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Chuvas fora de padrão devastam cultivos em Barbuda

desmond640

 

Terras Altas, Antígua e Barbuda, 7/3/2014 – O racionamento de água se tornou um modo de vida para os 1.800 residentes da diminuta ilha de Barbuda, que experimenta prolongados períodos secos, especialmente na área das Terras Altas, perto das principais propriedades agrícolas.

O biólogo marinho John Mussington disse à IPS que o problema é que a estação úmida passou do tradicional período julho-setembro para setembro-novembro, e, quando as chuvas efetivamente chegam, são intensas e breves.

“Sem zonas para armazenar água da chuva, esta corre para o mar ou penetra nas camadas subterrâneas”, explicou o especialista. “O outro problema é que a água subterrânea é ‘dura’ devido aos altos níveis de cálcio e magnésio, e em muitos casos é salgada devido à entrada de água do mar”, acrescentou.

“Essa água subterrânea não é adequada para a agricultura, e como a época úmida mudou, já não é tão efetivo o método tradicional de semear em momentos precisos para que os cultivos possam se nutrir com as chuvas”, detalhou Mussington.

O diretor dos Serviços Meteorológicos de Antígua e Barbuda, Keithley Meade, afirmou que a mudança climática representa a maior ameaça para Barbuda e o resto da região do Caribe insular. “Se olharmos o que ocorreu nas ilhas do sul caribenho em dezembro, perceberemos que a mudança climática está nos impactando”, disse à IPS.

Avançando lentamente, uma depressão atmosférica despejou, em 24 de dezembro de 2013, centenas de litros de chuva sobre San Vicente e Granadinas, Santa Lúcia e Dominica, com saldo de pelos menos 13 mortos. “Nossas estações secas são mais secas que o normal, e nossas estações úmidas são mais úmidas do que o normal”, pontuou Meade.

Piorando as condições, a estatal Autoridade de Empresas Públicas de Antígua pede com urgência que a população conserve a água, com a emissão de mensagens de serviço público por rádio e televisão. “Não se espera chuvas para este período. Temos algumas chuvinhas, mas não as que são necessárias”, declarou à IPS o gerente de águas, Ivan Rodrigues.

Em média, Antígua e Barbuda precisam de mais de 21 milhões de litros de água por dia, que aumentam para quase 23 milhões no clímax da temporada turística. Mas há uma centelha de esperança: a ilha projeta se beneficiar de uma área de captação artificial para coletar água de chuva.

Esta muito necessária ajuda chega graças ao projeto Reduzindo os Riscos Resultantes da Mudança Climática para Bens Humanos e Naturais, que é implantado pela Organização de Estados do Caribe Oriental, em associação com a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid).

Susanna Scott, coordenadora da iniciativa, contou à IPS que a área de captação artificial será usada “para mostrar uma opção de adaptação à mudança climática que pode reduzir as ameaças de seca e diminuir a disponibilidade hídrica no setor agrícola”. Mussington deu as boas-vindas ao plano de criar uma área de captação e armazenamento na fronteira ocidental de Terras Altas, para assim superar alguns dos desafios que a ilha enfrenta.

“Justamente, o conceito e o desenho inicial do projeto foram meus. Ao coletar água de chuva em Terras Altas e armazená-la, pode-se usá-la todo o ano para produzir verduras de alto valor”, explicou o biólogo. “Ao incorporar um componente hidropônico, Barbuda pode se tornar autossuficiente em matéria de verduras, e também contar com pescado fresco para consumo local e para exportar em um sistema de produção mais eficiente”, afirmou.

O líder opositor Gaston Browne, adversário do primeiro-ministro Baldwin Spencer nas eleições gerais deste mês, assegurou que converterá Barbuda “no celeiro” do Estado composto por esta ilha e pela ilha de Antígua, se, como dizem as previsões, ganhar a eleição. Porém, os prognósticos de que o clima será cada vez mais seco e mais quente podem dificultar para Browne, ou tornar impossível, que cumpra sua promessa para Barbuda, tão afetada pela seca.

Antígua e Barbuda não é o único país onde a seca, causada pela mudança climática, está semeando o caos na agricultura e nos recursos hídricos. Cientistas do Escritório Nacional de Administração Oceânica e Atmosférica, dos Estados Unidos, informaram que janeiro deste ano foi o mais quente desde 2007 e o quarto desde que os registros começaram. Esse mês também foi o mais seco para o vizinho Estados Unidos desde 2003, e o quinto mais seco desde que em 1880 teve início o controle.

No dia 24 de fevereiro, quando a Organização das Nações Unidas (ONU) lançou o Ano Internacional dos Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento 2014, o presidente da Assembleia Geral, John Ashe, nascido em Antígua, disse que “este ano tem lugar em um momento no qual a vasta maioria das ilhas combatem os estragos causados pela mudança climática, e algumas, com as Maldivas, literalmente estão afundando por sua culpa”.

Ironicamente, se prevê que a diminuta ilha de Barbuda, de 160 quilômetros quadrados, poderá afundar no período de 60 anos pela elevação do nível do mar. “Os desafios que os pequenos Estados insulares em desenvolvimento enfrentam deveriam preocupar todos os países”, advertiu o diretor do Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais da ONU, Wu Hongbo, durante o ato.

As ilhas pequenas são particularmente vulneráveis devido à sua localização única, destacou Hongbo. Por exemplo, a temporada de furacões tem impactos devastadores sobre as vidas e as propriedades, particularmente em países que experimentam cada vez mais ciclones e menos chuvas.

“A mudança climática representa uma grave ameaça para a sobrevivência e a viabilidade de várias nações baixas”, alertou o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, em seu discurso de apresentação do Ano Internacional. Para promover uma abordagem da mudança climática que reduza as emissões de gases-estufa e mobilize a vontade política para esse fim, Ban convocou uma cúpula climática para o dia 23 de setembro, em Nova York.

Estados membros da ONU acordaram, há dois anos, apoiar 51 pequenos Estados insulares em desenvolvimento, altamente vulneráveis. Trata-se de um grupo que foi reconhecido politicamente na Cúpula da Terra realizada no Rio de Janeiro em 1992. Sua situação foi exposta em uma importante conferência internacional realizada dois anos depois em Barbados, e, novamente, na reunião de acompanhamento, em 2005, em Maurício.

Esses Estados compartilham desafios similares em matéria de desenvolvimento sustentável, o que inclui populações pequenas, mas em aumento, recursos limitados, isolamento, suscetibilidade aos desastres naturais, vulnerabilidade às comoções externas, excessiva dependência do comércio internacional e ambientes frágeis. Envolverde/IPS