Genebra, Suíça, 25/5/2011 – Algumas das decisões tomadas no Plano de Ação de Istambul podem ir contra os países mais pobres, enquanto outras são tão vagas que carecem de sentido, afirmou Abdoulaye Sanoko, conselheiro da missão em Mali da Organização Mundial do Comércio (OMC). O plano foi adotado na quarta Conferência das Nações Unidas sobre os Países Menos Adiantados (LDC-IV), realizada na cidade turca de Istambul, entre 9 e 13 deste mês.
“Os PMA (Países Menos Adiantados) negociaram, mas sem opção. Estavam obrigados a ter um resultado, e por isso este é um texto de compromisso não necessariamente bom”, disse Sanoko à IPS ao regressar de Istambul. O Centro Internacional para o Comércio e o Desenvolvimento Sustentável (ICTSD), com sede em Genebra e representantes em Istambul, concordou que o “comércio demonstrou ser o tema mais controvertido nas negociações”.
“Quando vejo o capítulo sobre comércio tenho o sentimento de que houve um revés a respeito do que a OMC já havia considerado pétreo sobre o tratamento especial e diferenciado”, disse Sanoko. “Na Rodada de Doha está claramente estabelecido que os PMA não teriam que reduzir nenhuma tarifa alfandegária. Só o fariam voluntariamente, embora sejam estimulados a consolidar essas tarifas”, explicou.
O ICTSD afirmou que a versão final do plano chama para um acesso a mercados livres de tarifas e cotas para todos os PMA, em linha com a declaração ministerial da OMC de Hong Kong, em 2005, e a abolição ou redução de barreiras comerciais “arbitrárias e injustificadas”.
Porém, para Sanoko esta linguagem está “cheia de ambiguidades. É uma contradição e um revés para o compromisso de Hong Kong, de acesso livre de tarifas e de cotas, já que inclui a possibilidade de uma ‘redução’ junto à ‘abolição’ de barreiras injustificadas”, prosseguiu. Embora tenha aplaudido o chamado para fortalecer a integração regional, Sanoko lamentou a falta de meios inovadores para conseguir isso, particularmente em relação à emenda do Artigo XXIV do Acordo Geral Sobre Tarifas Alfandegárias e Comércio (GATT), um dos temas atualmente discutidos em Genebra.
Este artigo estipula que, em pactos de livre comércio regionais, as partes devem liberalizar a maior parte de seus intercâmbios, sem especificar quanto. Os PMA e as nações do Sul em desenvolvimento pedem que seja emendado para incluir uma boa dose de tratamento especial e diferenciado, de maneira que os países pobres não sejam obrigados a desmantelar por completo suas proteções.
“Entendemos que uma conferência assim não pode resolver os problemas relacionados com as regras de comércio, mas gostaríamos de uma referência ‘ao artigo’”, disse Sanoko. A LDC-IV foi “um esforço comum da comunidade internacional para estimular o desenvolvimento de nossos países, e não se pode falar sobre conceitos gerais aceitos sem aprofundar neles”, ressaltou.
Sobre os acordos de associação econômica (EPA), promovidos pela União Europeia com suas ex-colônias da África do Caribe e Pacífico, Sanoko afirmou que “se supõe que deveriam ser uma sociedade, mas, na realidade, são tratados de livre comércio como quaisquer outros. Como se pode conceber uma associação entre países hiperindustrializados e outros que apenas podem se manter em pé? É outra oportunidade perdida para inovar”, afirmou.
Sanya Reid Smith, assessora legal e pesquisadora da organização não governamental Rede do Terceiro Mundo, disse que em Istambul foi enviada uma forte mensagem de que os PMA não deveriam ser pressionados ou exortados a liberar suas exportações, já que, como ficou demonstrado no passado, isto tem efeitos muito nocivos. “Também foram expressos temores sobre os acordos de livre comércio e de sociedade econômica, que podem causar danos semelhantes”, declarou à IPS. “Diante deste ponto morto na OMC, deveria haver uma colheita precoce para os PMA, que incluísse temas como acesso a mercados sem tarifas nem cotas, e a eliminação de subsídios que distorcem o comércio de algodão”, acrescentou Smith.
Outro tema complicado, segundo Sanoko, é o pedido dos PMA para ampliar suas bases de exportação e assim poderem duplicar sua parte no comércio internacional em dez anos. “Mas, sobre qual base? Hoje, representam apenas 1% do comércio mundial. Poderia subir para 3%, mas, concretamente, como?”, perguntou. Para Sanoko, é “uma grande pressão sobre os PMA” pedir que evitem as tendências protecionistas e corrijam as medidas que distorcem o comércio enquanto o Norte industrializado mantém seus subsídios agrícolas. “Para os PMA da África, a agricultura é vital”, destacou.
“Temos um exemplo no Malawi: houve um déficit crônico de alimentos, mas somente em três anos conseguiu ser autossuficiente, e hoje chega a exportar. Sua solução foi aplicar uma nova política agrícola que dá certo apoio aos pequenos produtores, como sementes e fertilizantes. No momento em que pode surgir uma nova crise alimentar, apoiar os pequenos agricultores pode fazer uma crucial diferença e ajudar a população a alimentar-se”. Em “30 anos, apenas três PMA mudaram de status. Isto mostra um lento progresso, sobretudo considerando que o número de PMA africanos crescerá com a divisão do Sudão”, disse Sanoko.
Martin Khor, diretor do Centro do Sul, organização intergovernamental de países em desenvolvimento com sede em Genebra, disse não ser verdade que os PMA não estiveram integrados à economia mundial. De fato, muitos tiveram maiores taxas de importação do que nações industrializadas. O problema é que os PMA se integram de uma forma que os deixa em desvantagem, com excessiva dependência das matérias-primas, cujos preços estão caindo. Envolverde/IPS