A febre dos telefones celulares pegou no Brasil de forma definitiva.
Temos mais celulares ativos do que habitantes. Para alguns, é um mau sinal. Indicaria desperdício e incapacidade do brasileiro de priorizar suas economias. Deveriamos, segundo esses críticos, dar de comer melhor às nossas crianças, ou ensina-las hábitos de higiene e melhorar sua educação. Em vez, disso, um grande número de pessoas opta por investir seus poucos reais na compra de um celular.
Trata-se de uma análise apressada, equivocada. A posse de um celular pode indicar exatamente a preocupação com as nossas crianças, a procura de melhores condições de vida para quem está no limite da linha de pobreza. É um avanço básico para o indivíduo sair da condição de marginal, no sentido amplo, em buca da cidadania.
Recentemente, o renomado economista Jeffrey Sachs, autor do livro O fim da pobreza, escreveu que o telefone celular é a tecnologia mais transformadora para o desenvolvimento. Sachs é diretor do projeto Aldeias do Milênio, da ONU, que selecionou 14 povoações da África subsahariana empobrecidas pela falta de água e vitimas de seguidas epidemias de malária. Em 2005, Sachs visitou essas aldeias e ficou impressionado com as precárias condições de vida da populacão. Voltou lá recentemente e ficou impressionado com as modificações que encontrou.
Jeffrey Sachs registrou a presença de telefones celulares em cerca de 30% das casas das aldeias. Atribuiu o que viu de progresso à existência desses aparelhos. Suas análises foram corroboradas por especialistas. O acesso à telefonia móvel foi o principal agente dessa evolução. Especialmente nas questões de saúde. Os moradores das aldeias passaram a ligar para os médicos do programa, solicitando sua presença, ou ouvindo recomendações. As populações locais deixaram de viver em completo isolamento. A implantação de centrais de recarga automática, é claro, foi fundamental, como lembrou Amanda Gardner, diretora do programa Business Call, também ligado à ONU. Hoje, segundo Amanda, você pode estar numa aldeia rural de Ruanda, procurar uma central de recarga, e reabastecer seu celular via telefone.
Entre 2005 e 2010, o uso de celulares triplicou nos países em desenvolvimento, atingindo quase 4 bilhões de usuários, segundo a União Internacional de Telecomunicações (UIT). Em nenhum lugar do planeta esse crescimento foi tão rápido quanto na África, que viu o número de celulares aumentar em 400% no período. Um estudo de 2006 da Universidade de Michigan constatou que cada 10% de aumento na penetração da telefonía celular faz crescer a economía local em 0.6%.
Michael Joseph, ex-diretor de um provedor de telecomunicaciones no Quênia – que passou de 17,000 usuarios em 2000, para a mais de 18 milhões em 2010 – estima que é provável que haja mais cobertura de celulares no Quênia do que em várias regiões da Europa. O crescimento do PIB no Quênia a metade do que foi nos 10 anos anteriores não fosse o celular, comentou Joseph com a CNN.
Olga Morawczynski, que passou 18 meses no Kenia estudando o impacto dos serviços de telefonia movel no país, diz que, graças ao celular algumas mulheres chegaram a comprar alisadores de cabelo, um produto tipicamente urbano.
Jeffrey Sachs não tem medo de chamar de “gênio“ o sujeito que inventou o sistema de celular pré-pago. Isso teria possibilitado o acesso dos mais pobres independente da ação dos governos e ao mesmo tempo abriu caminho para a entrada das empresas comerciais.
Afinal as pessoas, mesmo pobres, tem direito aos seus sonhos de consumo.
* Tão Gomes é jornalista, fez parte das equipes que criaram o “Jornal da Tarde”, em SP, e as revistas “Veja” e “ISTOÉ. Trabalhou ainda na “Manchete” e “Imprensa”, foi colunista da “Folha de São Paulo, entre outras atividades. No outro lado do balcão, foi Secretário de Imprensa do governador Franco Montoro, do Ministro Roberto Gusmão, do prefeito de Campinas, Jacó Bittar e mais recentemente trabalhou com o senador Delcídio Amaral.
** Publicado originalmente no site da revista Carta Capital.