Havana, Cuba, 25/10/2013 – A unificação das moedas que circulam em Cuba era uma das reformas mais esperadas pela população, que, no entanto, reagiu entre descrente e com dúvidas diante do anúncio de um cronograma para desmontar uma dualidade monetária acusada de ter acentuado as desigualdades sociais. “Não há detalhes de como será feita, nem prazos. É como se fosse para nos dizer que algo está sendo feito com este problema”, afirmou à IPS um contador que pediu para não ser identificado.
Desde 1994, esse país tem duas moedas oficiais: o peso cubano e o peso cubano conversível (CUC), que desde 2004 substituiu o dólar, retirado de circulação no mesmo ano. A taxa de câmbio está fixada em 24 pesos por CUC. Omara, uma aposentada de 73 anos que omitiu seu sobrenome, explicou que, com as remessas enviadas por seus três filhos do exterior, arredonda sua pensão em 240 pesos (US$ 10). “Preciso que o dinheiro, seja qual for, represente mais, porque, se for mantida a mesma taxa cambial de agora, ficarei do mesmo jeito. Sempre terei que trocar os dólares pela moeda nacional”, explicou à IPS. E nas lojas os preços “aumentam cada vez mais”, ressaltou.
Silvia Medina não tem familiares no exterior que possam ajudá-la, nem outra renda além de sua pensão, também equivalente a US$ 10. Entre duvidosa e esperançosa, disse que, “se a unificação monetária significar que os pesos da minha pensão aumentarão seu valor de compra, bem-vinda seja e que a façam logo”. Saúde e educação são gratuitas em Cuba. E Medina tem acesso a uma cesta de alimentos a preços subsidiados que, embora insuficiente, ajuda as famílias de menor recurso. Contudo, ao contrário de Omara, não pode completar suas necessidades básicas comprando produtos nas lojas que vendem com CUC.
No dia 22, o governo anunciou que iniciará as medidas para a unificação cambial e monetária, embora ela sozinha não resolva os problemas da economia deste país de regime socialista, recordou Medina. Porém, sua aplicação é “imprescindível para garantir o restabelecimento do valor do peso cubano e de suas funções como dinheiro, isto é, de unidade de contas, meios de pagamento e para fins de Tesouro”, dizia o comunicado do governo. Assim, “se fará o ordenamento do contexto econômico e em consequência a medição correta de seus resultados”, destacou.
O economista cubano Pável Vidal, professor da Pontifícia Universidade Javeriana em Cali, na Colômbia, considera mais importante o fato de “finalmente” o processo começar. Além disso, se reafirma que as mudanças começarão pelo sistema empresarial e depois se passará à população, cujas contas de poupança não serão afetadas, explicou Vidal à IPS. Isso traz consigo uma desvalorização do peso cubano para as empresas, que hoje empregam um tipo de câmbio de um peso por CUC, para levá-lo gradualmente ao que vigora para a população, de 24 pesos por CUC, detalhou.
No entanto, “faltam muitos detalhes a serem definidos, que indicarão a profundidade da medida e dirão até onde a desvalorização nominal da taxa de câmbio será uma desvalorização real”, acrescentou o especialista em finanças. A correção da taxa de câmbio e a unificação de moedas tornarão mais transparentes os balanços contábeis das empresas e clarearão as contas nacionais e o orçamento do Estado, estimou. No entanto, além disso, se “evidenciará que a dualidade monetária não é a responsável pelo baixo poder aquisitivo do salário nem pelas desigualdades, que são assuntos estruturais e não monetários”, destacou o especialista à IPS, via correio eletrônico.
Beatriz González, ex-contadora em uma fábrica, atesta que a dualidade monetária torna muito complexo o trabalho contábil. “Uma loucura, tinha que ter uma conta em pesos e outra em divisa. Toda operação tinha que ser dupla. A unificação da moeda será benéfica para as empresas”, afirmou à IPS. Porém, ela não deixa de questionar se também subirão os salários e cairá a taxa cambial do CUC por pesos nas casas de câmbio, de 24 pesos para venda e 25 para compra. A resposta oficial é que os salários só poderão aumentar se antes for elevada a produtividade trabalhista.
A posse de divisas conversíveis para a população cubana foi despenalizada em 13 de agosto de 1993. Por outro lado, foram permitidas as contas bancárias em dólares e habilitadas redes de lojas estatais para venda ao varejo nessa divisa. Quatro meses depois foi criado o CUC. Entre 1989 e 1993, o produto interno bruto caiu 35%, perdeu-se mais de 80% do comércio exterior, o consumo de combustível diminuiu para menos da metade e desapareceram quase completamente as fontes externas de financiamento, devido à dissolução da União Soviética, da qual dependia a economia cubana.
Nesse período aumentaram as desigualdades e instalaram-se os bolsões de pobreza. Em meio à recessão econômica, as autoridades decidiram não frear a entrada de dólares do turismo, as remessas, o investimento estrangeiro, as exportações e outros fluxos vindos do exterior. A dolarização favoreceu o desenvolvimento do turismo e o investimento externo.
Até hoje o Estado paga os salários e as pensões em pesos cubanos, usados para pagar serviços públicos básicos, ir a centros culturais e desportivos, adquirir alguns produtos industriais, alimentos nos mercados e artigos subsidiados de venda normatizada para cada família. Desde 2004, o CUC é a única divisa de circulação permitida e dá acesso a telefonia celular e internet, entre outros serviços, bem como às lojas estatais onde são oferecidos produtos básicos de melhor qualidade, eletrodomésticos, móveis e outros artigos de consumo do lar.
A unificação monetária faz parte das reformas do governo de Raúl Castro para avançar rumo a um modelo de socialismo “próspero e sustentável”. Embora não tenham sido dados prazos, o economista cubano Omar Everleny Pérez estima que, se esse programa de mudanças tiver como data final dezembro de 2015, então também será o fim do cronograma para eliminar a dualidade. Envolverde/IPS
* Com colaboração de Ivet González (Havana).