Para o pesquisador Ricardo Rodrigues, a pecuária de baixa produtividade é a maior barreira ao desenvolvimento agrícola e ambiental sustentável, pois ela já ocupa dois terços da área destinada à agricultura.
Antes de aprovar um novo Código Florestal, é preciso reavaliar o Código vigente e atualizá-lo com o conhecimento científico adquirido nos últimos anos. Esta é a proposta defendida pela Academia Brasileira de Ciência (ABC) e pela Sociedade Brasileira de Progresso da Ciência (SBPC). “Sugerimos, em encontro no Senado e na Câmara, que o Código em vigor seja reescrito incorporando o conhecimento científico existente, pois não podemos pensar a questão ambiental separada da questão agrícola”, disse o biólogo e membro da ABC e SBPC à IHU On-Line por telefone.
Ricardo Rodrigues integra o grupo de pesquisadores responsáveis pelo estudo O Código Florestal e a Ciência – Contribuições para o Diálogo, organizado pela SBPC e pela ABC. Recentemente, ele e outros cientistas apresentaram sugestões de alterações no Código Florestal aos senadores da Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle (CMA) e da Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA). Segundo ele, o encontro foi positivo e a perspectiva é que o texto do Código Florestal seja alterado e aprovado até dezembro.
Na entrevista a seguir, Rodrigues diz que o novo texto do Código Florestal apresenta equívocos e não soluciona os problemas do Código atual. Entre as limitações da nova proposta, ele aponta a redução da mata ciliar de 30 para 15 metros. Segundo ele, o conhecimento científico disponível hoje já é enfático em relação à questão. “O conhecimento científico mostra que 30 metros é a extensão mínima para o cumprimento do papel da mata ciliar. Com certeza a redução de 15 metros proposta no novo Código Florestal baseia-se em nada”.
Ricardo Ribeiro Rodrigues é graduado em Ciências Biológicas e doutor em Biologia Vegetal pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Atualmente é docente na Universidade de São Paulo (USP) e coordena o Laboratório de Ecologia e Restauração Florestal da instituição.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Qual é a proposta da Academia Brasileira de Ciência e da Sociedade Brasileira de Progresso da Ciência para o novo texto do Código Florestal?
Ricardo Rodrigues – Defendemos que o atual Código Florestal tem problemas e precisa ser atualizado em termos de conhecimento científico para depois pensarmos na criação de um novo Código Florestal.
Acreditamos que é possível construir uma política ambiental brasileira, ou um novo Código Florestal sustentado no conhecimento científico disponível. Sugerimos, em encontro no Senado e na Câmara, que o Código em vigor seja reescrito incorporando o conhecimento científico existente, pois não podemos pensar a questão ambiental separada da questão agrícola.
Aqueles que defendem a criação de um novo Código Florestal justificam que não existem florestas remanescentes no Brasil para o cumprimento da Reserva Legal dentro da perspectiva do Código vigente. Portanto, como não tem floresta para o cumprimento da Reserva Legal, a proposta é mudar o Código. Entretanto, em nenhuma das análises foi incorporada uma reflexão sobre as áreas que já foram inadequadamente disponibilizadas para agricultura. Com a evolução da tecnologia no campo, muitos territórios acabaram se transformando em áreas marginais e foram abandonados, e agora querem revertê-los com uma nova ocupação dentro do conceito da Reserva Legal.
IHU On-Line – Quais são os principais equívocos do novo texto do Código Florestal?
Ricardo Rodrigues – Uma das propostas do novo Código é reduzir a área das matas ciliares de 30 para 15 metros. Se existe uma faixa de Área de Preservação Permanente (APP) de 30 metros, mas só se recupera 15 metros, o que se faz com o restante? Essa área ficará abandonada? O conhecimento científico mostra que 30 metros é extensão mínima para o cumprimento do papel da mata ciliar. Com certeza a redução de 15 metros proposta no novo Código Florestal baseia-se em nada.
Outro equívoco é tentar compensar as degradações da Reserva Legal dentro do bioma. Quando se faz compensação no bioma, compensa-se uma formação ambiental muito diferente daquela que foi degradada, pois dentro do mesmo bioma existem vários ecossistemas. Quando se degrada uma área da Reserva Legal, é preciso recuperá-la e conservá-la. Por meio do conhecimento científico, mostramos que essas compensações têm um limite espacial de distância que precisa ser respeitado.
IHU On-Line – O senhor esteve reunido com os senadores da Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle e da Comissão de Agricultura e Reforma Agrária para falar sobre os impactos do Código Florestal. Como foi o encontro?
Ricardo Rodrigues – Foi muito positivo. Estava desanimado com a aprovação do Código Florestal na Câmara, mas fiquei animado com a recepção dos senadores às nossas propostas. Conseguimos expor nossa posição, apontamos os itens do Código Florestal que precisam ser alterados e fundamentados no conhecimento existente e, principalmente, defendemos que é preciso integrar a questão ambiental com a agricultura. Não existe essa dicotomia, que foi colocada no texto do novo Código Florestal, de que a questão ambiental briga com a questão agrícola. Elas são complementares.
Para se ter uma ideia, as usinas de cana-de-açúcar são altamente impactantes em termos ambientais e não respeitam o Código Florestal atual, no que diz respeito à Reversa Legal e às áreas de preservação. Ou seja, elas estão irregulares em termos ambientais. Mas quando se faz um diagnóstico ambiental e agrícola destas propriedades, percebe-se que a taxa de ocupação agrícola com cana-de-açúcar é em torno de 70%, enquanto a ocupação de áreas de preservação permanente fica em torno de 8%. Portanto, falta no Brasil um planejamento ambiental e agrícola da atividade de produção.
Outro grande problema ambiental do país é a pecuária: dois terços da área agrícola é utilizada com pecuária de baixa produtividade. Nesse sentido, é preciso aumentar a produtividade da pecuária, o que permitirá a redução de área com pecuária, a qual poderá ser utilizada para a expansão da agricultura de grãos ou de cana-de-açúcar, por exemplo. Até 2030, o Brasil precisará de 15 milhões de hectares para a expansão agrícola. Ou seja, a solução da agricultura está na própria agricultura.
Alguns argumentam que o café, o arroz e o maracujá estão em áreas de restrição ambiental, mas estas são situações isoladas em relação ao todo. Para esses casos, pode-se pensar alternativas específicas, pois existem algumas soluções técnicas que permitem diminuir o impacto ambiental dessas culturas. É besteira mudar um Código inteiro por causa de situações que representam 5% da atividade agrícola brasileira.
IHU On-Line – Como os agricultores reagem diante da possibilidade de preservar as APPs?
Ricardo Rodrigues – Quando se propõe aumento de tecnificação da agricultura, eles aceitam preservar as APPs. Eles não conseguem cumprir as regras do Código Florestal por causa da baixa produtividade agrícola.
IHU On-Line – Como é possível recuperar os 61 milhões de hectares de terra que estão degradadas?
Ricardo Rodrigues – É possível recuperá-las com a agricultura. Existem práticas agrícolas que permitem esta recuperação. Terras de baixa aptidão agrícola devem ter realocação de uso e podem ser destinadas à Reserva Legal.
IHU On-Line – Vocês apresentaram aos senadores novas tecnologias para o mapeamento e estudo sobre os recursos naturais brasileiros. Que tecnologias são essas?
Ricardo Rodrigues – Hoje, dispomos de um pacote tecnológico de imagens de radares e de novos programas de computador que permitem o planejamento agrícola ambiental de forma muito mais efetiva do que 40 anos atrás, quando o Código Florestal foi aprovado. Atualmente, temos imagens de alta resolução que permitem monitorar metro a metro a produção agrícola.
IHU On-Line – Qual sua expectativa em relação à aprovação ou não do novo Código a partir deste encontro com os senadores?
Ricardo Rodrigues – Segundo os senadores, a decisão final será da presidente. Até dezembro serão realizadas novas discussões, votações, e certamente o texto voltará para a Câmara com alterações. A expectativa dos senadores é que até dezembro o Código seja aprovado. Saí deste encontro com a perspectiva de que vamos conseguir fazer um planejamento agrícola e ambiental com conhecimento científico.
* Publicado originalmente no site IHU On-Line.