O palestino Badr Abu Ad-Dula na entrada de sua casa, em Jerusalém oriental. Foto: Pierre Klochendler/IPS

 

Jerusalém, Israel, 20/9/2012 – “Olhe as balas das guerras de 1948 e 1967”, disse o palestino Badr Abu Ad-Dula, mostrando as marcas nos muros exteriores do prédio de Jerusalém oriental onde vive com sua família de 13 membros. “Aqui ficava o posto de controle jordaniano”, acrescentou, apontando um buraco onde agora é a janela de um quarto. Cruzando a viela, uma quantidade indescritível de metal amassado e arame farpado enferrujado marca onde antes ficava a fronteira.

A casa de Ad-Dula fica no que antes de 1967 era terra de ninguém, entre os setores oriental e ocidental da cidade. Quarenta e cinco anos depois, o edifício de três andares está na primeira linha de muitas disputas que ocorrem em bairros palestinos de Jerusalém oriental. As cinco famílias que vivem ali sob um único teto – 70 pessoas no total – estão unidas contra uma ameaça comum: despejo por parte de uma organização de colonos israelenses chamada Nahalat Shimon, cujo fim é que mais judeus se estabeleçam na vizinhança.

Enquanto durou o mandato jordaniano (1948-1967), foram dados aos palestinos – muitos deles refugiados – direitos de ocupantes em casas de Jerusalém oriental, sob a jurisdição da Custódia Jordaniana de Propriedades Inimigas. Foi assim que substituíram os judeus que haviam deixado suas casas para viver do lado israelense. Agora, israelenses ultranacionalistas invocam a Lei de Propriedade de Ausentes, imposta à parte ocupada da cidade, para despejar palestinos de casas onde vivem há décadas.

Na mesma rua da casa de Ad-Dula, um ativista judeu sai de uma casa árabe que até há cinco anos era ocupada exclusivamente pelos Al-Kurd. Em sua fachada um grafite reflete o amargo conflito que o intruso enfrentou com a família palestina: à frase “Libertem a Palestina” foi acrescentado “da escória esquerdista”. “Os ativistas pró-palestinos escreveram sua parte, e nós acrescentamos a nossa”, explica Yaakov Fauci, um dos moradores judeus que agora ocupam os cômodos da frente. Os Al-Kurd foram relegados à parte traseira da casa.

“A Corte Suprema (de Israel) decidiu a nosso favor”, afirmou. “Mas a parte da frente é uma extensão ilegal da construção original que está atrás. Não contava com autorização de construção, por isso foi violado o acordo sobre os direitos de ocupação”, acrescentou. “Assim, a Corte determinou que os árabes tinham que se mudar para a parte de trás. Nós, na verdade, nos mudamos para o anexo ilegal”, explicou. Fauci admite que “é uma situação estranha, sem precedentes para as leis israelenses. Se poderia dizer que vivemos legalmente em uma construção ilegal. Mas hoje em dia ocorrem muitas coisas estranhas. Simplesmente é uma situação muito ruim”, acrescentou.

Implantada por meio de batalhas legais que podem demorar anos, a coabitação forçada é vigiada de perto: as casas ocupadas por colonos judeus estão equipadas com câmeras de circuito fechado de televisão. E não há coexistência genuína quando a percepção mútua é que a existência nacional está em jogo. “Cada um se importa consigo. Temos que nos aferrar ao que temos”, disse Fauci. Na mesma rua, a frase “Aferrarmos ao que temos” reflete com precisão a mentalidade de Ad-Dula.

“Só me tirarão daqui com os tratores”, afirma indignado este chefe de família, imitando com os braços o movimento das máquinas. “Vivi aqui os últimos 57 anos. Fico. Isto é tudo”, afirmou Ad-Dula, que vive neste prédio desde seus três anos. Após a guerra de 1948, a construção foi abandonada por seus donos judeus. Então, os Ad-Dula viviam na parte antiga da cidade e eram pobres. Quando as autoridades jordanianas lhes concederam os direitos de ocupação, em 1955, se mudaram para o que hoje é seu lar. “Ninguém queria viver aqui, perto da fronteira. Pensavam que estávamos loucos”, lembrou.

Dois meses depois da reunificação da cidade sob o comando israelense, em 1967, os herdeiros dos proprietários judeus reclamaram a propriedade. “Em 1972, o Tribunal Distrital israelense decidiu que o edifício pertencia aos judeus. Mas também proibiu que nos despejassem. Fomos proibidos de fazer reformas. E também proibiu os donos de aumentarem o aluguel”, disse Ad-Dula. Há dois anos, os donos “legítimos” venderam a propriedade ao magnata judeu norte-americano Irving Moskowitz, apoio de muitos projetos de assentamentos dentro das áreas palestinas da cidade.

Agora o caso voltou ao tribunal. “Moskowitz quer despejar todos os árabes daqui. Há uma decisão judicial. Nós pagamos o aluguel”, protesta Ad-Dula, que trabalha como diretor de manutenção do Hotel Monte Scopus. Sua vizinha, Umm Auni Bashiti, afirma que antes de 1948 sua família tinha “quatro comércios e sete casas” no bairro judeu da parte antiga de Jerusalém. “Deixem que os israelenses me devolvam essas propriedades”, reclamou.

Porém, os israelenses gozam de um privilégio que os palestinos não têm: o direito de ter de volta propriedades abandonadas após a guerra de 1948. A lógica dos colonos é resumida por um deles, que vive no bairro e que não quis ser identificado: “As propriedades de Jerusalém oriental foram tomadas por uma guerra e uma conquista legítimas. Assim, se eles querem nos desafiar legalmente, estou certo de que terão sua oportunidade nos tribunais”, enfatizou. Os colonos estão certos de que suas muitas batalhas legais pelos direitos e títulos de propriedade em Jerusalém oriental logo darão frutos irreversíveis.

Enquanto isso, a política israelense de “deixar fazer”, em relação aos colonos, aumenta a paralisação diplomática. “O caminho para a paz é a afirmação de nossas reclamações e nossos direitos”, este é o lema dos colonos. Anoitece, é hora de cear. A comida é simples no lar de Ad-Dula: frango assado, arroz fervido e saladas. Em tempos de incerteza, também se deve buscar conforto na família, e orar. “Gostaria que meus filhos e netos vivessem aqui a vida toda, como eu. Mas terão que ir. Os colonos têm leis e advogados; nós só temos a justiça de Deus”, lamentou. Envolverde/IPS

* Este artigo é o primeiro de uma série de dois sobre a batalha que travam os colonos israelenses pela terra e pelas propriedades dentro dos bairros palestinos de Jerusalém oriental.