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Ciberativistas não têm descanso

Florença, Itália, 26/6/2012 – Um ano e meio depois do começo do levante popular conhecido como Primavera Árabe, os ativistas que utilizavam as redes sociais da internet sentem que ainda têm muito a fazer em sua luta por direitos humanos, democracia e transparência. Muitos dos principais ativistas da Tunísia, onde surgiu o levante popular do Oriente Médio e Norte da África, não estão satisfeitos com os resultados da revolta e visam a objetivos mais ambiciosos: transparência de ações governamentais, controle dos processos eleitorais e abolição das leis que restringem a liberdade na internet.

“Pretendemos continuar desenvolvendo esta engenharia social”, disse Kerim Bouzouita, jornalista e ativista da Tunísia, durante a conferência Meios Sociais e Direitos Humanos, organizada no começo desta semana, na cidade italiana de Florença, pelo Centro Robert F. Kennedy para Justiça e Direitos Humanos. “A derrota do regime do ex-presidente tunisiano Abidine Ben Ali e a realização de eleições livres não são suficientes. Estou convencido de que é o momento de visar a abertura de dados, o acesso à informação pública e uma governança aberta. Creio que precisamos abrir os arquivos da polícia secreta”, afirmou. “Detenções e torturas, devemos investigar estes fatos que caracterizaram a ditadura e lançar uma luz sobre eles. Se não enfrentarmos os males passados não poderemos enfrentar o futuro”, acrescentou Bouzouita.

Os “dissidentes inteligentes” têm uma longa história, que remonta a 1998, quando um grupo de ciberativistas criou uma lista de e-mails que se transformou em um site chamado Takriz. Riadh Guerfali e outros companheiros começaram em 2001 a escrever no Tunezine, a primeira plataforma na internet totalmente dedicada a questões de direitos humanos. Alguns artigos foram redigidos pelo atual presidente da Tunísia, Moncef Marzouki, ex-presidente da Comissão Árabe para os Direitos Humanos.

“A Human Rights Watch e a Anistia Internacional já haviam publicado alguns documentos sobre violações de direitos humanos na Tunísia, mas se caracterizavam por uma linguagem formal”, apontou Bouzouita. “No Tunezine os artigos estão escritos em um dialeto tunisiano para criar uma conexão direta, uma verdadeira aproximação com os cibercidadãos”, destacou.

Guerfali lançou em 2004 o site Nawaat, dedicado aos direitos humanos, que conseguiu burlar as rígidas leis de censura mediante servidores proxy que servem de intermediários entre o cliente e o servidor, permitindo uma navegação anônima. “No começo tínhamos cerca de cem mil visitas por mês. Desde 2011 temos aproximadamente 1,8 milhão”, detalhou Bouzouita. “A Tunísia se orgulha de ter uma comunidade de ciberativistas muito avançada, incluídos dois partidos piratas inspirados em agrupações semelhantes da Europa, que se definem como sendo nem de esquerda nem de direita, mas avançados”.

Também há ciberativistas operando na Síria há anos. O engenheiro Ayman Abdel Nour, de Damasco, que também participou da conferência em Florença, se referiu à origem de seu site All4Syria (Todos pela Síria), como uma das ferramentas mais importantes da dissidência contra o regime de Bashar al Assad. “Comecei em 2003 com uma lista de 50 endereços de e-mails. Ofereci aos assinantes traduções de todos os artigos sobre a Síria que estavam proibidos em nosso país. Depois de alguns meses chegamos a 15 mil leitores. Agora o site conta com cerca de 50 mil visitas por dia”, observou.

Além de reunir fotos, vídeos e testemunhos, como muitos outros sites, o All4Syria oferece um serviço adicional: obter e publicar dados oficiais. “É uma espécie de Wikileakes sírio”, explicou Nour. “Muitos funcionários colaboram conosco. Essa gente desafia o regime, mas temem perder a vida e a de suas famílias”, lamentou. Entre os dados publicados desde o começo da revolta na Síria, Nour citou “uma lista de diplomatas sírios que seriam realocados no mundo e outra de oficiais do exército promovidos”.

Além dos funcionários, os sites independentes contam com a colaboração de jornalistas que trabalham para meios estatais e que escrevem artigos usando pseudônimo, informou Nour, que está exilado em Dubai, onde trabalha desde 2007 para o canal independente Orient TV. “Em 2010, entrevistei os principais opositores políticos sírios residentes no exterior. Senti que a raiva começava a surgir e que logo meu povo se levantaria contra o regime. Soube disso pelas crescentes reclamações de liberdade de informação, as pessoas estão sedentas de democracia”, pontuou.

Sobre as mudanças em matéria de religião do movimento pró-democrático, Nour explicou que “é bastante normal, esta gente está com raiva porque o regime de Assad matou seus familiares. Se voltaram para a religião a fim de encontrarem razões para sua luta. Mas depois que cair o regime tudo será diferente”. Na Síria “há 17 grupos étnicos e religiosos. Será essencial apoiar-se sobre um sistema de poder compartilhado, baseado em democracia e participação feminina”, insistiu. O empoderamento feminino está arraigado na vizinha Jordânia, com apoio da florescente comunidade de ciberativistas.

“Nos últimos anos obtivemos êxitos significativos”, contou à IPS a jornalista e defensora dos direitos humanos Rana Husseini, que começou a escrever artigos sobre mulheres mortas por familiares em assassinatos por honra, crime pelo qual o responsável recebe uma pena de apenas três meses de prisão. “Quando comecei a denunciar as histórias destas jovens assassinadas por seus próprios pais e maridos, e punidas por seu ‘comportamento imoral’, todos me disseram que perdia meu tempo porque não ia derrotar a cultura tradicional”, recordou a jornalista.

“Agora, passados alguns anos, e também graças à participação de alguns membros da família real, já não existe a lei de honra. Um homem que matar uma mulher por essas razões pode pegar de dez anos até prisão perpétua”, enfatizou Husseini. A ativista acredita que o extraordinário resultado obtido se deve não apenas à sua perseverança, mas também ao apoio da mídia, que decidiu romper o tabu. “Agora há uma página do Facebook em que as pessoas podem denunciar violações dos direitos das mulheres. É um passo importante já que o acesso à internet aumentou drasticamente”, acrescentou. Envolverde/IPS