Mas o fato é que há uma aceleração nesse processo, que se intensificou nas três últimas décadas. A histórica falta de monitoramento impede que haja dados precisos, mas qualquer um que tem frequentado as praias de Santa Catarina as de Alagoas, Pernambuco e Paraíba sabe que tem algo errado. Casas e bares estão desmoronando. Praias extensas estão virando fiapos de areia.
Não há uma só causa. Há pelo menos meia dúzia.
Algumas delas têm a ver com as mudanças climáticas globais. As geleiras derretendo. A água se expandindo em volume por causa da temperatura maior. O aumento da força dos ventos alísios, de sudeste, justamente aqueles que empurram a água sobre a areia.
Outras não. Talvez a maior das causas seja a ocupação humana nas costas marinhas e nas margens dos rios. Mangues foram aterrados, pedras foram atiradas na água para proteger cidades, rios foram assoreados. Todas essas modificações tomam o espaço das águas. Como as correntes vêm de sul para norte, a cada vez que se coloca um obstáculo ao sul, uma praia acaba sendo atacada por ondas mais ao norte.
E por que Santa Catarina e aqueles três estados nordestinos são mais afetados que a média do Brasil? Moacir conta que Santa Catarina fica virada para as correntes do sul que atacam a costa. Já Alagoas, Pernambuco e Paraíba têm a costa apinhada de recifes. Os recifes desviam as ondas, concentrando-as em alguns pontos da costa. Essa concentração causa erosão.
Até hoje, no Brasil, o modo de combater a erosão da costa foi muito falho. “A prioridade sempre foi proteger o patrimônio e não a praia”, diz Moacir. Assim, quando a onda ameaçava uma casa ou uma estrada, entulhava-se de pedra no local, sem nenhuma preocupação com o que isso causaria ao resto da costa.
Moacir acredita que está em curso uma mudança de cultura no país. “Estou otimista”, diz ele. Ano passado, quatro prefeituras pernambucanas (Jaboatão dos Guararapes, Recife, Olinda e Paulista) contrataram uma empresa especializada para estudar a região e sugerir soluções sistêmicas, que protejam toda a costa. “Pela primeira vez busca-se uma solução integrada, com justificativa técnica em vez de simplesmente jogar pedra”, diz.
A solução deve passar pelo “engordamento” de praias com mais areia. Mas mais importante é mudar a lógica de ocupação do espaço, de maneira a reduzir o assoreamento e o aterramento. “Estamos perdendo praia”, diz Moacir. “Não dá para permitir isso. Praia é um bem público importante, que mantêm viva toda uma teia social e uma economia.”
No Brasil inteiro, segundo um estudo da PUC-RJ, Inpe e das universidades federais do Ceará, Pernambuco e Rio de Janeiro, estima-se que um patrimônio de 200 bilhões de reais esteja ameaçado pelo avanço do mar, e que um investimento de 3 bilhões seria suficiente para proteger a costa do dano.
O mar sabe encontrar caminho
O mar está comendo praias no Brasil inteiro. Em especial em Santa Catarina e na costa nordestina, entre Alagoas e Paraíba. Disso não há dúvidas.
Foi chegar na praia de Pau Amarelo, em Paulista, perto de Olinda, e ver os destroços de antigos bares. Não precisamos nem procurar. Era cedo de manhã, antes das 7. Comerciantes da área caminhavam pela areia, em busca de pedaços grandes de concreto, que eles usam para calçar seus imóveis. Se bem que chamar as casas de “imóveis” naquela praia, é meio impreciso. Lá, tudo é móvel.
No meio das ruínas, um mendigo. Mais tarde, me contaram a história dele. Sujeito de São Paulo, juntou um dinheirinho, comprou um bar na beira-mar e foi relaxar no Nordeste. O mar levou seu terreno inteiro. Hoje, depois de uma crise nervosa, ele dorme no lixo.
O avanço do mar é resultado da forma desajeitada como o homem ocupou as costas. Se tem uma coisa que a água sabe fazer é encontrar caminho. Se bloquermos aqui, ela entra ali. No caso em questão, entra pela praia de Pau Amarelo, em Paulista, perto de Olinda.
*Publicado originalmente no !sso Não é Normal.