“Antes de haver um esforço para implementação do Código Florestal, opta-se por um caminho mais fácil: alterar a lei”, aponta o integrante do Instituto Democracia e Sustentabilidade Bazileu Margarido.
A urgência em votar o novo Código Florestal na Comissão de Meio Ambiente (CMA) e, posteriormente, no Senado, quer impedir que o projeto de reforma do Código vigente seja discutido na Rio+20, alerta Bazileu Margarido, em entrevista concedida à IHU On-Line. De acordo com o ex-presidente do Ibama, “em vez de se fazer uma discussão para amadurecer o tema e aprovar uma lei com qualidade, a discussão é feita em cima de um cronograma político para evitar que essa polêmica chegue a um ambiente mais amplo, onde os temas são colocados à luz do dia e onde as brechas do novo texto possam ser olhadas de maneira mais ampla”.
Na entrevista a seguir, concedida por telefone, Margarido enfatiza que “muitos instrumentos previstos no Código Florestal não são implementados, como, por exemplo, o zoneamento ecológico-econômico”. Poe meio deste zoneamento, explica, “é possível administrar em que áreas serão alocadas as Reservas Legais, quais áreas devem ser mais preservadas, etc.”. Ele também critica a forma como as licenças ambientais estão sendo concedidas para o desenvolvimento de empreendimentos na Amazônia e reitera: “É necessário que avaliações de riscos ambientais estejam presentes desde o início do projeto. Houve a tentativa de se tomar esse caminho, mas, ao longo do desenvolvimento desses projetos, essa possibilidade foi abandonada. Belo Monte é o exemplo mais claro do atropelamento da legislação, onde o cumprimento das exigências estabelecidas na licença ambiental não está sendo exigido”.
Bazileu Margarido é formado em Engenharia de Produção pela Universidade de São Paulo (USP) e mestre em Economia pela Fundação Getulio Vargas (FGV-SP). Foi presidente do Ibama em 2008, quando Marina Silva era ministra do Meio Ambiente.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Qual é o problema central do novo Código Florestal?
Bazileu Margarido – Duas questões são extremamente centrais nessa discussão e nas propostas que estão sendo colocadas no projeto. A primeira é a questão da anistia. O projeto, na forma como está escrito hoje, concede anistia total a todas as ocupações de Áreas de Preservação Permanente (APPs) e de Reserva Legal, feitas até 2008, independentemente de a ocupação ter sido feita de maneira legal ou ilegal, de ser de baixo ou alto impacto. Conforme propõe o texto, o proprietário da área anistiada terá suas multas e penalidades administrativas perdoadas e não precisará recuperar a área degradada. Portanto, poderá manter sua atividade e fazer uso econômico da terra sem nenhum problema.
O segundo problema diz respeito às brechas do projeto, que permitem novos desmatamentos. São situações em que, pela facilidade de regularizar uma situação ilegal, permite-se a ocupação de áreas que deveriam ser preservadas. Mesmo para os novos desmatamentos, a lei determina que a área terá que ser recuperada; no entanto, metade da área degradada poderá ser recuperada não com as espécies originais, mas com as espécies de uso econômico, como, por exemplo, o eucalipto. Nesse sentido, a pessoa pode explorar economicamente uma área que deveria ser preservada com vegetação natural.
IHU On-Line – O senador Luiz Henrique da Silveira (PMDB) propôs a criação de Programas de Regularização Ambiental (PRA) para resolver o passivo dessa área. Em que consiste o PRA? Ele é eficaz para que proprietários de terras em situações irregulares assumam compromissos de recomposição das áreas desmatadas?
Bazileu Margarido – O Programa de Regularização Ambiental também contém muitas brechas, justamente porque o projeto de lei, da forma como está redigido, é muito vago em alguns pontos e permite, então, que, futuramente, o administrador tenha poder de permitir concessões.
IHU On-Line – Outra proposta do senador Luiz Henrique da Silveira é permitir que os governos estaduais definam quais atividades serão permitidas em Áreas de Preservação Permanente (APPs). Quais são as implicações de deixar essa decisão aos governos estaduais?
Bazileu Margarido – O risco é que qualquer atividade poderá ser regularizada e também poderá ser autorizado o uso de APPs. Qualquer atividade que venha a ser avaliada por um dos 27 governadores como de interesse social poderá autorizar o desmatamento nas APPs.
IHU On-Line – Os ambientalistas criticam o novo Código Florestal e argumentam que o texto compreende a economia e a ecologia de forma desintegrada. Como o senhor vê essa questão? Por que é difícil atingir o equilíbrio nesse aspecto?
Bazileu Margarido – Para atingir esse equilíbrio, é preciso uma visão de longo prazo. No entanto, muitas vezes as discussões e as opções feitas visam ao lucro no curto prazo, mesmo que isto venha a prejudicar a atividade em um prazo mais longo de dez, 20, 30 anos. Então, quando as pessoas vislumbram o lucro em curto prazo, é difícil compatibilizar desenvolvimento e sustentabilidade. Se pensarmos que, além de obter lucro na próxima década, queremos obtê-lo nos próximos 50 ou cem anos, as duas questões passam a ser absolutamente compatíveis. Nesse sentido, a sociedade brasileira poderá se desenvolver de forma equilibrada com justiça social, ambiental, com maior distribuição de renda.
IHU On-Line – O senhor concorda com a posição de que é necessário alterar o atual Código Florestal? Considerando as críticas do novo texto e as críticas em relação ao texto vigente, quais deveriam ser as prioridades do Código Florestal?
Bazileu Margarido – Toda lei é passível de aperfeiçoamento. Mas, antes de alterar a lei, é preciso fazer um esforço para que ela seja implementada. Muitos instrumentos previstos no Código Florestal não são implementados, como, por exemplo, o zoneamento ecológico-econômico. Por meio desse zoneamento, é possível administrar em que áreas serão alocadas as Reservas Legais, quais áreas devem ser mais preservadas, etc. Entretanto, o zoneamento ecológico-econômico começou a sair do papel há poucos anos.
O Estado brasileiro poderia utilizar-se de instrumentos fiscais e tributários para premiar aqueles proprietários rurais que tivessem o melhor desempenho ambiental, estimulando, assim, que o Código Florestal fosse efetivamente implementado. Essas iniciativas, entretanto, ainda não foram tentadas. Quer dizer, antes de haver um esforço para implementação do Código, opta-se por um caminho mais fácil: alterar a lei.
IHU On-Line – O que tem dificultado o cumprimento do Código Florestal? As obras do PAC e a visão desenvolvimentista do governo federal contribuem para a atual formulação do Código Florestal?
Bazileu Margarido – Faltam políticas públicas ambientais. Se o Estado brasileiro não promove o desenvolvimento sustentável, porque o investidor, sozinho, fará esse esforço? Nesse sentido, o Estado brasileiro precisa criar instrumentos efetivos de promoção do desenvolvimento sustentável.
IHU On-Line – Como o senhor vê a perspectiva do governo de construir novas hidrelétricas na região amazônica, especialmente a construção de Belo Monte, e a falta de diálogo do governo com os indígenas?
Bazileu Margarido – Esses casos que você cita demonstram que a possibilidade de compatibilizar a atividade econômica com um maior grau de preservação é prejudicada em função dos interesses mais imediatos de curto prazo. É possível explorar os recursos hídricos na Amazônia? Sim, é possível. Mas, antes, é necessário que avaliações de riscos ambientais estejam presentes desde o início do projeto. Houve a tentativa de se tomar esse caminho, mas, ao longo do desenvolvimento desses projetos, essa possibilidade foi abandonada. Belo Monte é o exemplo mais claro do atropelamento da legislação, onde o cumprimento das exigências estabelecidas na licença ambiental não está sendo exigido.
IHU On-Line – O senhor foi presidente do Ibama em 2008. Quais os maiores dilemas de estar à frente do órgão diante dos pedidos de licenças ambientais para novos empreendimentos?
Bazileu Margarido – O esforço do Ibama vai no sentido de aprimorar o licenciamento. Entretanto, para isto é necessário a construção de uma estrutura mais robusta para que se assuma esse desafio enorme. É preciso criar condições para que o Ibama faça processos de licenciamento com preocupação em dar respostas a esses projetos, sem desconsiderar a qualidade das licenças.
Quando eu assumi o Ibama, o licenciamento ambiental era bastante precário porque 90% do quadro técnico era composto de consultores contratados precária e provisoriamente. Foi feito um concurso público para contratar um quadro técnico permanente para o licenciamento. Passamos de 45 licenças concedidas anualmente para algo em torno de 280 licenças concedidas anualmente.
IHU On-Line – Por que há tanta pressão para que o Código Florestal seja aprovado? Qual a expectativa em relação à votação do novo texto pelo Senado?
Bazileu Margarido – Há uma preocupação em aprovar o novo texto ainda nesse ano para que essa discussão não seja levada à Rio+20. Em vez de se fazer uma discussão para amadurecer o tema e aprovar uma lei com qualidade, a discussão é feita em cima de um cronograma político para evitar que essa polêmica chegue a um ambiente mais amplo, onde os temas são colocados à luz do dia e onde as brechas do novo texto possam ser olhadas de maneira mais ampla.
IHU On-Line – Se o tema for levado à Rio+20, o texto poderá sofrer alterações positivas?
Bazileu Margarido – Se o novo Código Florestal for discutido na Rio+20, a discussão terá mais visibilidade. Toda política pública, para que atenda efetivamente ao interesse público, precisa ter visibilidade, precisa ser discutida de maneira transparente para que toda a sociedade conheça quais são os problemas e conheça a posição de cada pessoa que está participando do debate. Nesse sentido, a campanha #florestafazdiferença propõe uma discussão transparente, com mais visibilidade para a sociedade(1).
IHU On-Line – Qual a expectativa dos Comitês Estaduais em Defesa das Florestas do Desenvolvimento Sustentável em relação à coleta de assinaturas para a campanha #florestafazadiferenca? Sabe-se quantas assinaturas já foram coletadas?
Bazileu Margarido – Ainda não sabemos quantas assinaturas foram coletadas. Estamos solicitando que todos os Comitês Estaduais mandem para o Comitê Nacional, em Brasília, todas as assinaturas já coletadas para que possamos reunir e fazer essa avaliação até o final do mês.
Nota:
(1) Participe do mutirão nacional, participando da campanha. Para mais informações, clique aqui.
* Publicado originalmente no site IHU On-Line.