Kurmuk, Sudão, 27/10/2011 – A sudanesa Hawa Jundi senta-se do lado de fora do abrigo improvisado onde sobrevive com sua família e vê a chegada de uma tempestade com relâmpagos, enquanto o vento agita a lona presa aos paus. Contudo, este é o menor de seus temores. Jundi é uma das dezenas de milhares – talvez centenas de milhares – de pessoas que se refugiaram em diferentes locais do Estado sudanês de Nilo Azul, fronteiriço com a Etiópia, após fugirem de suas aldeias por causa dos bombardeios por parte do governo.
Já há crise humanitária, mas a situação pode ficar pior porque o fornecimento de alimentos está diminuindo. Jundi e sua família têm assegurada apenas uma refeição diária com base em plantas silvestres que coletam e sorgo que encontram em fazendas abandonadas. Ela e seus familiares deixaram para trás sua aldeia em Sally, em Nilo Azul, fugindo do ataque de um avião bombardeiro modelo Antonov enviado por Cartum. Porém, mesmo aqui têm medo.
Jundi quase ficou ferida pelo estilhaço de uma bomba lançada sobre o leito de um rio seco localizado próximo, onde ela e outros moradores da aldeia buscavam mínimos grãos de ouro para vender e comprar comida. “Não sei por que o Antonov veio nos bombardear, mas fugimos da aldeia e chegamos aqui. Vimos que o avião também vinha para este lugar”, contou a mulher.
O Movimento para a Libertação do Povo do Sudão – Facção Norte (MLPS-N), partido proscrito pelo governo de Omar Al Bashir, afirmou que Cartum estava dirigindo deliberadamente seus ataques contra os civis. O MLPS-N é filiado ao mais amplo Movimento para a Libertação do Povo do Sudão, que governa no novo Estado independente de Sudão do Sul.
O partido se opõe às políticas islâmicas de Bashir e à perseguição das minorias políticas e religiosas. Lançou uma insurgência no sudeste sudanês por meio de seu braço armado, o Exército para a Libertação do Povo do Sudão – Facção Norte (ELPS-N). “A principal estratégia de Cartum é bombardear a população civil para enfraquecer a vontade dos combatentes. As vítimas são familiares dos combatentes, país, mães, mulheres e filhos’, disse à IPS o líder do MLPS-N, Malik Agar.
Entrevistado em um acampamento perto do reduto rebelde de Kurmuk, Agar informou à IPS que cerca de 600 mil pessoas abandonaram suas casas. O número correto é impossível de verificar. As agências de ajuda se retiraram desde que o conflito começou, no início de setembro, e grupos de direitos humanos não têm acesso à área. No dia 13 de setembro, o Centro de Notícias da Organização das Nações Unidas (ONU) informou que cerca de cem mil pessoas já haviam fugido de suas aldeias, mas funcionários da ONU em Cartum se negaram a dar estimativas atualizadas.
O governo sudanês nega que esteja bombardeando civis deliberadamente. Funcionários afirmam que os ataques estavam dirigidos a objetivos militares. Contudo, grupos de direitos humanos acusam Cartum de bombardear civis na região ocidental de Darfur e no Estado de Kordofán do Sul, que faz fronteira com Nilo Azul e onde o ELPS-N luta contra as forças do governo. Em Nilo Azul, a força aérea do Sudão utiliza bombardeiros Antonov, construídos pelos soviéticos e conhecidos por sua imprecisão. Tenha Cartum a intenção, ou não, é claro que os civis se transformaram em vítimas.
Na aldeia de Maiyes, a 20 quilômetros da frente de batalha entre as forças de Bashir e o ELPS-N, os moradores contaram que toda uma família de seis membros morreu quando uma bomba atingiu sua cabana, há uma semana. “Uma das vítimas estava grávida e tinha o ventre aberto”, contou Heder Abusita, chefe da aldeia. “Rueana Murdis também morreu com sua filha pequena, enquanto Bushara morreu aqui em sua casa. Seus pés estavam amputados e o estômago também aberto”.
Os aldeões têm poucas probabilidades de receber cuidados médicos quando feridos. Maiyes fica a cerca de três horas, depois de uma extenuante viagem por estradas poeirentas, do único hospital no território controlado pelos rebeldes. Evan Atar é o único médico no reduto rebelde de Kurmuk, e disse que o hospital estava ficando rapidamente sem suprimentos. Destacou que a política do hospital é atender a todos: soldados do governo, rebeldes e civis. Em uma sala, enfermeiras cuidam dos ferimentos de um combatente do ELPS-N, que geme em uma maca.
Atar explicou que o soldado acabava de chegar da frente de batalha após ser ferido em uma perna. Em outra sala, um ancião, Alton Osman, jaz em uma cama com curativos na coxa e no braço. Salvou-se por pouco de uma amputação, disse Atar. Osman foi ferido pelo estilhaço de uma bomba, mas felizmente foi encontrado por soldados do ELPS-N que o levaram ao hospital. Agar, do MLPS-N, pediu à comunidade internacional que pressione Cartum para que deixe de bombardear civis e crie um “corredor humanitário” para que organizações não governamentais forneçam alimentos e remédios aos refugiados.
Os ataques de Cartum expulsaram grupos humanitários que trabalhavam na área. Em sua primeira viagem ao território controlado por rebeldes, este mês, jornalistas viram complexos abandonados por organizações internacionais e agências da ONU, incluindo o Programa Mundial de Alimentos. Espera-se que, conforme diminua a quantidade de alimento disponível, mais refugiados se dirijam aos países fronteiriços. A ONU indicou que já há 30 mil pessoas em acampamentos instalados na Etiópia. Envolverde/IPS