Roma, Itália, maio/2011 – A Al Jazeera foi o fator fundamental para a queda dos governos no Egito e na Tunísia e influenciou nos protestos em Bahrein, Iêmen, Argélia, Síria bem como na rebelião na Líbia? Não creio que se possa dizer isso: as mudanças não se processam a partir da comunicação, mas a partir da realidade objetiva. Contudo, sem dúvida, a comunicação teve um papel muito importante nestes processos.
Após 15 anos de atividade, esta emissora alcança um índice de presença nos lares árabes estimado em cerca de 200 milhões de telespectadores. Inúmeras famílias árabes estiveram conectadas permanentemente com a Al Jazeera para acompanhar o desenvolvimento dos acontecimentos.
Foi e é fator de multiplicação das mensagens de uma opinião popular longamente amordaçada e de informação dos fatos e das denúncias (sobre repressão e corrupção, principalmente) que os regimes ditatoriais escondiam ou deformavam.
E chegou a transmitir em todos estes anos uma mensagem diferente de outras televisões regionais. O diretor da Al Jazeera, Wadah Khanfar, define essa mensagem como identificada com os valores universais, inspiradora de uma nova cultura, especialmente nas novas gerações. Wadah observa que este tsunami político foi realizado por uma juventude que representa 60% da população árabe e estava completamente marginalizada.
Testemunhas desses países recordam que a maioria dos cidadãos buscava a Al Jazeera para se informar, apesar das tentativas de baixar seu sinal em múltiplos cabos, interferindo no satélite, atacando seus jornalistas, destruindo suas redes, etc.
Khanfar conta que certa noite jantava em Doha, no Catar, quando recebeu um telefonema no celular da Praça Tahir, no Cairo – centro dos protestos – pedindo que não desligasse as câmeras que registravam as manifestações, já que os militares estavam preparados para atacar, aguardando apenas que a emissora encerrasse sua transmissão.
Mas esta cobertura não seria possível se, nas situações nas quais não se podia captar e transmitir imagens, as fotos e os filmes enviados por manifestantes não tivessem substituído as câmeras.
Se a isto somarmos os mecanismos de informação por meio do Facebook, Twitter, blogs e outras redes sociais, completaremos um conjunto informativo novo em um quadro de extrema gravidade.
A conjunção dessas redes sociais com o poderoso meio de comunicação em crescimento que é a Al Jazeera multiplicou o impacto. Essa experiência demonstrou que a mídia tradicional e os novos não são contraditórios, mas complementares, se integram no que chamamos “comunicação integral”.
Esta nova forma de comunicação logo se espalhou para fora da zona de rebeldia, sobretudo aos países vizinhos. Sultan Saoud Al Qassimi, blogueiro dos Emirados Árabes Unidos, contou que quando pôde comentar os acontecimentos nos países em conflito seus visitantes passaram de cinco mil para 25 mil.
A ativista egípcia Asma Mahfouz afirma que as redes sociais não foram descobertas no último momento, mas que foram sendo identificadas como vias alternativas diante das portas fechadas dos meios de comunicação tradicionais. Recordou que o salto de qualidade foi dado depois das eleições de setembro de 2005, que deram uma inverossímil vitória ao deposto presidente egípcio Hosni Mubarak com 88,6% dos votos, evidentemente fraudulentos.
Os protestos foram conduzidos pelos setores sociais médios, que têm acesso à internet, que foi uma coluna vertebral dos mecanismos de comunicação. Os jovens manifestantes asseguram que pelo Facebook adquiriram confiança e a sensação de que não eram frágeis.
A importância do fator autoestima foi detectada pelo ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva durante sua presença em um fórum da Al Jazeera, em meados de março, em Doha, onde em uma reunião com blogueiros árabes afirmou que a autoestima popular foi determinante para derrubar as ditaduras latino-americanas. Segundo Lula, democracia implica paciência e respeito, inclusive pelas vozes menos “favoráveis às nossas, já que quando um dirigente se considera insubstituível e suas opiniões são as únicas válidas corre-se o risco de nascer um novo ditador”.
Malek Khadroui, blogueiro tunisiano, explicou que muitos concidadãos não acreditavam nestes instrumentos, mas “aprendemos a utilizá-los de forma diferente das gerações anteriores”. Ele disse que a internet começou a ser usada ativamente pelos opositores na década de 1990, mas só para obter informação, não como mecanismo de organização e participação dos cidadãos. Khadroui ressaltou que na fase final das ditaduras da Tunísia e do Egito também foram usados novos instrumentos de comunicação para se contrapor aos rebeldes, “mas fracassaram porque não havia confiança neles”, disse.
Os diretores da Al Jazeera refletiram nos últimos meses se a transição da mudança na região árabe poderá permitir a construção de um futuro diferente, no qual a cultura digital tenha irrompido para ficar, onde as redes sociais contribuam para definir um novo papel da comunidade configurando uma renovada identidade, e talvez sejam os catalisadores das mudanças a partir de uma nova geração melhor conectada, educada e inspirada nos valores universais.
Talvez, tenha razão Hillary Clinton, quando disse que existe uma guerra da informação que os Estados Unidos estão perdendo e atores como a Al Jazeera estão ganhando. Envolverde/IPS
* Mario Lubetkin é diretor-geral da agência de notícias Inter Press Serviçe (IPS).