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Colaborando com o inimigo

Mahmoud Ahmadinejad. Foto: portalbragança

Teerã, Irã, 14/9/2012 – Mais de três anos depois das controvertidas eleições presidenciais no Irã, muitos cidadãos ainda desconfiam do governo de Mahmoud Ahmadinejad. No entanto, em lugar de se colocarem à margem, colaboram para melhorar a situação socioeconômica do país. Desde que terminaram os protestos de rua pelo resultado eleitoral favorável a Ahmadinejad, numerosos analistas debatem sobre o impacto que a quebra de confiança derivada dessa instância teve na classe média urbana que votou em Mir Hossein Mussavi, em 2009.

O candidato presidencial reformista permaneceu em detenção domiciliar a maior parte destes três últimos anos. Porém, quando os protestos se acalmaram, muitos cidadãos se deixaram guiar por um senso de responsabilidade, apesar da violência e da repressão empregadas pelas autoridades para sufocar a oposição. Esse senso de responsabilidade emana da preocupação com a forma que o Irã é conduzido no contexto dos esforços dos Estados Unidos para isolá-lo e ameaçá-lo, bem como enfraquecer sua economia.

Esta preocupação foi, inclusive, apresentada pelo candidato presidencial conservador Mohsen Rezai, que disse durante sua campanha em 2009 que “o país está à beira do precipício”. Em lugar de sair da esfera pública, como muitos observadores estrangeiros haviam antecipado, a classe média se tornou cada vez mais ativa, envolvendo-se em outras esferas não diretamente relacionadas com a política. Sua ativa presença foi sentida primeiro na economia e esteve encabeçada por empresários. Os setores da construção e da eletricidade são bons exemplos da situação.

Apesar da enorme demora das autoridades para pagar os serviços que oferecem, esses cidadãos continuam buscando soluções e trabalhando com um governo que muitos deles consideram desagradável. Por sua vez, as autoridades se mostraram menos sensíveis às críticas do setor privado e receberam as sugestões de seus membros. Uma das áreas de colaboração foi a implantação de uma reforma dos subsídios. Um dos empresários ouvidos pela IPS disse que o fim dos subsídios era uma das principais reclamações do setor privado, mas o momento não era considerado apropriado devido à grave crise econômica.

“Colaboramos porque o governo insistiu”, declarou um empresário, que pediu para não ser identificado. “Foram criados grupos de trabalho em vários ministérios que reuniram representantes do governo e do setor privado para avaliar várias formas de implementar o plano”, acrescentou. O governo de Ahmadinejad não implementou os acordos alcançados, em especial o tocante à assistência econômica direta a vários setores para que pudessem se ajustar ao repentino aumento do preço da energia para a indústria.

Entretanto, a contínua interação com o governo e as denúncias públicas sobre os graves problemas existentes levaram o parlamento a deter a segunda fase do plano de subsídios. Segundo o empresário, “não se pode ignorar o desperdício de recursos nem os erros, e ainda precisamos utilizar canais abertos como o parlamento ou mesmo dependências do governo que demonstrem maior compreensão e incidência para conseguir uma mudança”.

Outro empresário que costuma escrever sobre economia na imprensa disse à IPS que, “cada vez que escrevo uma coluna, me preocupa quando questiono as autoridades”. Mas isso não o detém. “Amamos nosso país e a situação nos preocupa. Por isso devemos expressar nossas críticas e nossas posturas. Talvez alguém ouça e preste atenção em um ponto de vista que surge da compaixão e não da inimizade”, acrescentou.

A cooperação com o governo é mais difícil para as pessoas que se movem no âmbito cultural e social. Mas a questão quanto a fazer ou não se tornou uma discussão significativa. Um especialista em política que pediu para não ser identificado contou que um convite que recebeu de uma instituição governamental gerou uma discussão acalorada entre seus colegas.

“Entretanto, finalmente, concordamos que conseguir um impacto é melhor do que ficar sentado em casa e se aborrecer”, afirmou. “Negar-se a falar, a rejeição e a eliminação fazem parte de um discurso que encarna a violência, e é isso que rejeitamos”, explicou. “Em todo caso, não devemos perder tempo. Não podemos esperar o momento perfeito, pois este pode jamais chegar. Devemos aproveitar cada oportunidade que se apresentar para participar e incidir”, ressaltou.

No entanto, o enorme desejo de participar e incidir fica abalado pela falta de confiança no governo, e as próprias autoridades são precavidas, inclusive temerosas, da participação da cidadania em todos os aspectos da sociedade. A desconfiança mútua saltou à vista na resposta popular ao terremoto ocorrido em agosto na província iraniana de Azerbaijão Oriental.

A população de outras províncias, especialmente de Teerã, reuniram bastante dinheiro e suprimentos para enviar, mas numerosos voluntários se mostraram reticentes em entregar o que foi arrecadado à Meia Lua Vermelha, organização encarregada do resgate e da missão humanitária, e insistiram em eles mesmo fazerem a entrega. O governo deteve 20 voluntários. Alguns foram rapidamente liberados, mas o fato revela a desconfiança do governo diante de todo tipo de trabalho cooperativo entre a população.

Segundo um sociólogo de Teerã, que também pediu anonimato, a sensação de insegurança deriva da “possível mobilização e colaboração de segmentos da sociedade”. Ele acrescentou que o terremoto foi uma oportunidade para a população de Teerã ajudar a comunidade que fala azeri. Contudo, “onde quer que a participação gere laços entre a população, embora ajude o governo a cumprir suas obrigações, ela é rejeitada pelas autoridades”, acrescentou. O rechaço das autoridades não conseguiu sufocar o desejo de participar, seja como for.

Um sociólogo da Universidade Allameh Tabatabai disse que as pessoas usaram formas “criativas” para contribuir e que consideram seu comportamento como “participação descontente”. Por exemplo, no tocante ao terremoto, a blogosfera esteve repleta de queixas sobre a má informação da televisão estatal, o que fez com que rapidamente melhorasse a cobertura. Além disso, várias construtoras se uniram aos doadores, ignorando o Estado, para construir casas para as pessoas das áreas afetadas. Segundo o sociólogo, “toda oportunidade de participação, trabalho cooperativo entre a população e forte crítica se aproveita com entusiasmo”. E é precisamente essa atitude ativa que incomoda as autoridades. “O governo não sabe de onde virá a participação e sempre está em atitude de reação”, ressaltou Tabatabai. Envolverde/IPS