O relatório do senador Luiz Henrique, apresentado na terça-feira (25) na Comissão de Ciência e Tecnologia e de Agricultura e Reforma Agrária, mantém o mesmo eixo do projeto aprovado na Câmara dos Deputados, de autoria do deputado Aldo Rebelo.
Avaliação da equipe da Secretaria Operativa da Via Campesina Brasil
Houve algumas modificações na estrutura, deixando o texto mais fácil para vetos presidenciais. Separou-se as questões conceituais das questões de regularização. Mas ficou apenas nisso. Os principais pontos problemáticos continuam no texto.
Anistia
· Serão isentas de recuperação todas as áreas consolidadas até 2008. Nenhuma pena ou exigência para quem agrediu o meio ambiente até 2008. Ou seja, quem está plantando soja transgênica na beira do rio poderá continuar a plantar. É a continuidade da emenda que os ruralistas aprovaram na Câmara, piorando ainda mais o texto do deputado Aldo Rebelo (Artigo 53).
· Garante a manutenção de pastagem em topos de morro e bordas de chapada (Artigo 54 §1º). A pastagem é um monocultivo que, praticado em áreas de risco como topos de montanha e beira de rios, traz muitas consequências ao meio ambiente.
· Acesso por parte dos grandes proprietários a fundos públicos para recuperar os desmatamentos que fizeram ilegalmente (Artigo 41, inciso VII).
Data para regularização
· O texto aceita o conceito de áreas consolidadas para todo o desmatamento feito até julho de 2008. É inaceitável que os desmatamentos feitos já no Século 21 sejam considerados como legítimos! O mínimo aceitável seria considerar a data da última alteração do Código Florestal, que ocorreu em 2001. Não há qualquer justificativa, nem legal, nem científica, para que o ano de 2008 seja colocado como data de corte.
Agricultura Familiar
· Continua tratando igual agricultura familiar e propriedades com quatro módulos rurais. Não trabalhou com um capítulo específico. Nesse sentido, há um acordo construído por todas os movimentos sociais do campo e o movimento sindical, ou seja, Contag, Fetraf e Via Campesina, para apresentarmos uma emenda substitutiva no Senado, que cria um capítulo específico apenas para a agricultura familiar. Esperamos que passe nas próximas comissões.
Latifúndio improdutivo
· O texto considera como áreas consolidadas aquelas que estão paradas, improdutivas, há dez anos ou menos. Ou seja, além de legitimar o latifúndio improdutivo, o texto possibilita novos desmatamentos, já que com dez anos a vegetação regenerada já é abundante (Artigo 3, incisos V e IX).
Copa do Mundo
· O texto libera o desmatamento em Áreas de Preservação Permanente (APP) para eventos internacionais e para construção de estádios, aumentando os grandes impactos da Copa do Mundo e das Olimpíadas (Artigo 3, inciso VIII, alínea b; Artigo 8, §1º).
Áreas de Preservação Permanente
· O texto autoriza o plantio de árvores produtoras de frutos ou outros produtos em áreas de APP, abrindo espaço para a citricultura, as borracheiras, etc. (Artigo 3, inciso X, alínea i).
· O texto exclui os apicuns e salgados da categoria de APP, justamente as partes dos mangues onde se desenvolve a predatória indústria da carcinocultura, ecossistema fundamental para a reprodução de inúmeros animais. Regulariza também todas as indústrias da carcinocultura que já estejam instaladas (Artigo 4, §3º; Artigo 53 §1º).
· Novas supressões poderão ser feitas para implantar lavouras, como soja, cana (Artigo 8).
· Reduz a APP de 30 para 15 metros para recuperação nos casos que não forem consolidados (Artigo 54 §1º).
Reserva Legal
· Permite compensar a Reserva Legal (RL) desmatada dentro do mesmo bioma, possibilitando a criação de desertos verdes imensos, como no caso do Estado de São Paulo (tenderá a ser um imenso canavial). Ou seja, o sujeito tem duas propriedades no mesmo bioma, da Mata Atlântica, por exemplo. Num deles, próprio para agricultura, ele pode desmatar tudo, e diz que está conservando o segundo que fica numa encosta, num outro Estado.
· O texto permite também que terras compradas de agricultores familiares e tenham reservas, sejam usadas para essa compensação (Artigo 59).
· Mantém a possibilidade de que médias e grandes propriedades possam se subdividir em propriedades de quatro módulos e, com isso, ficarem livres de recompor a Reserva Legal desmatada. Ou seja, mantém a gravidade de que até quatro módulos (que na Amazônia dá 500 hectares) não precisa respeitar a Reserva Legal de 80% e nem no Cerrado de 40%.
· Continua permitindo a recuperação da Reserva Legal com 50% de espécies exóticas. Ou seja, as grandes empresas de celulose, podem considerar o monocultivo de eucalipto, como parte da Reserva Legal… Isso vai abrir brecha para entrada rápida do eucalipto na pré-Amazônia e no Maranhão, e nos cerrados do Piauí…
Cadastro Ambiental Rural
· Para se regularizar, os grandes proprietários precisarão apresentar apenas um ponto georreferenciado, ficando isento de apresentar o perímetro exato da propriedade (Artigo 18, §1º).
Mercantilização da natureza
· Possibilita que grandes proprietários recebam pagamentos por serviços ambientais para manterem a sua obrigação de preservar APP e RL, invertendo totalmente o conceito de função social da propriedade (Artigo 42).
· Cria a Cota de Reserva Ambiental (CRA), que transforma cada hectare de floresta em títulos que deverão, obrigatoriamente, ser registrados na Bolsa de Valores. Assim, o capital financeiro transformará nossas florestas em título especulativo! Além do mais, os desmatadores poderão “compensar” as florestas que eram obrigados a proteger comprando na Bolsa de Valores! (Artigo 46).
· Uma vez comercializada a CRA, o agricultor que se arrepender não poderá retirar sua floresta do sistema financeiro, a não ser que o comprador garanta a aquisição de outra área ou outra cota (Artigo 49, §1º).
Silvicultura
· Silvicultura é reconhecida, para fins da Política Agrícola Nacional, igual à agricultura (Artigo 69).
Concluindo, o relatório do senador Luiz Henrique (PMDB-SC) foi coerente com sua classe, a dos grandes proprietários de terra. E manteve na essência o que já veio da Câmara dos Deputados. Esperamos que agora as comissões de meio ambiente e de agricultura do Senado mudem essa lógica. E, na pior das hipóteses, a presidenta vete os artigos mais estafúrdios que colocam em risco o meio ambiente do território brasileiro, com graves consequências para toda a sociedade, que vive no meio rural e nas cidades.
* Publicado originalmente no site IHU On-Line.