China, Brasil e as mudanças climáticas

O que tem a ver com o Brasil a adoção pela China de um programa para estabelecer um mercado de carbono doméstico com vistas a reduzir suas emissões?

Poluição gerada por fábrica em Jilin, no norte da China.

A China anunciou, há poucos dias, um programa experimental para estabelecer um mercado de carbono doméstico com vistas a reduzir suas emissões até 2020. Um avanço extraordinário para um país que, na COP-15, em 2009, não economizou esforços diplomáticos para impedir que os países assumissem em bloco o compromisso de reduzir emissões.

O que essa medida tem a ver com o Brasil? O que aponta como caminho para o mundo? Qual a influência que pode ter num possível acordo sobre clima, na COP-17, e sobre o desenvolvimento sustentável, na Rio+20? As respostas exigem uma reflexão sobre a conjuntura internacional e o papel da China e do Brasil, bem como das empresas, nesse processo. Então, vamos por partes.

A 15ª. Conferência das Partes sobre Meio Ambiente, mais conhecida como COP-15, já passou para a história por vários motivos. Realizada em Copenhague, entre 9 e 20 de dezembro de 2009, ela reuniu o maior número de chefes de Estado para discutir a questão ambiental, desde a Rio-92, e ficou famosa por também ter sido o momento em que a sociedade civil global mostrou sua força política. Centenas de milhares de “ongueiros” do mundo todo, de Tuvalu aos Estados Unidos, passando pelo Brasil e países árabes (olha aí a semente da Primavera de 2011!), foram a Copenhague e, junto com as organizações locais, realizaram manifestações públicas diárias, cobrando uma posição consistente dos governos a respeito das consequências do aquecimento global.

Basicamente, os manifestantes exigiram nas ruas o que os governantes não conseguiram estabelecer em incontáveis plenárias e reuniões fechadas: um acordo internacional com metas de redução de carbono, diretrizes para estabelecer um mercado de compensações de emissões, um fundo internacional para financiar desde inovações até a transferência de populações afetadas pelas mudanças climáticas.

Com menos alarde, mas com igual contundência, representantes das maiores empresas – inclusive brasileiras – também se fizeram presentes na Conferência e, em reuniões informais, algumas inclusive em conjunto com ONGs, discutiram os desafios das sociedades diante das mudanças climáticas e as oportunidades de negócio que elas abrem em energias renováveis, recuperação de serviços da natureza, inovação, processos e produtos.

A COP-15 também representou uma “virada” na cobertura da imprensa que, a partir daí, passou a dar mais espaço a temas ambientais no noticiário.

Mesmo assim, a COP 15 é mais lembrada pelo que ela “não foi”. Não houve o tão esperado acordo para conter as emissões de carbono em nível global. Os governos não conseguiram se entender. Ou melhor, Estados Unidos e China bloquearam qualquer chance de consenso sobre os assuntos em pauta. Ambos os países consideraram que um acordo limitante – como seria aquele de Copenhague – feria a soberania nacional deles.

Mas a COP-15 também “foi” muitas coisas.  Foi, por exemplo, um divisor de águas para o Brasil, que, pela primeira vez, apresentou metas de redução de emissões. O documento oficial final foi uma “declaração de intenções” pela qual os 130 governos comprometeram-se com o mínimo: estabelecer ações de mitigação para impedir que as temperaturas globais aumentem mais do que 2ºC até 2050. As metas sugeridas são tímidas, se comparadas com as necessidades apontadas pela ciência da mudança climática. Com esses 2ºC, vale ressaltar, os países-ilhas, como Tuvalu, tendem a desaparecer. O que fazer com a população? Ainda não há resposta.

No entanto, a aceitação desse mínimo indicou, ao menos, a “vontade” dos governos – principalmente dos Estados Unidos e da China –, de encarar o problema do aquecimento global. Até pouco antes da COP-15, no Fórum Econômico de Davos, em janeiro de 2009, a própria China – já na época a maior emissora de carbono do planeta – afirmava que o aquecimento global era um “entrave” que os industrializados “inventaram” para impedir o crescimento econômico do país.

A COP-15 também representou a consolidação dos “emergentes” como players importantes na geopolítica internacional. Com destaque para o Brasil. Luiz Inácio Lula da Silva, na época presidente, foi uma das estrelas do evento. Fez todos os esforços para que Estados Unidos, China e Índia aceitassem metas mais ousadas e, quando percebeu que seria inútil continuar tentando, fez um discurso emocionante no plenário dos chefes de Estado, destacando que a discussão na COP-15 não era apenas sobre clima, mas sobre um rearranjo internacional que garantisse desenvolvimento e oportunidades iguais para todos os países e todas as pessoas do planeta.

Compromissos brasileiros

Lula também enfatizou que o Brasil não ia “barganhar” as metas de redução que já assumira unilateralmente e que não precisam de dinheiro externo para serem atingidas. De fato, o Brasil anunciou antes da COP-15 que reduziria suas emissões em até 38% até 2020, aprovou a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC) no fim de 2009 e sua regulamentação no início de 2010.

As empresas brasileiras do Fórum Clima, lideradas pelo Instituto Ethos, tiveram um papel decisivo nessa tomada de decisão. Em 25 de agosto de 2009, durante o seminário “Brasil e as Mudanças Climáticas: Oportunidades para uma Economia de Baixo Carbono”, executivos de algumas das maiores empresas do país assumiram o compromisso de reduzir as emissões de carbono de suas organizações. Ao mesmo tempo, apresentaram diversas sugestões de ação ao governo federal para o Brasil avançar na agenda rumo a uma economia de baixo carbono e, com isso, permitir às empresas planejar suas ações no mesmo sentido. Essas sugestões e compromissos foram reunidos num documento denominado Carta Aberta ao Brasil sobre Mudanças Climáticas, que foi entregue ao Ministério do Meio Ambiente e à Presidência da República.

O governo federal, então, em outubro daquele ano, anunciou oficialmente as metas de redução de carbono, enviando ao Congresso o projeto de lei que se transformaria na PNMC. Na ocasião, foi o único país a fazer isso.

As empresas signatárias da carta aberta constituíram um grupo de trabalho a que chamaram de Fórum Clima – Ação Empresarial sobre as Mudanças Climáticas. Este grupo está em pleno funcionamento e tem, entre seus objetivos, monitorar os compromissos assumidos pelas signatárias da carta e apresentar novas sugestões aos governos para aperfeiçoar as políticas nacional, estaduais e municipais sobre mudança do clima.

Essas ações de empresas e de governos puseram o Brasil na vanguarda do combate ao aquecimento global. Até a China anunciar o seu mercado de carbono experimental, no início da semana. O que muda a partir daí?

Brasil X China: o que podemos aprender

O plano chinês de reduzir as emissões inclui um aumento das tarifas de energia para as indústrias de alto consumo, assim como vantagens fiscais para projetos de conservação energética. Haverá, também, incentivos às instituições financeiras chinesas para que invistam em novas energias, num país que já lidera mundialmente o investimento em renováveis. Paralelamente, o governo vai desencorajar o crescimento excessivo de setores muito intensivos em energia.

O governo chinês também fixou como metas:

• reduzir entre 8% e 10% suas emissões de poluentes no período 2011-2015;
• aumentar para 11,4% o uso de combustíveis não fósseis como fontes de energia (embora carvão e petróleo continuem predominando); e
• reduzir em 17% a intensidade de carbono (emissões de CO2 divididas pelo PIB) na economia.

Catástrofes ambientais, problemas de segurança alimentar e outros conflitos relacionados à degradação dos ecossistemas nesse país têm causado insatisfação e revolta na população. Por isso, as autoridades resolveram agir e, assim fazendo, contribuíram para avançar a agenda de compromissos de governos com vistas à Rio+20.

O Brasil, que desde a COP-15 ocupava uma posição de destaque em relação aos temas ambientais, perde agora alguns pontos. Por quê?

Porque a PNMC ainda não saiu do papel. Não há regras claras para o estabelecimento de um mercado de carbono: quem deve regular esse comércio, como o crédito deve ser tributado pelo Estado e contabilizado nos balanços das empresas. Além disso, não há política fiscal que estimule (ou desestimule) setores econômicos, que incentive a inovação para a sustentabilidade e os empregos verdes.

Pior: vivemos um retrocesso ambiental, com aumento do desmatamento – a grande causa de o Brasil ser considerado um dos maiores emissores de carbono do mundo – e a perspectiva de aprovação de um Código Florestal que não pune quem desmatou e ainda promove aumento da área sem preservação em regiões de florestas nativas.

Tudo isso às portas da Rio+20. A expectativa do mundo é que o Brasil, pelas atitudes adotadas em 2009 e por sediar a Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável em 2012, seja referência em temas socioambientais e traga propostas que sirvam de diretrizes globais para o estabelecimento de um modelo de desenvolvimento sustentável que enfrente as mudanças climáticas com crescimento econômico, inclusão social e equilíbrio ambiental.

O que é preciso fazer para recuperar o terreno perdido? Tirar do papel a Política Nacional sobre Mudança do Clima é uma das ações necessárias. Para isso, o protagonismo das empresas pode, ainda uma vez, ser decisivo.

Fórum Clima entrega recomendações ao governo federal

No dia 1º de agosto, os integrantes do Fórum Clima entregaram à ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, um documento contendo recomendações para aperfeiçoar a Política Nacional de Mudanças do Clima.

Entre essas recomendações estavam:

• uniformizar as políticas nacional, estaduais e municipais sobre mudanças climáticas;
• adotar linhas de crédito favoráveis a empresas que emitam menos carbono;
• definir uma metodologia padrão para os inventários de emissões de carbono;
• realizar uma reforma fiscal no sentido de promover a economia de baixo carbono; e
• construir os planos setoriais de redução de emissões de carbono.

Tais recomendações foram discutidas e aprovadas durante um seminário que o Fórum Clima realizou em Brasília, em 15 de março deste ano, e que contou com a presença da própria ministra Izabella Teixeira, de Carlos Nobre, secretário no Ministério da Ciência e Tecnologia, e dos secretários estaduais de Meio Ambiente de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, bem como de representantes do Instituto Ethos e das empresas e entidades que compõem o Fórum Clima.

O Fórum Clima – Ação Empresarial sobre Mudanças Climáticas é um grupo de trabalho constituído para acompanhar os compromissos que as empresas signatárias da Carta Aberta ao Brasil sobre Mudanças Climáticas assumiram, entre os quais reduzir emissões no próprio negócio e na cadeia produtiva. Fazem parte do Fórum Clima o Instituto Ethos, o Fórum Amazônia Sustentável, a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica) e dezoito empresas: Alcoa, Andrade Gutierrez, Bradesco, Camargo Corrêa, CBMM, CPFL Energia, Construtora OAS, Fibria, Grupo Pão de Açúcar, Grupo Carrefour, Natura, Odebrecht, Polimix Concreto, Samarco, Suzano, Vale, Votorantim e Walmart Brasil.

O primeiro passo, e mais corajoso, de enfrentar os problemas do aquecimento global, o Brasil já deu e nisso foi pioneiro: estabelecer metas de redução de carbono numa legislação específica. O que precisa, agora, é “fazer”.

As sugestões encaminhadas pelo Fórum Clima ao Ministério do Meio Ambiente indicam uma parte do “fazer”. Mas é preciso criar uma agenda que vá além dos temas de mudanças do clima e aponte para a transição para uma economia includente, verde e responsável.

Uma parte dessas propostas estará sendo discutida nos dias 8 e 9 de agosto, durante a Conferência Ethos 2011. Além da agenda que será debatida com membros do governo, de ONGs, acadêmicos e empresas, a Conferência também vai reunir propostas para elaborar um documento que será apresentado durante a Rio+20. Empresas, governo e sociedade juntos podem construir um país e um mundo mais justo e sustentável.

* Publicado originalmente no site do Instituto Ethos.