Essa região do Rio, apelidei de “shopping da ziquizira”: com tantas farmácias, você se pergunta se é normal ter boa saúde.
A menos de dez minutos a pé da minha casa tem seis livrarias e cento e vinte cafés (desde a última contagem, há quinze dias, mas é possível que já haja uns dois ou três novos). Isto é reflexo de um dos programas preferidos dos parisienses: abrir um livro em uma mesa de um café – de preferência na varanda, se o clima for favorável – e ficar ali horas a fio, lendo compenetradamente, pensando na vida.
Nesse mesmo perímetro tem também três farmácias, que são pequenas, fecham aos domingos e vendem… medicamentos. E apenas medicamentos.
Tô contando isso porque na semana passada visitei o Rio de Janeiro e, precisando comprar dois livros, dirigi-me à minha livraria preferida, a Letras & Expressões, em Ipanema. Um lugar que me acostumei a frequentar, pois era também um ponto de encontro, com uma casa de shows e um restaurante simpático.
Era. Porque agora virou farmácia. Ou melhor, vai virar, já que está em obras.
A drogaria que vai abrir no lugar da Letras & Expressões fica exatamente em frente a uma outra, enorme, e a cinco minutos a pé de outras noventa e três (ou já seriam noventa e quatro?). Essa região, eu apelidei de “shopping da ziquizira”, pois com tantas farmácias você começa a se perguntar se é normal estar em boa saúde. Aí conclui que não. E entra em uma delas pra comprar um “remedinho pra curar essa coisa estranha que tá me dando hoje, sabe?”.
Então sai com um carregamento que “vai te fazer sentir melhor, seja lá o que você tenha, bastando tomar duas cápsulas desse aqui e três glóbulos daquele ali antes do jantar”. E já que está em uma farmácia brasileira, você aproveita para levar para casa duas Coca Colas, uma lata de sorvete e três pacotes de biscoito de polvilho. Afinal, os “shoppings da ziquizira” espalhados por aí te vendem a cura, mas também a garantia da sua breve volta ao estabelecimento.
Ao dar de cara com a enorme placa que dizia “Em breve, para a sua comodidade, mais uma farmácia do grupo X”, fiquei pensando que ao invés de tantos comprimidos deveríamos era tomar mais pílulas literárias, de preferência sentados em um café por longas horas. Talvez assim desocupemos a cabeça desse tanto de doença que a gente adora inventar.
* Daniel Cariello é editor da revista Brazuca, é colaborador regular da Biblioteca Diplô/Outras Palavras. Escreve a coluna Chéri à Paris, uma crônica semanal que vê a cidade com olhar brasileiro. Os textos publicados entre março de 2008 e março de 2009 podem ser acessados aqui.
** Publicado originalmente no Blog Chéri à Paris e retirado do site Outras Palavras.