Rio de Janeiro, Brasil, 30/8/2011 – Raimundo Francisco Belmiro dos Santos, um defensor da selva amazônica, pede a urgente proteção das autoridades brasileiras após denunciar que jagunços contratados por latifundiários do Pará o buscam para assassiná-lo em troca de US$ 50 mil. Belmiro dos Santos é seringueiro, de 46 anos, que teme por sua vida e a de sua família, diante das várias ameaças que recebeu por seu ativismo contra a devastação da Amazônia.
“Minha vida hoje esta muito complicada, querem me matar por esse dinheiro e garantem que o farão antes do final do ano”, disse angustiado o ativista, ao falar por telefone com a IPS de onde mora, a reserva Riozinho do Anfrísio, que fica a seis dias de viagem de Altamira, a 800 quilômetros de Belém, capital do Pará. “Luto pela vida, pela floresta e pela natureza, não posso mais viver sem proteção”, afirmou este chefe de família, casado e com nove filhos.
Em resposta a este apelo, o Ministério Público Federal do Pará determinou esta semana que a polícia inicie uma investigação, disseram à IPS fontes policiais. Corroborando esta informação, um comunicado oficial indicou que o procurador Cláudio Terre do Amaral ordenou à polícia que peça ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) “todos os documentos e todas as informações relacionadas com a questão” e que Belmiro dos Santos seja atendido pelas autoridades.
A última ameaça foi feita no dia 7 deste mês. Uma pessoa que não se identificou lhe disse por telefone: “Estão entrando na reserva para te matar. Se fosse você, não voltaria”. Mas Belmiro dos Santos responde que não vai deixar de voltar para sua casa. Nesta última semana, manteve várias reuniões com membros do ICMBio, órgão do governo federal responsável pela execução de programas de proteção e por exercer o poder de polícia ambiental nas unidades de conservação.
O temor do ativista se baseia em diversos antecedentes de violência no Pará. Em maio deste ano foram assassinados a tiros José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo, um casal de dirigentes do Projeto de Assentamento Agroextrativista Praialta-Piranheira reiteradamente ameaçado por denunciar o corte ilegal de madeira na região. O Pará concentra a maior quantidade de assassinatos decorrentes de conflitos pela terra no Brasil. Já somam centenas desde a década de 1980, assegura a Comissão Pastoral da Terra, da Igreja Católica, que faz um acompanhamento da violência no campo brasileiro desde então.
Entre os casos mais emblemáticos estão o crime de 2005 cometido por pistoleiros pagos por fazendeiros contra a freira norte-americana Dorothy Stang, de 73 anos e 40 anos de trabalho entre os pobres do centro do Pará, e o massacre de Eldorado de Carajás, cometido em abril de 1996 no sul do Estado por policiais que dispararam contra uma marcha de camponeses matando 19 deles. O ambientalista Marcelo Salazar disse à IPS que, além de Belmiro dos Santos, há muitos anônimos habitantes da região que dedicam sua vida a uma luta sem quartel na defesa da Amazônia, muitos dos quais são assassinados sem que “ninguém fique sabendo”.
As ameaças contra Belmiro dos Santos começaram em 2004, pouco depois de o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011)decretar a criação da Reserva Extrativista Riozinho do Anfrísio, uma área de 736 mil hectares na região chamada Terra do Meio, entre o Rio Xingu e seu afluente Iriri, no sudoeste do Estado do Pará. O ativista, que pouco depois recebeu o prêmio Defensores dos Direitos Humanos, e seu tio Herculano Porto de Oliveira foram retirados da selva por helicóptero e levados a Brasília por ordem da então ministra do Meio Ambiente, Marina Silva.
Agora, fora do governo, Marina Silva se comprometeu por meio de sua conta no Twitter a interceder junto à Secretaria Especial dos Direitos Humanos do governo federal para exigir novamente sua proteção. O avanço da devastação da selva por latifundiários, grandes pecuaristas e madeireiros se choca com a resistência da associação da reserva extrativista de Riozinho do Anfrísio e o nome de seu líder circula entre pistoleiros contratados para assassiná-lo, afirmam na região.
“Sempre vivi na floresta. Queriam comprar meu pedaço de terra, mas disse que não podiam. Não tenho medo do que possa me acontecer, mas temo por minha família, meus filhos, que vivem na reserva”, disse Belmiro dos Santos à IPS, após afirmar que há cerca de dez homens armados que rondam a área, enviados por grandes proprietários de terras.
Nascido e criado em Riozinho, este homem conta que seu avô saiu do Ceará para a área de Riozinho na primeira metade do Século 20, durante o apogeu do ciclo de extração da borracha. Com a queda dessa atividade extrativista, a população diminuiu até ficar reduzida às atuais 60 famílias (cerca de 500 pessoas) que vivem sem acesso a serviços públicos nem benefícios sociais, expostas à ação predatória dos grileiros, que falsificam documentos de propriedade da terra para tomar ilegalmente áreas para si.
A grilagem é um crime praticado em grande escala na Amazônia e seus autores são os principais responsáveis pelo desmatamento. Contudo, na reserva de Riozinho são muitos os interesses em jogo, desde especulação imobiliária e venda de recursos naturais até lavagem de dinheiro. Rica em madeiras como andiroba, copaíba e mogno, atualmente a principal atividade econômica dos moradores da reserva é a coleta de sementes oleaginosas, castanhas e frutos como o açaí.
As famílias de Riozinho desempenham uma função social importante vinculada à selva, disse Marcelo Salazar, coordenador-adjunto do programa Xingu, do não governamental Instituto Socioambiental (ISA), que presta apoio às populações das reservas extrativistas da Terra do Meio. “Têm a função de combater o desmatamento e a degradação ambiental”, afirmou. “Embora seja um número muito reduzido de pessoas, são protetoras e mantêm os serviços ambientais e de biodiversidade. É por esse motivo que são muito especiais e também muito incômodas para muitos”, disse Salazar à IPS.
Na Terra do Meio há outras reservas extrativistas além de Riozinho: a do Rio Xingu, com 400 mil hectares, e a do Rio Iriri, de 300 mil hectares. Salazar admitiu que a situação é mais complicada em Riozinho e que isso se deve à construção do complexo hidrelétrico de Belo Monte, no Rio Xingu. Os custos socioambientais dos grandes projetos de infraestrutura são muito altos, afirmou. “Pensamos que as obras da hidrelétrica gerariam um boom imobiliário e do mercado local, mas as reservas não foram consideradas vulneráveis pelo impacto ambiental das obras”, afirmou Salazar. “O que queremos para a Amazônia? Esta é a questão que temos de discutir. É preciso abrir um debate mais amplo”, acrescentou.
O ambientalista destacou a necessidade de expor a situação dramática que enfrenta Belmiro dos Santos. “A proteção que as autoridades lhe dão não se mantém por muito tempo e é apenas um paliativo, pois o fundamental é descobrir os responsáveis pelas ameaças e prendê-los.”, disse Salazar. “É preciso tomar medidas antes que algo pior aconteça. Há pessoas que lutam pela natureza e perdem a vida. Há gente que quer destruir tudo”, acrescentou. “A situação está difícil”, lamentou Belmiro dos Santos, que diz temer que nem mesmo sua morte, se conseguirem assassiná-lo, servirá para algo e que na Amazônia tudo continuará como está. Envolverde/IPS