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Comunidade ahmadia não tem paz no Ramadã

Um dos minaretes da mesquita de Baitul Hamd em processo de demolição. Foto: Ahmadiyya Jammat

Carachi, Paquistão, 8/8/2012 – Quando milhões de pessoas comemoram a terceira semana do mês sagrado muçulmano do Ramadã, a fraternidade que caracteriza esta época do ano no Islã não se aplica à comunidade ahmadia do Paquistão, que sofre a pior perseguição de sua história. Esta minoria religiosa, fundada em 1889 por Mirza Ghulam Ahmad, na cidade indiana de Qadian, acredita que este é o messias e reformador cujo advento foi anunciado pelo profeta Maomé.

Em 1974, a Liga Mundial Islâmica declarou que os ahmadianos não eram muçulmanos, e desde 1984 sofrem uma grande exclusão legal e social no Paquistão devido a uma lei que os proíbe de se proclamarem maometanos e peregrinar à Arábia Saudita. Os missionários religiosos não muçulmanos podem fazer proselitismo neste país desde que não preguem contra o Islã, mas os ahmadianos não estão autorizados a realizar reuniões públicas nem cantar hinos a Maomé.

A hostilidade contra essa comunidade de quatro milhões de pessoas atingiu proporções graves no mês passado, na cidade de Kharina, na província paquistanesa de Punjab, quando um esquadrão da polícia demoliu seis minaretes da mesquita Baitul Hamd e apagou os escritos de suas paredes. Baitul Hamd foi construída em 1980, quatro anos antes de os ahmadianos serem proibidos de se dizerem muçulmanos no Paquistão.

Raja Zahid, o policial que supervisionou a demolição, disse ao jornal de língua inglesa Express Tribune que a operação ocorreu devido a uma denúncia formal da organização religiosa Tehreek-e-Tahafuzz-e-Islam. “Asseguramos o respeito, mas a lei 298-B claramente estabelece que os qadianis (ahmadianos) não podem chamar de mesquita seu local de culto, e se este assim não pode ser chamado, tampouco deve se parecer com uma”, explicou.

“Não há um desenho patenteado de uma mesquita nem uma lei estabelecendo que um desenho de minarete só pode ser usado por uma mesquita”, disse à IPS um indignado Mukarram Saleemuddin, porta-voz da comunidade ahmadia. Contra a versão oficial da polícia, afirmou que os policiais “chegaram sem ordem judicial no meio da noite”.

“Tudo começou com as leis sancionadas no começo da década de 1980, quando passou a ser crime um ahmadiano utilizar qualquer símbolo ou palavra que pudesse indicar que se tratava de um muçulmano ou uma muçulmana”, contou à IPS a porta-voz da independente Comissão de Direitos Humanos do Paquistão (HRCP), Zohra Yusuf. A lei é levada a tal extremo, que “certa vez uma criança pequena foi para a prisão por ter recebido um cartão-convite com a palavra bismillah” (em nome de Deus), recordou Yusuf.

A religião e a intolerância religiosa penetraram em quase todas as instituições do Paquistão. Muitas pessoas condenam a perseguição de muçulmanos xiitas, hindus e cristãos, mas poucos se preocupam com a comunidade ahmadia, assediada de forma irregular. Por medo de perseguição, os fiéis mantiveram durante anos um perfil baixo.

“Enquanto desconhecem sua identidade, você está a salvo”, disse à IPS o estudante de medicina Hasan Ahmad. “Contudo, quando sabem que é ahmadiano, a atitude muda e pode acontecer qualquer coisa”, acrescentou. Desde 28 de maio de 2010, quando 86 membros da comunidade foram massacrados em suas mesquitas durante a oração das sextas-feiras, na cidade de Lahore, os ataques contra esta comunidade se multiplicaram.

Hussain Naqi, da HRCP, disse à IPS que o grau de discriminação se agrava cada vez mais. “A administração pública realiza uma investigação exaustiva sobre as credenciais religiosas de uma pessoa para discriminar os membros da comunidade ahmadia, e se por erro um amadhiano é admitido nas Forças Armadas jamais lhe será permitido integrar a hierarquia”, detalhou. Naqi também lamentou a ironia de que, segundo as leis contra a blasfêmia, “se castiga a profanação dos versos do Alcorão, mas não se pune quando a polícia os apaga de uma mesquita da comunidade ahmadia”. O chefe de Justiça do Paquistão deve assumir este assunto de forma pessoal, acrescentou. “Mas, sei que não o fará” concluiu.

O último relatório do Departamento de Estado norte-americano sobre liberdade de culto, divulgado no dia 31 de julho, diz que as forças de segurança do Paquistão são responsáveis por abusos contra minorias religiosas, especialmente se amparando em leis contra a blasfêmia. “Organizações não governamentais afirmam que as seções do Código Penal contra a comunidade ahmadia, bem como outras políticas do governo, incentivam a intolerância e, junto com a falta de ação da polícia, criam uma cultura de impunidade”, informa o documento.

Desde a promulgação das leis discriminatórias de 1984, 218 integrantes desta comunidade foram assassinados. E desde o começo deste ano, segundo líderes religiosos, sete pessoas foram vítimas de homicídios seletivos. “Nunca houve detenções”, protestou Saleemuddin.

A comissão criada para investigar o ocorrido em maio de 2010 não elaborou um informe final nem entrou em contato com integrantes da comunidade ahmadia. A imprensa tampouco se refere aos ataques. “Informam sobre atrocidades diariamente, mas ninguém se detém para analisar porque isto acontece”, afirmou à IPS o advogado Faisal Neqvi, morador de Lahore.

“O discurso da imprensa é que está certo odiar algumas pessoas como os ahmadianos, mas não outros (como os xiitas e os sunitas moderados, repudiados pelos extremistas). Realmente, é uma mensagem confusa”, observou Neqvi, muçulmano xiita. O grande tema é “se resta algum espaço para quem não é wahabi ou salafista (sunita integrista) no Paquistão”, pontuou.

Os esforços para eliminar a presença religiosa e cultural da comunidade ahmadia no Paquistão têm longa data. Inclusive se desejou apagar a memória de Abdus Salam, prêmio Nobel de Física e membro desta comunidade. Neqvi escreveu no jornal Express Tribune: “Apesar das muitas atrocidades em nome da religião que este país sofre, não recordo de nenhuma em que o público, o parlamento e a mídia se mantiveram unidos durante um tempo prolongado para condenar algum dos episódios”. Envolverde/IPS