Arquivo

Ciadi decide demanda de empresa mineradora contra El Salvador

 Hector Berríos (centro) e dois moradores do povoado salvadorenho de Llano de La Hacienda que lutam contra o projeto de mineração da OceanaGold. Foto: IPS

Hector Berríos (centro) e dois moradores do povoado salvadorenho de Llano de La Hacienda que lutam contra o projeto de mineração da OceanaGold. Foto: IPS

 

Washington, Estados Unidos, 17/9/2014 – O Centro Internacional de Acerto de Diferenças Relativas a Investimentos (Ciadi), vinculado ao Banco Mundial, começou a ouvir os argumentos finais em um processo de US$ 300 milhões que uma mineradora internacional abriu contra o governo de El Salvador. A companhia australiana OceanaGold processou o governo salvadorenho em 2009, porque este não lhe concedeu uma permissão para extrair ouro, pendente desde 2002.

El Salvador baseia seu argumento em leis e políticas nacionais destinadas a proteger a saúde e o ambiente, e garante que o projeto de mineração colocaria em perigo o abastecimento de água do país. Segundo o governo, a OceanaGold não cumpriu os requisitos básicos para obter autorização para extrair ouro. Além disso, desde 2012, El Salvador mantém suspensos todos os projetos de mineração no país, o que poderia desembocar na proibição definitiva dessa atividade nos próximos meses.

Mas a OceanaGold utilizou uma controvertida disposição do Tratado de Livre Comércio entre República Dominicana, América Central e Estados Unidos (DR-Cafta) para processar El Salvador em mais de US$ 300 milhões, o lucro que a companhia assegura que teria obtido com a mina de ouro. O caso nas mãos do Ciadi se desenvolve em Washington, onde o tribunal de arbitragem tem sua sede dentro do Banco Mundial.

“Esse caso coloca em risco a soberania e a autodeterminação” do povo salvadorenho, afirmou Héctor Berríos, coordenador da Mufras-32, uma organização integrante da Mesa Nacional Frente à Mineração Metálica. “A maioria da população se manifestou contra esse projeto e deu prioridade à água”, declarou em um comunicado, no dia 15.

A OceanaGold empregaria um processo de lixiviação com cianureto para recuperar pequenas quantidades de ouro, que consome enormes quantidades de água, segundo seus críticos. O projeto despertou o interesse da população local, já que, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), 90% da água superficial de El Salvador está contaminada.

No dia 15, uma centena de pessoas se manifestaram diante do prédio do Banco Mundial em Washington, para expressar sua solidariedade a El Salvador nessa disputa e sua desconfiança diante do processo do Ciadi. A manifestação coincidiu com o dia da independência desse país.

“Estamos celebrando a independência, mas o que realmente celebramos é a dignidade e a capacidade de toda pessoa, e não apenas de uns poucos, de desfrutar de uma vida boa”, declarou Eric López, frade franciscano de uma igreja de Washington com um grande número de fiéis salvadorenhos. “Esse processo de mineração utilizaria algumas substâncias muito venenosas, como cianureto e arsênico, que destruiriam o ambiente. Em última instância, o povo sofre as consequências: continuam sendo pobres, estão doentes, as grávidas sofrem”, disse à IPS em meio à manifestação.

A jurisdição do caso é complicada e, para alguns, ressalta o tênue processo de arbitragem do Ciadi em torno do projeto de El Salvador.

Outra mineradora, a canadense Pacific Rim, foi que descobriu em 2002 uma jazida de minerais possivelmente lucrativo no rio Lempa, o mais importante de El Salvador. O governo salvadorenho da época incentivou a empresa a solicitar uma permissão de extração, mas a preocupação pública paralisou esse processo.

Frustrada, a Pacific Rim processou El Salvador em virtude de uma disposição do DR-Cafta que permite às empresas processarem os governos que prejudicarem seus lucros. Embora o Canadá não seja parte do tratado de livre comércio, a companhia abriu uma sucursal em 2009 nos Estados Unidos, que é país integrante do acordo.

Em 2012, o Ciadi determinou que a demanda era válida, segundo a lei de investimentos de El Salvador. Desde então, o país modificou a lei para evitar que empresas evitassem a justiça nacional a favor de tribunais no exterior. Em 2003, a Oceana Gold comprou a Pacific Rim, embora o principal ativo desta fosse o projeto mineiro em El Salvador, que nunca se concretizou. Naquele ano, a empresa assinalou que continuaria com o caso de arbitragem enquanto buscava “uma solução negociada o suspensão da permissão”.

El Salvador afirma que suspendeu a permissão devido a preocupações ambientais e sanitárias, mas também por questões de procedimento. A Pacific Rim não teria cumprido obrigações de informação nem obtido importantes aprovações locais.

As mineradoras que operam em El Salvador necessitam de um título, ou permissão local, para as terras que pretendem explorar. Mas a Pacific Rim só obteve autorização de acesso a 13% do território constante em seu projeto, segundo a organização humanitária Oxfam América.

Diante da falta de apoio popular, em um país com uma recente guerra civil (1980-1992), alguns alertam que uma decisão do Ciadi favorável à OceanaGold poderia desatar a violência. “Esse projeto reabriu muitas feridas da guerra civil, o sistema dos tribunais existe para permitir que dois interesses se expressem, o governo nacional e o investidor. Mas nenhum leva em conta as comunidades, e esse é um problema fundamental”, afirmou Lucas Danielson, acadêmico que estuda o conflito social em torno da exploração dos recursos naturais.

Os tratados de investimento bilaterais e regionais, como o DR-Cafta, se multiplicaram nos últimos anos, e muitos têm as chamadas cláusulas de arbitragem entre investidores e o Estado do tipo que foi aplicado no caso salvadorenho. O Ciadi existe desde a década de 1960, mas sua importância cresceu junto com a quantidade desse tipo de cláusulas, que atualmente estão incluídas em cerca de 2.700 tratados internacionais, segundo o tribunal.

O Ciadi não decide como resolver as disputas, mas oferece um contexto para que os casos sejam apresentados a três árbitros externos: um designado pelo investidor, outro pelo Estado e um por ambas as partes. Diante da sede do Banco Mundial, no dia 15, vários manifestantes expressaram sua desconfiança com o Ciadi e disseram que a experiência passada sugere que o tribunal se inclina pelos investidores.

“Esse é um processo a portas fechadas e isso implica que o tribunal basicamente pode fazer o que quiser”, alertou Carla García Zendejas, do Centro de Direito Ambiental Internacional, uma organização independente de Washington. “Não há exemplos de casos em que os árbitros tenham respondido a favor das comunidades ou reagido diante da violação de direitos humanos básicos ou do impacto ambiental e social”, acrescentou.

Nos últimos anos muitos governos, especialmente do Sul em desenvolvimento, optaram por ceder às pressões das empresas, já que os pleitos são entediantes e extremamente caros. “Os governos mostram receio diante das demandas e, portanto, estão mais dispostos a ceder e a mudar suas próprias políticas, ou ignorá-las, embora exista a oposição da população”, ressaltou Zendejas. Envolverde/IPS