não passa de retórica”, afirmou. “Não podemos continuar reféns até que se encontre uma solução para o problema da Caxemira ou se acabe com a insurgência no vale”, afirmou, por sua vez, Nazeer Baba, estudante de arte da Faculdade Amar Singh, de Srinagar, capital deste Estado.
No contexto de sua iniciativa para restaurar a normalidade e impulsionar o turismo, o governo da Caxemira anunciou o plano de reabrir cinemas e a venda de bebidas alcoólicas, proibidos por organizações fundamentalistas no começo do conflito armado em 1989. Abdullah afirmou que se essas atividades são permitidas em outros países islâmicos, “não tem sentido proibi-las no vale da Caxemira”.
A grande maioria dos seis milhões de habitantes deste Estado é muçulmana. E líderes separatistas de linha dura como Syed Ali Shah Geelani criticaram a medida. “Estou interessado em saber quantos países da Organização da Conferência Islâmica, incluindo o Paquistão e Bangladesh, permitem cinemas em seus países”, afirmou. Porém, não são apenas os religiosos ortodoxos que têm objeções
O colunista Aijaz-ul-Haq afirmou que há sensibilidades locais envolvidas neste assunto, especialmente pela venda de bebidas alcoólicas. “O governo deveria, primeiro, prestar atenção na preocupação de sua própria gente, os turistas vêm depois”, afirmou. “A Caxemira não é um Estado teocrático, mas as sensibilidades sociais não estão limitadas apenas por questões religiosas”, disse o estudante Tanveer Tahir à IPS. “Se governo diz que álcool e cinema promovem o turismo, incentivará a prostituição pelo bem dessa atividade?”, perguntou. Envolverde/IPS