A discussão sobre mudanças no código florestal ficou prejudicada por excessiva politização. Agora, essa politização foi agravada pela contaminação com outra questão política explosiva: as acusações contra Palocci.
A politização vem da origem da discussão recente, quando o deputado Aldo Rebelo assumiu a relatoria. Mesmo quando se reuniu ou debateu com técnicos, o deputado jamais ouviu seus argumentos. Descarnou a discussão de qualquer fundamento técnico ou científico e a redefiniu em temos exclusivamente políticos. Daí, inclusive, seus ataques para desqualificar os ambientalistas e disseminar a tese de que a oposição a seu relatório é alimentada por escusos interesses internacionalistas. Independentemente do desconhecimento sobre o papel e o trabalho das ONGs ambientalistas revelado pelo relator, o fato concreto é que ele buscou sempre a polarização extremada, numa estratégica política de ataque e desqualificação. Esta, dificulta qualquer acordo equilibrado e que considere os aspectos técnicos e científicos dessa complexa questão, indispensáveis a qualquer boa solução.
Esse clima de polarização extremada, acabou alcançando quase todas os partidos, permitindo que fossem capturados, na sua maioria, por um grupo apenas. O DEM, sempre teve uma ala ruralista forte. PDT e PPS também estão sendo levados por suas diminutas representações ruralistas. O PSDB é a presa recente mais importante. Hoje, ao invés de falar com a inteligência que demonstrou ter em outros momentos de sua história, fala com a voz dos ruralistas. Esqueceu-se de que foi o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso quem elevou a reserva na Amazônia de 50% para 80%. De que, em outros momentos, deu apoio à então ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, para evitar o bloqueio dos ruralistas em votações fundamentais ao avanço da política de sustentabilidade no Brasil.
A politização acaba fazendo com que os argumentos dos cientistas e dos técnicos apareçam, também, como elementos do debate político e não, como seria recomendável, como insumos no processo de formulação de uma política agrícola sustentável em combinação com uma sólida política de segurança florestal e ambiental e contemporânea às necessidades e ameaças deste século 21.
Agora, a politização foi agravada pela contaminação do embate sobre mudanças no Código Florestal com sua justaposição à explosiva questão das acusações ao Chefe da Casa Civil. Indícios de que o ministro teria intermediado interesses de empresas privadas junto ao governo quando exercia a função parlamentar e quando estava na coordenação da campanha da presidente Dilma Rousseff que começaram a circular na imprensa, a partir de matéria da Folha de São Paulo, dominaram a cena política. Até que se transforme em uma questão judicial, se o Ministério Público decidir processar o ministro, ficará como uma questão política central até ser superado por fatos supervenientes.
Em um governo de coalizão que tem a maioria de sua coalizão de sustentação dominada por partidos clientelistas, que operam sempre na base do toma-lá-dá-cá, todos os temas que passam pela agenda do governo no Congresso são interligados àquele no qual a presidente demonstre ter o maior interesse em cada momento.
Josias de Souza no seu “Blog do Josias” mostra que a blindagem de Palocci aparece como a prioridade da presidente Dilma e já a tornou refém do PMDB. Tem toda razão. O PMDB é o pivô da coalizão governista. Com o PT dividido na questão do Código Florestal, Cândido Vaccarezza (PT-SP) e uma ala do PT do lado dos ruralistas e o líder do partido Paulo Teixeira (PT – SP) com outra ala, aparentemente maior, contrários à aprovação do relatório de Aldo Rebelo, o PMDB ganha ainda mais poder de barganha.
Uma olhada na agenda política da semana, habilmente captada semanalmente por Fernando Rodrigues, mostrará que Palocci e o Código Florestal aparecem como os pontos centrais dela. Na audiência que a presidente tem hoje com o VP Michel Temer (PMDB-SP), os dois temas serão, com certeza, parte principal do cardápio. Não há como um não ser tratado independentemente do outro.
Mauro Zanatta e Raquel Ulhôa relatam no Valor informações de que a presidente Dilma não aceita o acordo feito sob a batuta do PMDB e que teria como contrapartida a blindagem do ministro Antonio Palocci, chefe da Casa Civil. O ministro Palocci coordenaria as negociações em torno desse veto presidencial e de uma proposta alternativa de iniciativa do governo, mais equilibrada, para mais adiante. Mais que enfraquecido, ele entra nessa mesa de negociações como principal transmissor do vírus que promove a contaminação da agenda política do governo e agrava a politização da discussão sobre o Código Florestal. Não há como o governo negociar com os mesmos interlocutores, numa mesa, o veto da presidente a um acordo que desmantela os alicerces do Código Florestal e, noutra mesa, a blindagem do ministro Palocci. Ainda por cima tendo o ministro na coordenação da negociação das objeções da presidente ao acordo do qual ele é um dos objetos. A política não comporta essas contradições, nem é capaz de ter compartimentos estanques para isolar uma da outra. Nesse caso, o naufrágio de uma ou outra é inevitável.
A mudança do Código Florestal é tema complexo, que não pode ser tratado de afogadilho. Seria melhor que se criasse espaço menos inflamado politicamente para considerar os elementos técnicos e científicos da questão. O Código precisa mesmo de uma nova proposta, que seja toda coerente, não de emendas parcialmente saneadoras. Um acordo contaminado seria muito ruim para a democracia, para a segurança ambiental do país, para a agricultura sustentável e para a própria reputação da presidente Dilma e do ministro Palocci. Está muito claro que é hora de dar uma parada para repensar toda a questão. Ganhar tempo para encontrar uma formulação equilibrada, não pela via de concessões do lado ambiental, e sim criando condições para que a agricultura brasileira se torne sustentável, conviva bem com as indispensáveis áreas de preservação permanente e matas ciliares. Isso é bom para o futuro da agricultura e a torna mais competitiva qualificando-a para receber um “selo verde” respeitável e que lhe garantiria portas abertas nos mercados internacionais de primeira linha.
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** Publicado originalmente no site Ecopolítica.