Eric Schmidt passou dez anos na presidência executiva da Google Inc., tranformando uma ferramenta de pesquisa em rápida expansão numa gigante mundial que fornece sistemas operacionais para celulares e softwares baseados na web para as pessoas, além de ser um sinônimo de busca on-line. Schmidt, que recentemente transferiu o cargo de presidente-executivo da Google para o cofundador Larry Page, é agora presidente do conselho da empresa. No seminário D: All Things Digital, promovido pelo Wall Street Journal na semana passada, ele conversou com Kara Swisher e Walter S. Mossberg, os dois organizadores da conferência, sobre as novas guerras de plataformas, o sigilo de informações e o uso da tecnologia para o bem e para o mal. A seguir, trechos editados da entrevista.
Walter S. Mossberg: Há uma nova guerra de plataformas. Todo mundo conhece a guerra entre as plataformas Windows e Apple, que a Microsoft venceu de forma fácil na era do PC. Estamos na era pós-PC, e há outra guerra acontecendo. O senhor tem a ideia de uma “Gangue dos Quatro”. Poderia falar um pouco sobre isso?
Eric Schmidt: Se você olhar para a indústria como um todo, há quatro empresas que estão explorando as estratégias de plataformas muito bem. Uma delas é a Google, e as outras três são Apple, Amazon e Facebook. Nunca tivemos quatro empresas crescendo na escala que essas quatro têm no agregado, em clientes, fluxo de caixa, alcance, parceiros e desenvolvimento de ferramentas de software, entre outras coisas. São empresas globais com alcance e poderio econômico que há dez ou 20 anos só uma empresa tinha – tipicamente, a Microsoft, ou, antes dela, a IBM.
Para mim, o mais interessante agora é que cada uma está explorando de uma forma ou de outra uma plataforma para a criatividade que as pessoas estão aproveitando. Analisando o Facebook, agora existe uma série de competidores que vão explorar o modelo de relacionamento-identidade que o Facebook construiu.
Kara Swisher: Por que o senhor deixou a Microsoft fora desse grupo?
Schmidt: Porque a Microsoft não está conduzindo a revolução do consumo na mente dos consumidores. A Microsoft fez um trabalho muito bom de se garantir nas empresas e grande parte do lucro dela agora vem da união do servidor dos clientes Windows, que eles fazem muito bem.
Mossberg: Se voltarmos aqui em alguns anos, o número cairá para dois ou um, ou o senhor acredita que essa “Gangue dos Quatro” continuará?
Schmidt: É improvável que o número diminua devido a uma fusão entre elas, porque essas empresas são muito grandes para passar pelas estruturas regulatórias globais. É mais provável que, quando uma começar a perder espaço, outra assuma o lugar.
Swisher: Vamos falar sobre cada uma dessas empresas e o relacionamento da Google com elas. Com certeza tem sido difícil com a Apple.
Schmidt: Começou como uma parceria. Agora com o sucesso do (sistema para celulares) Android, está mais difícil.
Swisher: E com o Facebook?
Schmidt: Tentamos muito uma parceria com o Facebook. Eles fecharam acordos com a Microsoft de forma tradicional, acredito que basicamente porque a Microsoft estava disposta a dar condições que nós não estávamos dispostos. Mas talvez no futuro.
O Facebook fez muitas coisas que admiro. O Facebook pode ser entendido como um ótimo site para passar tempo com amigos, colocar fotos, informações e atualizações da vida social. Mas uma outra forma de entendê-lo é que é a primeira forma disponível para todos de tirar a ambiguidade da identidade. E a identidade é extremamente útil porque, no mundo on-line, é preciso saber com quem você está lidando. Historicamente, serviços fundamentais como esse na internet não são propriedade de uma única empresa. Existem múltiplas fontes. Acredito que a indústria se beneficiaria em ter uma alternativa para isso. Da perspectiva da Google, se tal alternativa existir, poderíamos usar isso para aperfeiçoar nossa pesquisa, para dar recomendações melhores para o YouTube, para fazer várias coisas envolvendo amigos.
Mossberg: E sobre a número quatro, a Amazon?
Schmidt: A Amazon fez um bom trabalho com as operações na “nuvem” para montar uma série de serviços geralmente conhecidos como S3. Ela também tem uma série de aplicativos e é capaz de realmente integrar os sites de comércio eletrônico. A Amazon também fez um bom trabalho com sua plataforma física, a distribuição de mercadorias. E continua crescendo muito rápido.
Swisher: O senhor descreveu a Google como uma empresa primeiramente destinada à pesquisa e anúncios. Mas vocês continuam tentando fazer todas essas outras coisas. A Google acabou de anunciar um serviço para arquivo de músicas. E vocês tiveram problemas em chegar a um acordo com a indústria fonográfica. Antes de tudo, por que vocês querem entrar nesse negócio? E segundo, por que a empresa não conseguiu chegar a um acordo com o setor?
Schmidt: A música é fundamental do ponto de vista de entretenimento, de marca, de experiência em todos esses aparelhos. E a nossa concorrente Apple tem uma estrutura antiga e bem-sucedida com o iTunes. Eles têm acordos antigos. Temos tentado convencer a indústria fonográfica a sustentar um modelo de assinatura baseado em serviços na nuvem e não conseguimos chegar a um acordo.
Swisher: O senhor tentou durante muitos anos estabelecer esse tipo de acordo com o YouTube e outras coisas. Qual tem sido o problema em lidar com a indústria de entretenimento?
Schmidt: O pessoal do lado da mídia tem alguns problemas de verdade. Você tem de sair de uma estratégia na qual cobra muito por um número pequeno de cópias para cobrar um pouco de várias formas por um número maior de cópias. Não acho que, como sociedade, realmente conseguimos entender as implicações disso. Também há a desintermediação que agora permite às pessoas driblar os estúdios e ir direto para os direitos digitais. E há esse grande problema da pirataria.
Mossberg: Dá para as pessoas ficarem confortáveis com o fato de que vocês e as pessoas em torno de vocês sabem tanto a nosso respeito? O senhor não acha que sabe demais a nosso respeito?
Schmidt: A Google vai se manter como um lugar no qual você pode fazer buscas anônimas. Estamos comprometidos com a garantia de que vocês tenham o controle sobre a informação que temos sobre vocês. Então, por exemplo, se você continuar a usar o Google e não se logar, e não nos disser quem é, isso continuará a ser verdade para sempre. E se quiser usar nossos serviços estando logado, é possível usar nosso painel de privacidade, ver o que temos e nos dizer o que devemos esquecer. Dizemos às pessoas o que sabemos. E damos a elas a chance de apagar isso.
O problema aqui tem a ver com o tempo que mantemos a informação. Precisamos de um pouco dela para melhorar nossos algoritmos. Por isso chegamos a uma regra de algo entre 12 e 18 meses para a retenção desses dados, que é aproximadamente o que as autoridades também querem.
Mossberg: O que o Android faz com as informações do localizador?
Schmidt: Há uma opção para aproveitar a informação se você usa nossos vários produtos relacionados a coisas sociais. É preciso escolher a opção de forma explícita.
Mossberg: E os aplicativos de terceiros na sua plataforma? Há uma tela assustadora no Android Market que diz que vai usar sua agenda telefônica, sua localização e todas essas outras coisas, mesmo se você está baixando um jogo ou algo parecido.
Schmidt: O que mais poderíamos fazer além de apenas informar as pessoas sobre o que estamos fazendo?
Mossberg: Vocês poderia controlar e dizer ao programador: “Isto é apenas um jogo. Você não precisa usar a agenda telefônica dessa pessoa”.
Schmidt: Jogos provavelmente precisam usar agendas telefônicas porque é como as pessoas usam games para vários jogadores.
Tomamos a decisão de não controlar. O modelo da Apple produz lindos produtos de um tamanho de mercado específico com muitas ferramentas inteligentes, que são altamente controladas pela Apple. O modelo da Google é exatamente o inverso. Tudo bem. Deixe o mercado decidir. Isto se chama competição.
Mossberg: O senhor tem pensado sobre o impacto do acesso à informação e a revolução móvel e na nuvem e todas essas coisas sobre política externa, sobre governos. Qual é o impacto?
Schmidt: Temos tentado entender – daqui a cinco anos e daqui a dez anos – como o mundo vai ser. As pessoas terão mais poder de várias novas maneiras, porque todo mundo terá o equivalente aos smartphones em seus bolsos. Em vez de uma visão realista tradicional de política externa, com Estados lutando contra Estados, uma forma mais moderna é olhar do ponto de vista dos consumidores e a internet e a adoção dessas tecnologias por eles.
Você imagina, por exemplo, o que um ditador faria com toda essa tecnologia, supervisão completa, completo rastreamento. E então imagina o que um dissidente naquela sociedade faria usando as mesmas ferramentas. Infelizmente, concluiria que exatamente as mesmas ferramentas seriam usadas por terroristas contra uma sociedade aberta. São questões para as quais não acredito que as pessoas estejam realmente prontas.
Mossberg: Falando como um consumidor, acho que meus resultados no Google são muito mais poluídos com lixo que não gostaria ver ou que não parecem relevantes. Sua estratégia básica de algoritmo, que foi tão bem-sucedida e tão diferente das outras, ainda é a melhor opção?
Schmidt: O que você está vendo é resultado do papel da Google no mundo, muitas pessoas tentam interferir no resultado. No caso da mudança recente no algoritmo que anunciamos, atingimos na verdade 12% das respostas. Na ferramenta de pesquisa, fazemos centenas de melhorias por trimestre que vocês não veem.
Outra coisa que estamos fazendo que é mais estratégica é tentar sair de respostas que são baseadas em links para respostas que são baseadas em algoritmos, em que podemos de fato dar a resposta certa. Agora temos tecnologia de inteligência artificial suficiente e escala bastante para literalmente calcularmos a resposta certa.
Swisher: Como o senhor definiria a era Google de Eric Schmidt? E o que considera a era Larry Page?
Schmidt: Tenho muito orgulho de ter feito parte da rápida expansão e de ter transformado a Google de um incrível site numa força real em termos de informação e negócios. Larry vai adicionar mais revisões de produtos, mais escala e vai se movimentar muito mais rápido do que fui capaz em termos de liderança.
Swisher: O senhor ainda supervisiona as crianças, como costuma brincar?
Schmidt: Não. É engraçado que Larry e Sergey (Brin, cofundador do Google) tenham crescido com o tempo. E depois de uma década trabalhando juntos, eles viram tudo o que você poderia imaginar. Eles são perfeitamente capazes de tocar esta empresa.
* Publicado originalmente no The Wall Street Journal, reproduzido pelo jornal Valor e retirado do site Observatório da Imprensa.