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Condenação de Mubarak, um tiro pela culatra

Cairo, Egito, 5/6/2012 – Se, com a prisão perpétua à qual foi condenado o ex-presidente Hosni Mubarak e um de seus assessores, se pretendia acalmar a população do Egito, tudo indica que fracassou totalmente. Pouco depois de ser conhecida a sentença, no dia 2, dezenas de milhares de egípcios de todo o leque político tomaram as ruas de numerosas cidades para expressar seu mal-estar pelo que consideram uma sentença benigna. Só não devem ter comparecido os apoiadores incondicionais de Mubarak e Ahmed Shafik, candidato presidencial e último primeiro-ministro do regime de mão-dura que se estendeu de 1981 a 2011. O juiz do tribunal penal do norte do Cairo, Ahme Refaat, condenou Mubarak e Habib al-Adly, ex-ministro do Interior, por “não deterem a matança”.

Muitos cidadãos acreditam que ambos, junto com os serviços secretos, são responsáveis pela morte de centenas de manifestantes, e também de torturar e privar de liberdade milhares de pessoas. Da mesma decisão judicial consta a absolvição de altos funcionários do Ministério do interior e comandantes da política antidistúrbios, que foram vistos na época disparando do alto dos prédios em volta da Praça Tahrir. “Sabemos que Mubarak e Al-Adly não estavam nos telhados disparando contra os manifestantes, mas como é que ninguém é responsabilizado pelo massacre, apesar dos informes forenses, de testemunhas, imagens e provas escritas das forças de segurança”, perguntou à IPS o ativista Tarek el Halaby.

Poucos minutos após a divulgação das sentenças houve confrontos entre manifestantes e policiais perto do tribunal. Centenas de egípcios se dirigiram à Praça Tahrir, apesar do calor abrasador do meio dia. À noite já eram dezenas de milhares de pessoas gritando palavras de ordem em várias cidades do país. Foi a maior concentração de manifestantes desde a revolta de fevereiro de 2011. As cenas de jovens montando uma barricada na Praça Tahrir foram semelhantes às daqueles dias agitados. Todos que entravam eram revistados e obrigados a mostrar seu documento de identidade.

Os manifestantes formaram uma corrente humana em volta da Praça, laicos, religiosos, revolucionários, fanáticos por futebol, cristãos coptos, jovens e velhos unidos em demonstração de solidariedade pela causa. Também havia muitas mulheres. A concentração durou toda a noite, e as centenas de pessoas que se acomodaram levaram vários analistas a preverem o início de uma longa batalha. O trânsito de veículos foi afetado no dia 3 pelas barricadas, pois numerosos manifestantes regressavam para suas casas após o chamado da Irmandade Muçulmana aos seus seguidores para saírem da rua.

O ânimo das pessoas é de raiva, e também de desafio e determinação ao se darem conta de que a revolução pela qual tanto lutaram, na qual muitos perderam a vida, pode estar se diluindo. “Se pudermos manter a mobilização e concentrar nossa mensagem, talvez consigamos que Shafik seja desqualificado”, disse Yasmine el-Rashidi. A mesma atitude mostraram vários manifestantes que propõem o boicote ao segundo turno eleitoral, previsto para meados deste mês. “A grande maioria da população não participará das eleições do Conselho Supremo das Forças Armadas. Unam-se e boicotem esta farsa”, postou Tarek Shalaby no Twitter. Outro ativista, Mahmud Salem, se mostrou decepcionado pela incapacidade de alguns revolucionários de verem o jogo que o exército faz para se aferrar ao poder.

El-Halaby, que perdeu vários amigos em um protesto em frente à sede militar de Abbasiya, no Cairo, no mês passado, prevê um futuro sangrento. Onze pessoas morreram. Várias tinham o pescoço cortado e outras receberam tiros de desconhecidos, os quais são vinculados ao exército. “Sabemos que o regime não se renderá sem uma luta sangrenta e prevemos mais derramamento de sangue. Estamos preparados porque sabemos que não será fácil conseguir a liberdade”, ressaltou à IPS.

A situação explosiva nas ruas e a raiva dos manifestantes pode aumentar quando os advogados de Mubarak e Al-Adly apresentarem um recurso de apelação contra a prisão perpétua. Muitos advogados, incluídos os das pessoas assassinadas no ano passado na Praça Tahrir, acreditam que a apelação terá sucesso. Apesar dos indícios mostrando que os momentos turbulentos estão longe de terminar no Egito, as pessoas não perdem o senso de humor. Uma piada contada na Praça Tahrir dizia que o presidente da Síria, Bashar al-Assad, ficaria feliz de entregar o poder se pudesse ser julgado por um tribunal egípcio. Envolverde/IPS