Há uma crença de que Deus só fez alguns poucos lugares como Belo Monte. Neste caso, segundo nossos engenheiros, para uma represa. Se isto for verdade, tratamos muito mal esta herança divina. É verdade que o projeto já não é o mesmo de 20 anos atrás e que juramos que não vamos mais fazer nenhuma outra represa Xingu acima. Mesmo assim, fomos apressados, descuidados, arrogantes, oportunistas, pouco transparentes e indiferentes.
Fomos apressados para utilizar o lançamento de um grande projeto como instrumento político. Pela pressa, nos arriscamos em saltos de etapas críticas, tais como, uma confiável investigação geológica ou o consentimento prévio e informado das populações indígenas a serem afetadas.
Fomos arrogantes em negar que o projeto tinha problemas, que não estava pronto sequer para ser leiloado, que requisitos legais e compromissos internacionais estavam sendo feridos, que não podemos impor a modicidade tarifária com preços irreais – ainda que com um saco cheio de bondades do erário -, que não podemos criar consórcios respeitáveis na última hora, para depois deixar o país perplexo ante aos que dele não quiseram participar como investidores!
Estamos sendo oportunistas em eleger as licenças ambientais como um entrave para acelerar o crescimento da infraestrutura do país, esta mesma aceleração que tanto colaborou para os deslizes de Belo Monte.
Não estamos sendo transparentes ao lidar com as consequências deste processo para o custo final do empreendimento, com os cuidados adicionais daqueles que devem assegurar os compromissos assumidos ou dos que têm acionistas ou controladores privados e que vão ser cobrados pelo uso dos seus recursos.
Não estamos sendo muito claros com o povo brasileiro, que corre o risco de, mais cedo ou mais tarde, ter que pagar a conta das empresas públicas que foram envolvidas neste triste enredo.
Finalmente, fomos indiferentes às expectativas das dezenas de milhares de pessoas a serem impactadas, sonhadoras de uma melhor qualidade de vida pelas promessas até agora não cumpridas.
Mesmo que o projeto vá em frente, temos que repensar esta estratégia de avançar de forma atabalhoada sobre os grandes rios livres da Amazônia.
Primeiro, temos que investir mais decisivamente em outras energias renováveis. Dessa forma, vamos para um sistema mais diversificado e seguro e socialmente mais inteligente do que investir dezenas de bilhões em um mega projeto distante do consumo e com um reservatório relativamente pequeno, tão exposto aos ciclos hidrológicos e com secas cada vez mais próximas umas das outras na Amazônia.
Se ainda assim não conseguirmos atender nossa demanda, temos que planejar melhor este avanço na Amazônia, valendo-nos de aprendizados como os de Belo Monte, Santo Antonio e Jirau. Nesse sentido, é preciso olhar para a bacia hidrográfica como um todo, não caso a caso, mas com uma visão clara da Amazônia que queremos no futuro, para então definir rios a preservar que garantam o patrimônio social, cultural e biológico da região.
*Pedro Bara Neto, mestre em engenharia, e Cláudio Maretti, doutor em geografia; respectivamente coordenador da estratégia de infraestrutura e líder da Iniciativa Amazônia Viva da Rede WWF.
*Publicado originalmente pela WWF Brasil.