Na semana em que um anúncio da Organização Mundial da Saúde produziu um temor planetário de que o celular pode causar tumores no cérebro, um jovem chamado Omar Ali virou notícia por suas descobertas contra o câncer.
Ele desenvolveu um minúsculo implante que ajuda o corpo a atacar os tumores. Como os resultados foram animadores com ratos, Omar Ali foi para uma empresa tentar aplicar sua vacina em humanos, atraindo o interesse da indústria farmacêutica. Para ter mais acesso a pesquisas, ele passou a trabalhar num laboratório de Harvard onde se misturam conhecimentos de engenharia e biologia. Esta combinação é tida como a mais promissora atividade profissional do futuro.
A possibilidade de perder talentos como Omar Ali é hoje um dos maiores medos de uma parte da elite americana. O desemprego está produzindo uma onda de desconfiança e ressentimentos contra trabalhadores estrangeiros, deixando de atrair cérebros.
No dia 3, foram anunciados mais números ruins sobre o mercado de trabalho nos Estados Unidos. A economia está até voltando a crescer, mas com menos trabalhadores. Uma empresa pode valer, literalmente, bilhões, mas ter poucas centenas de funcionários.
Os números de desemprego se traduzem em pânico eleitoral. Como mostram os fatos, um presidente não se reelege aqui se o desemprego estiver alto pelo menos desde Roosevelt. Nesse clima, olha-se os estrangeiros, acusados de tirar emprego dos locais, com desconfiança.
Um recente editorial do The Boston Globe, um dos mais influentes jornais americanos, foi duro, quase num tom apocalíptico. Os Estados Unidos, segundo o jornal, estão condenados a virar um país do passado, perdendo sua capacidade de inovar e competir se não conseguir atrair gente talentosa.
Não se trata apenas de tolerar os imigrantes, segundo o jornal, mas caçá-los, oferecendo bolsas nas universidades e garantias para que possam trabalhar e montar negócios no país.
O editorial foi motivado pela queda abrupta de mão de obra qualificada que procura um visto de trabalho nos Estados Unidos, incomodada com os empecilhos burocráticos.
O editorial tem muito a ver com uma questão geográfica. A região metropolitana de Boston sofreu muito pouco – comparada ao resto do país – com a crise econômica por ser um efervescente centro de inovações empresariais devido à proximidade com grandes universidades.
Por causa das universidades e dos centros de pesquisa, a região costuma atrair milhares de cérebros estrangeiros, fazendo as mais inusitadas descobertas e abrindo inovadoras empresas. Periodicamente se produz, na imprensa local, o ranking dos inovadores. É de tirar o fôlego. Há desde novos métodos de mapeamento genético para permitir um tratamento individualizado para cada paciente até baterias para carros elétricos. Quem acompanhou a reunião dos prefeitos das maiores cidades do mundo sabe o que significa dominar tecnologia para carros elétricos.
Não é por outro motivo que o Google escolheu Boston para ter um braço financeiro destinado a patrocinar ideias inovadoras. O Google, aliás, está investindo cada vez mais em projetos alternativos, inclusive em novos modelos de carros, que andam sem motorista.
Peguem as maiores empresas inovadoras americanas e sempre se encontrará um estrangeiro numa posição relevante. No caso do Facebook, por exemplo, um brasileiro. É assim no Google, Yahoo, Intel, Sun, e assim por diante.
Prefeitos como Michael Bloomberg, de Nova York, fazem coro ao editorial do The Boston Globe. Um dos seus projetos é estimular, na cidade, arranjos voltados a negócios digitais, aproveitando a proximidade com financiadores e universidades. É o que eles batizaram de Silicon Alley, numa referência ao Silicon Valley da Califórnia.
Há uma disputa das cidades norte-americanas por empresas. Boston se incomoda com São Francisco, que, ao mesmo tempo, disputa com Nova York. Cada uma delas tenta oferecer vantagens, como a criação de incubadoras ou bairros que compõem arranjos econômicos locais.
Daí que a falta de cérebros, venham de onde vierem, é vista como uma das sérias ameaças ao futuro.
PS – O que, porém, é ruim para os Estados Unidos pode ser bom para países emergentes como o Brasil. Desde que saibam reter talentos, assegurando espaço para pesquisa e financiamento para ideias inovadoras. Somos um país que, em sua maior cidade, São Paulo, não há um parque tecnológico, apesar de contar com a melhor universidade da América Latina.
* Gilberto Dimenstein é colunista e membro do Conselho Editorial da Folha de S.Paulo, comentarista da rádio CBN, e fundador da Associação Cidade Escola Aprendiz – [email protected].
** Publicado originalmente no Portal Aprendiz.