Nações Unidas, 17/10/2014 – Quando terminou no Cairo a conferência internacional de doadores para a reconstrução da Gaza devastada, a terceira de seu tipo em menos de seis anos, a pergunta que todos faziam era se seria a última ou se haveria mais agressões no futuro. “Não podemos continuar construindo e destruindo, e construindo e destruindo, desta maneira. Esta deve ser a última conferência de reconstrução”, afirmou no dia 12, na capital egípcia, o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon, em uma advertência implícita sobre a inutilidade que representa continuar com esse exercício. Será mesmo assim?
O total prometido na conferência do Cairo chegou a US$ 5,4 bilhões. Os fundos procedem em sua maioria da União Europeia, com US$ 568 milhões, e dos países ricos em petróleo do Golfo, entre eles o Catar, com US$ 1 bilhão, Arábia Saudita, com US$ 500 milhões, prometidos antes da conferência, Emirados Árabes Unidos e Kuwait, com US$ 200 milhões cada, mais Estados Unidos, com US$ 212 milhões.
Sarah Leah Whitson, diretora para Oriente Médio e África do Norte da organização Human Rights Watch (HRW), afirmou à IPS que muitos dos participantes na reconstrução de Gaza disseram que o dinheiro não basta para acabar com o interminável ciclo israelense de morte e destruição na região. “Ainda falta a comunidade internacional se comprometer com a abertura das fronteiras de Gaza, para que as pessoas dali possam ter uma base de vida normal, desenvolver sua economia e dar um passo para sair da pobreza”, acrescentou.
Ban tem razão ao dizer que a reconstrução seguida da destruição é um exercício inútil, mas ele parece não sentir nenhuma responsabilidade em assegurar que a devastação não continue, afirmou Nadia Hijab, diretora da Al Shabaka, Rede de Políticas da Palestina. A ONU “foi criada para evitar a grave violação de direitos como a que Israel provocou de maneira repetida em Gaza e contra o povo palestino durante quase sete décadas”, disse à IPS.
Segundo Hijab, Ban, em particular, está em boa posição para fazer com que Israel preste contas segundo numerosos instrumentos jurídicos. “Mas, durante décadas, o secretário-geral da ONU nunca agiu antes de as potências mundiais solicitarem. E estas só atuam segundo seus próprios interesses”, ressaltou.
A representante da organização palestina afirmou que a conferência para a reconstrução de Gaza é uma tentativa dessas mesmas potências de mostrar que estão abordando as sequelas de um ataque israelense que causou indignação mundial. Mas, se a “comunidade internacional” realmente se preocupa com os palestinos de Gaza, ordenaria que Israel suspendesse rapidamente o bloqueio que aplica à região, apontou. “E limitaria seus laços comerciais e militares com Israel até que este saia do território palestino ocupado”, acrescentou.
O conflito entre o movimento palestino Hamas e Israel, que começou em 8 de julho e terminou em 26 de agosto, provocou a morte de mais de 2.100 palestinos, em sua maioria civis, e de 73 israelenses. Os 50 dias de hostilidades agravaram a crise humanitária em Gaza, segundo a HRW, já que deixaram 108 mil pessoas sem teto, destruíram completamente 26 escolas e quatro centros de atenção primária de saúde e destruíram ou danificaram 350 empresas e 17 mil hectares de terras agrícolas, de acordo dados das Nações Unidas.
O desemprego em Gaza, que chegava a 45% antes dos combates, aumentou ainda mais desde então, segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).
O secretário de Estado norte-americano, John Kerry, que participou da conferência de doadores, limitou-se a declarar que “esta é a terceira vez em menos de seis anos que, junto com o povo, somos obrigados a enfrentar um esforço de reconstrução”.
E “é a terceira vez em menos de seis anos que vemos estourar uma guerra e Gaza em escombros. É a terceira vez em menos de seis anos que tivemos que depender do cessar-fogo, uma medida temporária, para acabar com a violência. Não creio que haja uma só pessoa aqui que queira reconstruir Gaza para pensar que em dois anos, ou menos, estaremos de volta à mesma mesa para falar da reconstrução outra vez, porque não foram tratadas as questões fundamentais”, acrescentou Kerry, em uma alusão indireta a Israel.
Ban afirmou que “o que pudermos reconstruir poderá ser insustentável se não se apoiar no diálogo político. Por isso, as conversações de paz são o mais importante. Não há alternativa ao diálogo e à resolução de todos esses problemas de fundo a não ser as negociações políticas”. E ressaltou que “esta deve ser a última conferência sobre a reconstrução de Gaza. O ciclo de construção e destruição deve terminar. Os doadores podem estar cansados, mas o povo de Gaza está ferido e ensanguentado. Já basta”.
Em um comunicado, a HRW enfatizou que as restrições israelenses, desvinculadas ou desproporcionais com relação às consideradas de segurança, prejudicam de maneira desnecessária o acesso da população de Gaza a alimentos, água, educação e outros direitos fundamentais. A falta de vontade de Israel de levantar essas restrições será obstáculo para a recuperação duradoura de Gaza, após sete anos de bloqueio e dos combates de julho e agosto que danificaram grande parte do território palestino, acrescentou.
“O Conselho de Segurança da ONU deve reforçar as resoluções anteriores ignoradas por Israel, que pediam o fim das restrições injustificadas”, pontuou a HRW. Enquanto isso, o bloqueio israelense de Gaza, reforçado pelo Egito, impede em grande parte a exportação e importação de produtos comerciais e agrícolas, paralisando a economia, assim como as viagens com fins pessoais, de saúde e educativos, acrescentou a organização.
Para Whitson, “os doadores que continuam pagando as contas da reconstrução de Gaza devem insistir para que Israel levante as restrições injustificadas que agravam a situação humanitária e castigam desnecessariamente a população civil”. Envolverde/IPS