Compromissos da Vale com o Brasil

O tema da saída do sr. Roger Agnelli da presidência da Vale enseja relembrar as circunstâncias da privatização em 6 de maio de 1997 da chamada “Jóia da Nação”, já então a maior produtora e exportadora do mundo de minério de ferro, gerando US$ 1,6 bilhão de divisas em 1996.

A Cia. Vale do Rio Doce criada por Getulio Vargas em 1942, depois de nacionalizar a Itabira Iron, durante seus 55 anos de estatal foi prestigiada por todos os presidentes da República, e tinha desenvolvido dois sofisticados sistemas integrados de produção e logística, desde a extração dos minérios e seu transporte por ferrovias até os terminais marítimos nos portos de escoamento. A formidável rede logística incluía as ferrovias Carajás, o porto de Itaqui no Maranhão e Minas e o porto de Vitória no Espírito Santo.

A Vale estatal teve ao longo de sua história excelentes presidentes e diretores, com destaque para a inteligência privilegiada, forte empreendedorismo e geniais iniciativas do engenheiro Eliezer Batista, que a presidiu por vários anos.

Dediquei 85 páginas do meu livro PRIVATIZAÇÕES DE FHC. A ERA VARGAS CONTINUA ao assunto da entrega da Cia. Vale do Rio Doce, demonstrando os inconvenientes da operação, principalmente sob três aspectos: 1) baixo preço; 2) o governo não se ter reservado uma Golden Share para coibir atitudes antinacionais e 3) venda de 31,7% das ações com direito a voto na Bolsa de Valores de Nova York, com o Poder Executivo renunciando ao direito de indicar dois membros do Conselho de Administração.

Após a privatização, a União ainda ficou dona de 31,17% de ações ordinárias da Vale, o que lhe dava o direito pela lei das sociedades anônimas de indicar dois membros do Conselho de Administração, órgão máximo que nomeia os diretores, e aprova rumos e diretrizes.

 

Em desrespeito ao Poder Judiciário, uma vez que centenas de ações judiciais para anular a privatização estavam subjudice, Fernando Henrique Cardoso determinou em 2001 a venda dessas ações na Bolsa de Valores de Nova York. Em agosto de 2000, ele já tinha negociado 31,72% das ações ordinárias (com direito a voto) da Petrobras nessa mesma bolsa norte-americana. É bom lembrar que subsistem na 1ª Vara Federal de Belém mais de 60 processos pedindo a anulação do leilão de privatização, e o Supremo Tribunal Federal ainda vai dar a palavra final.

A Vale foi vendida por R$ 3,388 bilhões, enquanto geólogos da Companhia de Pesquisas de Reservas Minerais – CPRM – (hoje Departamento Nacional de Pesquisas Minerais – DNPM) a avaliavam em R$ 1,7 trilhão.

Com a injustificável aquisição em 1996 da Inco do Canadá por US$ 18 bilhões a Vale aumentou seu endividamento de US$ 5,9 bilhões para US$ 21 bilhões e enfrentou, em 2010, greve de seus funcionários que durou um ano.

Todavia, o maior erro do sr. Roger Agnelli foi a tentativa de adquirir por US$ 90 a 100 bilhões a Xstrata, multinacional anglo-suíça, em 2007/2008, quando eclodiu a crise dos bancos norte-americanos, contaminando toda a sua economia. A Vale tinha acertado pacote de financiamento de US$ 50 bilhões com oito bancos: o Lehman Brothers, que quebrou nos EUA em setembro de 2008, HSBC Santander Calyon, Royal Bank of Scotland, BNP Paribas, Credit Suisse e City Bank. Para pagar o restante do preço, a Vale emitiria 1,2 bilhões de ações preferenciais do tipo A, que renderiam US$ 30 bilhões. Felizmente, os acionistas da Xstrata desistiram e a Vale livrou-se do negócio no qual teria vultosos prejuízos em conseqüência da crise estadunidense.

Outros malfeitos anti-Brasil da Vale: em 2010, encomendou da China 12 navios, ao custo de US$ 1,6 bilhão, no momento em que o governo Lula fazia extraordinários esforços para recriar a indústria naval brasileira. Em vez de fortalecer a sua empresa de navegação, a Docenave, Agnelli assinou contrato de 25 anos com a Mitsui para transportar minério para a China. Em plena crise de 2009, a Vale demitiu 1.300 funcionários. Agnelli não se interessava em projetos de industrialização de minérios do Brasil para agregar valor. Quase 40% do plano de investimento da Vale destinava-se a 39 países no exterior.

No final de 2007, a Vale fez torrencial propaganda na mídia, quatro páginas inteiras nos jornais e revistas, inserções nas televisões e rádios, para divulgar o novo logotipo. Foram gastos R$ 50 milhões na propaganda de uma companhia que praticamente só comercializa no mercado interno minério de ferro para poucos clientes. Em 2009, os dispêndios de publicidade da Vale alcançaram R$ 178,8 milhões.

Roger Agneli esmerou-se nas contribuições financeiras em campanhas eleitorais de 1996, utilizando-se das coligadas Caemi e MBR: R$ 4,5 milhões para Lula e R$ 3,2 milhões para Alckmin. Ajudou a eleger 54 deputados federais com doações de R$ 5,3 milhões. Esses números foram divulgados pelo Jornal Valor, de 29.11.2006, com dados do TSE. Não há dúvida de que houve uma blindagem, na imprensa, no executivo e no legislativo, para a gestão do presidente da Vale.

Não nego a capacidade administrativa do sr. Roger Agnelli, que catapultou a Vale a índices invejáveis na produção, exportação e lucratividade, embora ajudado pela elevação em mais de 500% dos preços do minério de ferro e pela ascensão ciclópica das compras pela China. Mas lhe faltou a percepção de que a Vale foi construída pelo dinheiro do povo brasileiro e que seu compromisso maior é com o Brasil.

Léo de Almeida Neves, membro da Academia Paranaense de Letras, autor dos livros Destino do Brasil: Potência Mundial, 270 páginas, Vivência de Fatos Históricos, 534, Segredos da Ditadura de 64, 356, Privatizações de FHC, A Era Vargas Continua, 374.

*Publicado originalmente no Correio da Cidadania.