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Censura potencializa epidemia

Moscou, Rússia, 22/2/2012 – As críticas se sucedem na Rússia diante da ofensiva do governo contra os meios de comunicação, em particular aos portais informativos da internet especializados em que divulgam métodos de redução de danos para usuários de drogas. Alguns opositores afirmam que o “silêncio draconiano” contra os defensores da saúde pública pode piorar uma situação sanitária já de risco para o país.

A campanha é “sobre a metadona, pura e simplesmente”, disse à IPS a presidente da Fundação Andrey Rylkov, Anya Sarang. O site de sua organização, que fornece informação a usuários de drogas intravenosas, foi fechado no começo deste mês. A ordem de fechar esse portal em idioma russo chegou no dia 3 deste mês ao Serviço Federal de Controle de Drogas do Departamento de Moscou, supostamente para impedir “a colocação de materiais que divulguem uso, distribuição e incitação à droga’.

Longe desses argumentos, a Fundação promete as estratégias de redução de danos e faz uma manifesta crítica à proibição imposta pelo governo russo à metadona. Seu site publicava com frequência pesquisas nacionais e internacionais demonstrando que a metadona reduz o risco de HIV (vírus causador da aids) entre os usuários de heroína e outros opiáceos, além de ajudar as pessoas a continuarem os tratamentos contra aids e tuberculose.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a metadona é uma substância essencial para tratar a dependência da heroína e impedir a transmissão do HIV reduzindo a prática de injetar-se. Mas a política do governo de “tolerância zero” com as drogas ilegais paralisou o uso da metadona em todo país.

Como atualmente a Rússia tem uma das maiores populações de usuários de drogas injetáveis no mundo, bem como uma das epidemias de HIV de mais rápido crescimento, a divulgação dessa informação é essencial para manter controlado o avanço do vírus. Alguns especialistas estimam que até 2015 haverá quase 1,7 milhão de pessoas infectadas com esse vírus se as tendências atuais não se modificarem. Outros acreditam que mesmo estas estatísticas oficiais são conservadoras.

Estima-se que 980 mil pessoas vivem com HIV na Rússia. Em algumas regiões, até 80% dos infectados contraíram o vírus em seringas contaminadas, explicou à IPS a analista em direitos humanos Eka Iakobishvili, da organização Harm Reduction International, com sede em Londres.

“Durante anos, defensores dos direitos humanos como a Fundação Andrey Rylkov afirmaram que o colossal fracasso da Rússia em fornecer serviços vitais aos usuários de drogas é uma violação de suas obrigações sob o direito internacional de respeitar, proteger e cumprir com o direito à saúde”, denunciou Sarang à IPS. “A campanha do governo contra os ativistas pela saúde pública também converteu o assunto em uma violação à nossa liberdade de expressão”, acrescentou.

A Organização das Nações Unidas (ONU) incluiu o tratamento universal para as pessoas que vivem com HIV/aids entre seus Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, a serem cumpridos até 2015.

Os ativistas afirmam que o fato de a Rússia não permitir informar ou prestar serviços que ajudem os consumidores de drogas viola as leis internacionais sobre direitos humanos e saúde pública.

“Nos preocupa muito o fechamento do site, que é um dos pouquíssimos em idioma russo que fornecem informação precisa sobre tratamento para usuários de drogas, em particular usando a metadona”, explicou à IPS o pesquisador Diederik Lohman, da Human Rights Watch (HRW).

Para Lohman, o governo costuma dar informação errada sobre terapias que utilizam a metadona, dizendo que são inúteis e perigosas apesar de a OMS, o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/aids (Onusida) e o Escritório das Nações Unidas contra a Droga e o Crime recomendarem seu uso por ser o método mais eficaz.

Como a Fundação é uma organização da sociedade civil, que responde diretamente às necessidades da população local, “o fechamento de seu site provavelmente terá duplo impacto na sociedade russa”, ressaltou Iakobishivili à IPS. “O primeiro seria silenciar a voz democrática que se opõe às atuais políticas do governo em matéria de saúde e justiça social. E o segundo seria privar milhares de pessoas de informação vital sobre temas de saúde, que o site fornece diariamente”, detalhou.

De fato, Lohman acredita que o governo exacerbou a epidemia de HIV/aids no país ao ir contra o debate público sobre intervenções cruciais em questões de saúde. Milhares de pessoas que morreram nos últimos anos poderiam ter sido salvas se o governo tivesse permitido adequados tratamentos e programas preventivos, afirmou.

Os acadêmicos também estão muito preocupados com o que ocorre na Rússia. Por exemplo, Evan Wood, do Centro para a Excelência em HIV/aids e professor de medicina na canadense Universidade de Columbia Britânica, disse à IPS que agora se estima que quase um em cada cem adultos no país é HIV positivo. Isto se deve, em boa parte, ao fato de intervenções cientificamente provadas de prevenção do HIV, com a metadona, serem ilegais, destacou.

Wood está convencido de que a decisão das autoridades de censurar o site da Fundação é uma clara violação à liberdade de informação e é outro “exemplo horrível” da causa de a epidemia de HIV estar tão arraigada na região que um dia formou a União Soviética. Segundo vários informes, Europa oriental e Ásia central registram o crescimento mais rápido de casos de HIV no mundo, e a Rússia representa entre 60% e 70% da epidemia. Envolverde/IPS