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China espirra e a América Latina se resfria

Parte do porto Ponta da Madeira, no nordeste do Brasil, de onde saem os navios carregados com minério de ferro destinado à China. Foto: Mario Osava/IPS
Parte do porto Ponta da Madeira, no nordeste do Brasil, de onde saem os navios carregados com minério de ferro destinado à China. Foto: Mario Osava/IPS

 

Washington, Estados Unidos, 20/5/2014 – O enorme processo de urbanização da China se construiu, literalmente, com metais fornecidos por países da América Latina. Mas a desaceleração do crescimento econômico chinês e a queda dos preços das matérias-primas ameaçam o auge das exportações latino-americanas.

“Na medida em que baixam os preços dos produtos básicos, as autoridades latino-americanas desejariam ter utilizado parte dos benefícios do auge para se diversificarem por outros setores”, apontou Kevin Gallagher, professor da Universidade de Boston e autor de um boletim sobre China e América Latina da Iniciativa Mundial de Gestão Econômica (Gegi).

“Entre 2006 e 2011, o índice de preços dos produtos básicos do Fundo Monetário Internacional (FMI) subiu uma média anual de 9,8% e a economia chinesa cresceu a uma taxa média anual de 10,5%. Mas em 2012 os preços dos produtos básicos caíram 3,2% e a economia chinesa desacelerou 7,7%”, segundo a publicação de 2013. A queda dos preços das matérias-primas afeta principalmente a América Latina, já que 86,4% de suas exportações para a China correspondem a produtos básicos, enquanto 63,4% das exportações chinesas para a região são de manufaturados.

“Na medida em que os preços subiam, as exportações aumentaram e o crescimento melhorou significativamente. A América Latina pode agradecer à China e ao auge dos produtos básicos pelo fato de a crise financeira mundial (iniciada em 2008) não a ter afetado tanto”, pontuou Gallagher à IPS. “Mas as taxas de câmbio subiram, o investimento se concentrou nas matérias-primas, os fabricantes não puderam competir com as importações procedentes da China e, além disso, o crescimento impulsionado pelos produtos básicos provocou numerosos conflitos sociais e ambientais”, acrescentou.

Segundo o informe da Gegi, o crescimento anual das exportações da América Latina para a China teve média de 23% entre 2006 e 2011, mas caiu para 7,2% em 2012. Essas vendas se concentraram principalmente em cobre, ferro e soja. As exportações de metais correspondem a dois países, já que 86% do ferro procede do Brasil e 92% do cobre do Chile.

As exportações da China para a América Latina são consideravelmente mais diversas, sobretudo de produtos manufaturados, como eletrônicos e veículos que são menos sensíveis às variáveis de preços dos bens básicos. De fato, a redução dos preços das matérias-primas gerou um desequilíbrio comercial entre América Latina e China a favor desta.

“A China baseia sua relação com a América Latina em sua ideia de ganância nas duas pontas, complementária das relações Sul-Sul, e conseguiu não cair do cavalo quanto ao comércio de produtos básicos com altos preços que oferece benefícios mútuos”, apontou Matt Ferchen, diretor do programa China e o Mundo em Desenvolvimento, do Centro de Política Internacional Carnegie-Tsinghua, da chinesa Universidade de Tsinghua.

“Os preços baixarem realmente é bom para a China e para os compradores de produtos básicos, e nem tanto para os exportadores do Brasil e do Chile, onde poderíamos ver algumas dificuldades na relação”, afirmou Ferchen durante um debate realizado no Diálogo Americano, um centro de análises com sede em Washington.

Em resposta à queda do crescimento, o presidente chinês, Xi Jinping, anunciou uma série de reformas financeiras que ainda não foram promulgadas. “Os novos dirigentes do Partido Comunista discutem sobre a reestruturação da economia da China, para afastá-la das exportações pesadas e do investimento público… Pretende-se que o consumo substitua as exportações e o investimento público, e por trás disso está uma nova classe média em crescimento que impulsionará ainda mais o crescimento econômico”, destacou Ferchen.

Este novo modelo econômico responde à preocupação quanto aos excessivos investimentos do governo em transporte, construção de casas e infraestrutura. Mas a ênfase dada no consumo interno se produz à custa das importações de matérias-primas latino-americanas.

“A maioria dos governos da América Latina não está bem preparada para uma queda de preços dos produtos básicos. O Chile tem um forte fundo de estabilização do cobre e um fundo de riqueza soberana que captou algo do auge dos produtos básicos”, destacou Gallagher. “Mas a maioria dos países restantes, como o Peru, nunca foi capaz de pensar que o preço poderia mudar enquanto se fechavam no caminho do crescimento impulsionado pelos produtos básicos”, acrescentou.

Contudo, pesquisadores do Banco Mundial sugerem que a América Latina não é tão suscetível aos choques externos dos mercados das matérias-primas como nas décadas de 1980 e 1990. Em primeiro lugar, a maioria dos países latino-americanos adotou sistemas macrofinanceiros imunes, com o pagamento da dívida externa, o acúmulo de reservas e a redução da dependência do dólar. O grau de proteção que possui cada país contra os choques externos varia.

Por exemplo, embora a taxa de investimento na região chegue a quase 25% do produto interno bruto, próxima do nível do sudeste da Ásia, a do Brasil cai para 18%, e alguns críticos dizem que a Venezuela não investiu sua renda com petróleo de maneira inteligente. Um informe semestral do Banco Mundial destaca que a América Latina reestruturou “suas fontes de financiamento, afastando-se dos movimentos de carteira e créditos bancários para adotar o investimento estrangeiro direto e as remessas”.

Outro bom ponto é que o investimento estrangeiro direto da China na América Latina, especialmente em infraestrutura e energia, deveria ser positivo para as economias da região. A presença chinesa, especialmente na fusão e aquisição de empresas, também se estendeu além dos sócios tradicionais, como Argentina e Brasil, para incluir Equador, Bolívia e Peru. Os especialistas esperam que esses mercados adicionais, em particular o da energia, possam compensar a redução do comércio de produtos básicos, que se espera diminua apenas no presente ano.

Com dados do Banco Mundial, do FMI e do The Economist Unit, braço de análise e pesquisa da revista The Economist, o informe da Gegi prevê queda de 3,1% no preço da cesta de exportações entre América Latina e China, quase duas vezes mais do que a redução de preços de 2013, o que implica um crescente déficit comercial para 2014 entre ambos.

O efeito sobre o crescimento vai variar segundo os países, baseado tanto em fatores externos, como na demanda interna e em políticas econômicas próprias. O Banco Mundial prevê que o Panamá continuará com expansão econômica próxima de 7%, seguido de Peru com 5,5%. Chile e Colômbia crescerão 3,5%, México 3% e Brasil cerca de 2%, enquanto a economia da Venezuela se contrairá 1%, segundo o Banco Mundial.

Essa contração dos mercados fortes em produtos básicos repercutirá além da América Latina. “Esta não é só uma preocupação da América Latina, mas de todo o mundo. Na África, no sudeste asiático e em outros lugares, por seu impacto na mão de obra, na questão ambiental, nas questões do investimento estrangeiro direto, isto é uma preocupação compartilhada em muitos países”, enfatizou Ferchen. Envolverde/IPS