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Conferência dos guardiões da terra e do mar

“Somos nós que cuidamos das plantas, dos animais, da terra e do mar desde há muito tempo...”, disseram Ángel Durán e Bernardette Angus. Foto: Milagros Salazar/IPS

 

Darwin, Austrália, 28/5/2013 – “Você é guarda-florestal?”. “Não, sou dono do território”, responde à pergunta da IPS, com segurança, Ángel Durán, um líder indígena da Bolívia que chegou a esta cidade do norte da Austrália junto com outros 1.200 delegados de povos originários, procedentes de mais de 50 países. Durán, que afirma ser um dos proprietários do território onde nasceu e vive, participa da Conferência Mundial da Rede Indígena (WIN) representando oito povos da Amazônia boliviana, que somam mais de 20 mil pessoas.

Embora não apareça no programa oficial como palestrante e só se comunique em espanhol, não se detém na troca de conhecimentos com outros líderes que vão de um auditório a outro na sede da WIN, em Darwin. O encontro, promovido pelo governo da Austrália, foi aberto no dia 26 e terminará amanhã com a apresentação de experiências sobre preservação de ecossistemas e biodiversidade, uso sustentável de áreas naturais protegidas, desenvolvimento e segurança alimentar de nativos da África, América Latina, Ásia e de outros países, como Canadá e a própria Austrália.

Nesse contexto, o relator especial das Nações Unidas sobre a situação dos direitos humanos e as liberdades fundamentais dos indígenas, o norte-americano James Anaya, ressaltou ontem a importância de os governos reconhecerem os instrumentos internacionais que protegem os direitos fundamentais das populações autóctones. Após ouvir Anaya, a indígena australiana Melissa George disse à IPS que “essa é uma forma de reconhecer que foram eles, os povos originários, os primeiros a empregarem seus conhecimentos para proteger estes territórios”.

A conferência é uma contribuição significativa do governo australiano, embora falte muito para avançar, acrescentou George, indígena wulgurukaba que há 20 anos, quase metade de sua vida, se dedica a desenvolver projetos de gestão de recursos naturais em territórios de povos aborígines, e agora é copresidente do Grupo Assessor Nacional da WIN. Parte dos esforços de reivindicar para estes povos e comunidades é a recente incorporação da rede internacional indígena como parte da Organização das Nações Unidas (ONU) mediante a gestão da Iniciativa Equatorial, que reúne governos, sociedade civil, empresas e organizações de base para promover soluções locais de desenvolvimento sustentável.

A diretora da Iniciativa Equatorial, a norte-americana Eileen de Ravin, assegurou à IPS que esta conjunção de esforços abre enormes possibilidades para que um povo da América do Sul, como a Bolívia, possa aprender de maneira direta o que acontece no Canadá ou na Austrália. “Nossa meta é influir nos governos para que respeitem e ouçam estas experiências e soluções valiosas”, ressaltou Ravin. Nesse caminho, a Iniciativa Equatorial realiza um concurso, a cada dois anos, para premiar tais esforços.

Na última década foram apresentados 2.500 projetos e premiadas 152 experiências indígenas e locais. Precisamente, um dos temas que marcaram as apresentações de ontem na WIN foi a apresentação de casos de conservação de áreas protegidas em mãos de povos originários e comunidades locais de Canadá, Austrália, Suécia e Brasil, sob a figura do guarda-florestal ou agente ambiental indígena.

“Não importa o nome, o objetivo é o mesmo: aproveitar os conhecimentos ancestrais para proteger a natureza e a cultura das diversas ameaças”, disse à IPS o ativista Oswaldo Barassi, da Equipe de Conservação da Amazônia, cujo programa de formação vai desde o ensino de normas e conceitos especializados até o uso de ferramentas como o GPS (sistema de posicionamento global via satélite). Esta organização brasileira capacitou, desde 2005, 190 indígenas de 30 etnias no manejo e na conservação das florestas, o que lhes permitiu desenvolver projetos de vigilância da flora e fauna diante do desmatamento.

Apesar da ajuda que implica para as autoridades, estes agentes ambientais indígenas não recebem nenhum pagamento do Estado brasileiro por seu trabalho, ao contrário do que ocorre na Austrália, onde se desenvolve há 15 anos um plano de áreas protegidas que permitiu o reconhecimento de 55 áreas ao longo de 43 milhões de hectares. Como disse à IPS a guarda-florestal Bernardette Angus, da zona oeste da Austrália: “Somos nós que cuidados das plantas, dos animais, que protegemos as terras e o mar desde há muito tempo e os que ensinam aos jovens para que continuem fazendo isso quando já tivermos partido”.

Na Bolívia, a federação de povos indígenas do norte de La Paz liderada por Durán pretende ir um passo além nos esforços de conservação. Para isso, propõe que o governo de Evo Morales, um indígena aymara, reconheça legalmente os chamados “guardiões de terras comunitárias de origem” para que possam punir quem invadir ou fizer um manejo ilegal de suas terras e seus recursos naturais. Para Durán, originário do território Leko de Apolo, nenhuma política governamental de proteção à biodiversidade pode excluir as comunidades. “Nem o conhecimento científico pode ser comparado aos saberes ancestrais dos povos. Nós cuidamos porque é nosso plano de vida”, assegurou à IPS.

Barassi, embora reconheça estes saberes indígenas, alerta que nem sempre é uma garantia por si só de um manejo dos recursos naturais de êxito. Para isso a capacitação é crucial. Em todo caso, a maioria coincide quanto à necessidade de unir esforços para maximizar os resultados nestes tempos de ameaça, tanto de atividades ilícitas e megaprojetos de investimento privado como das derivadas da mudança climática.

“Nunca imaginei que as florestas poderiam acabar, mas isso está acontecendo”, alertou João Evangelista, um guarda-florestal brasileiro que não pôde ir a Darwin, mas mandou sua mensagem em vídeo, que foi apresentado por Barassi a um auditório desejoso de encurtar distâncias. Por isso, é importante a capacitação, é uma forma de libertação para nós e de nos prepararmos para enfrentar a ameaça que vem de fora”, afirmou. Envolverde/IPS