Porto Príncipe, Haiti, 14/12/2011– Apesar da presença de vários atores internacionais, ou talvez devido a isso, os habitantes de alguns dos bairros mais pobres da capital haitiana continuam sem água, cinco anos depois de lançado um projeto de US$ 2,5 milhões que lhes daria acesso a esse recurso. As agências e organizações envolvidas na iniciativa (*) afirmam que a demora no desembolso dos fundos é um dos fatores que atrasaram a iniciativa.
O engenheiro Raphael Hosty, da Direção Nacional de Água Potável e Saneamento (Dinepa), disse à Haiti Grassroots Watch (HGW) que o projeto deveria ser lançado no prazo de 18 meses. A necessidade de dois estudos prévios não deveria atrasar tanto seu começo, acrescentou. Segundo Hosty, a empresa Tecina e outras contratadas para construir um depósito de água por pouco mais de US$ 600 mil, um quarto do orçamento total, deixaram de trabalhar em dezembro de 2009.
Chandler Hypolite, agente de campo da organização francesa Grupo de Pesquisa e de Intercâmbios Tecnológicos (Gret), disse que as associações de bairros responsáveis por gerir os locais de distribuição de água estavam prontas para começar a operar no final de dezembro desse ano. “As empresas deixaram de receber dinheiro. Negaram-se a trabalhar e o projeto parou antes do terremoto de 12 de janeiro de 2010”, acrescentou.
Robenson Jonas Léger, coordenador da Unidade Técnica de Programas de Reabilitação da União Europeia (UE), reconheceu que o fluxo de dinheiro parou momentaneamente. “Porém, não houve problema de financiamento”, disse Léger à HGW. “Pode ter havido atraso no pagamento, porque mudamos o sistema informatizado, o que atrasou nosso trabalho social”, explicou. Logo aconteceu o terremoto de 12 de janeiro que atingiu a capital e deixou 200 mil mortos. Novo atraso. Não em termos de danos, mas porque a UE, legitimamente, teve outras prioridades durante vários meses.
Demoras na aduana
A aduana haitiana também é, em parte, responsável pela lentidão do avanço do projeto, segundo muitos dos atores, pois é conhecida no mundo, da mesma forma que o porto, por sua ineficiência e corrupção. Um estudo do Banco Mundial, mencionado em um artigo do jornal The Miami Herald em 2010, mostra que no porto do Haiti empresários e importadores pagam o dobro do que é pago na República Dominicana e retirar mercadoria demora três vezes mais tempo.
Um assessor da Autoridade Nacional de Portos, Hughes Desgranges, citado pelo jornal, reconheceu que a entidade se parece mais com um “programa social” do que com um “programa comercial” pelos salários pagos a empregados “fantasmas” ou excedentes. Todas as partes envolvidas no projeto hídrico criticaram a aduana, incluindo Hypolite, segundo o qual as “bombas ficaram bloqueadas” nela.
Nem uma gota de água
Dois anos depois, as obras estão quase terminadas, mas a passo de tartaruga. Os operários não trabalham todos os dias e a data prevista, 31 de outubro, ficou para trás. “Os atrasos para ligar o depósito à rede de canalizações não foram menores”, disse em setembro Benoit Bazin, diretor da seção de infraestrutura da UE no Haiti, em uma entrevista com a HGW. “Agora a situação é a seguinte: a empresa deve instalar as válvulas do depósito para que este encha e funcione normalmente”, acrescentou.
A frustração de Bazin era evidente. “Quando as coisas saem bem, nunca dizem que é porque a União Europeia fez todo o possível para que funcionassem”, afirmou com ironia. “Do mesmo modo, não se deveria culpar apenas a UE quando as coisas saem mal”, ressaltou. São muitas as causas de as coisas “saírem mal”, atrasos no desembolso e na aduana, bem com realização de dois estudos prévios ao início do projeto.
Também pode ser pela multiplicidade de atores, várias agências estatais e da União Europeia, organizações não governamentais e empresas privadas. Fica a dúvida da razão de terem sido utilizados três quartos do orçamento de US$ 1,8 milhão para “reabilitar redes” e “acompanhamento social” e por que os orçamentos foram ajustados após o segundo estudo, como se fosse construir um depósito de 1.200 metros cúbicos.
A HGW não pôde analisar todos os aspectos deste complexo projeto, mas é provável que a responsabilidade não recaia apenas sobre uma ou outra parte. Não se sabe a cota de responsabilidade de cada um, mas há várias coisas claras. Existe um novo depósito, mas com um terço a menos de sua capacidade originalmente prevista. Há postos de distribuição e encanamentos. No entanto, executar uma solução viável para um problema cotidiano que sofrem 25 mil pessoas demorou mais de cinco anos, em lugar de 18 meses, e resultou em menor capacidade para uma população que, provavelmente, agora seja maior.
Nadège Thermilus, uma desempregada de 22 anos, tem muitas esperanças. Como suas vizinhas, ia em busca de água em um lugar “nas montanhas”, em um trajeto que consome cerca de duas horas de ida e volta. “Espero que a água chegue, porque sofro demais para ir buscá-la”, afirmou. Envolverde/IPS
* Os atores – Financiador: Escritório da UE no Haiti e sua Unidade Técnica de Programas de Reabilitação; Estado: Central Autônoma Metropolitana de Água Potável (Camep), atualmente chamada Direção Nacional de Água Potável e Saneamento (Dinepa); Sociedade civil: organização francesa Grupo de Pesquisa e Intercâmbios Tecnológicos (Gret), que trabalha em questões hídricas no Haiti desde 1995.
** Este é o segundo de dois artigos sobre a distribuição de água aos bairros mais pobres de Porto Príncipe. A Haiti Grassroots Watch está associada à AlterPresse, à Sociedade de Animação de Comunicação Social (Saks), à Rede de Apresentadoras de Rádios Comunitárias (Refraka) e a emissoras da Associação de Mídia Comunitária do Haiti.