Peshawar, Paquistão, 27/9/2011 – Enquanto a província paquistanesa de Khyber Pakhtunkhwa se converte na “capital mundial da poliomilite” as autoridades advertem os pais que dar crédito à propaganda do Talibã contra a vacinação pode levá-los para a prisão. “O problema das negativas ficou sério, e se decidiu iniciar ações contra as pessoas que participam de campanhas contra os programas de vacinação oral contra a pólio”, disse à IPS Ahmad Khan, coordenador do distrito Sijaj.
Khan culpou o analfabetismo e a propaganda feita por integrantes do movimento extremista Talibã pela propagação desta doença que já afetou dez crianças este ano. “Das 31 crianças cujos exames deram positivo, 20 foram impedidas de receber a vacina”, disse Khan. Acrescentou que muitas pessoas em Khyber Pakhtunkhwa (ex-Província da Fronteira Noroeste) acreditam que as campanhas de vacinação oral contra a pólio são “um estratagema dos Estados Unidos para que os receptores fiquem inférteis e impotentes, para assim reduzir as populações muçulmanas”.
No ano passado, o Paquistão ganhou o status de país mais afetado pela pólio, após surgirem 144 casos, 96 deles em Khyber Pakhtunkhwa e nas vizinhas Áreas Tribais Federalmente Administradas (Fata). Entre as vítimas havia 50 crianças que não foram imunizadas porque seus pais se opuseram. Os governos destes dois territórios, que fazem fronteira com o Afeganistão, agora seguirão a estratégia de usar os líderes religiosos para convencer os pais a cooperarem e para fazer cumprir a lei.
“Pretendemos conseguir que os eruditos religiosos convençam as pessoas a não apoiarem a campanha contra a vacinação, e, se isso fracassar, agiremos dentro das leis pertinentes”, explicou Khan. “As negativas podem levar a prisões pela lei de Manutenção da Ordem Pública, e a condenações de até três meses de prisão”, acrescentou. O governo mostrou que leva o assunto a sério ao deportar a família de uma criança afegã cujos exames deram positivo, no dia 7. “As famílias afegãs que permanecem na província estão espalhando o vírus”, alertou Khan.
O Afeganistão tem problemas muito semelhantes aos das Fata e de Khyber Pakhtunkhwa, com os membros do Talibã nesse país opondo-se às campanhas de vacinação contra a pólio. Em 2010, um foco da doença nas áreas do Tajiquistão vizinhas às fronteiras ao norte do Afeganistão, deixou 500 crianças com paralisia e foi visto como um exemplo da rapidez com que se espalha o vírus.
Este ano, o Paquistão voltou a liderar a lista, com 83 casos entre os três países onde a pólio é endêmica, seguida de Nigéria, com 23 casos e Afeganistão com 12. Ambos estão influenciados pelas crenças religiosas contra a vacinação. A poliomielite, que se propaga em áreas onde o saneamento é escasso ou de má qualidade, ataca o sistema nervoso dos menores de quatro anos, causando paralisia permanente de uma ou mais extremidades apenas horas após a infecção.
Atualmente, em Kkyber Pakhtunkhwa, há 16 mil crianças que não receberam a vacina porque seus pais não permitiram, disse o médico Jan Baz Afridi, encarregado da campanha nessa província. “Os líderes religiosos locais tiveram um papel ativo em convencer a população a se negar a receber a vacina. Várias das crianças cujos exames deram positivo na província pertenciam a famílias religiosas abertamente contrárias à vacinação”, disse Afridi.
Uma estratégia que está sendo adotada é destacar que o governo da Arábia Saudita, país respeitado entre os fiéis, tornou obrigatório aos que fazem a peregrinação anual a Meca tomar vacina, mesmo tendo mais de cinco anos de idade. Além disso, alguns dos ulemas (especialistas religiosos) se mostraram suficientemente convencidos em emitir fatwas (decretos religiosos) para dizer que a vacinação oral contra a pólio não só é segura como a única maneira de salvar as crianças dessa doença.
Mohammad Ali, da Darul Uloom Haqqania, instituição religiosa localizada no distrito de Nowshera, disse que os muçulmanos têm a responsabilidade religiosa de proteger seus filhos contra as doenças. “O sagrado Alcorão impõe aos pais a adoção de medidas preventivas contra as doenças de seus filhos”, acrescentou. Segundo Afridi, abordar as negativas se converteu em uma prioridade, depois que o Paquistão foi pressionado pela ONU e por outras agências doadoras a garantir o êxito das campanhas de vacinação contra a pólio.
Estas agências gastam cerca de US$ 5 milhões ao ano nesse tipo de campanha, como parte da Iniciativa de Erradicação Mundial da Poliomielite da Organização Mundial da Saúde (OMS), lançada em 1994. Uma Farroq, da OMS, disse à IPS que desde o começo deste programa foram administradas cerca de 12 bilhões de doses a crianças em todo o mundo. “Graças à vacina oral, a pólio foi eliminada em 125 países”, afirmou. O programa internacional sofreu um revés em 2009, quando o Talibã assumiu o controle do Vale de Swat em Khyber Pakhtunkhwa e usou o rádio para difundir a ideia de que esta vacina causam infertilidade.
“Ao darem a vacina às crianças, não só a protegemos contra pólio como também impedimos a circulação do vírus”, ressaltou Farroq. “O fato de as negativas estarem causando mais infecções com pólio para muitos mostra que a vacina oral é a única proteção que as crianças têm contra a doença”, acrescentou. Afridi afirmou que a estratégia de tomar medidas legais e de recorrer aos líderes religiosos já começa a dar resultado, pois os casos de rejeição à vacina caíram de 26 mil para 16 mil nos últimos seis meses. Envolverde/IPS