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Conselho de Segurança parado por manipulação política

O embaixador russo, Vitaly Churkin, dirigiu duras palavras às potências ocidentais com poder de veto, apesar de seu país dificilmente seja inocente. Foto: UN Photo/Paulo Filgueiras

Nações Unidas, 22/12/2011 – Quando o embaixador russo Vitaly Churkin falou esta semana à imprensa, expôs amargas críticas à crescente manipulação do órgão mais poderoso da Organização das Nações Unidas (ONU), seu Conselho de Segurança formado por 15 membros. Em referência a vários países ocidentais, especialmente, Estados Unidos, França e Grã-Bretanha, Churkin disse que “as palavras perderam seu significado”.

Quando o Conselho adotou, em 17 de março, a resolução 1973, sobre “uma área de exclusão de voos” no espaço aéreo da Líbia, se tratava de neutralizar a força aérea desse país e impedir que bombardeasse manifestantes civis. Ao acusar as forças militares da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) de excederem seu mandato, Churkin acrescentou que, nos velhos tempos, “zona de exclusão de voos significava que ninguém podia voar”.

“No audaz novo mundo, exclusão aérea significa bombardeio irresponsável de alvos que alguém escolhe como bem lhe convém, incluindo emissoras de televisão”, disse o diplomata. “Nos causa grande preocupação ver a enorme habilidade de alguns de nossos colegas para interpretar as resoluções”, de modo a se adaptarem aos seus próprios interesses.

“Não foi um bom dia para a diplomacia, nem para trabalhar no Conselho de Segurança”, disse Churkin, que este mês exerce a presidência rotativa do órgão. Depois de outra reunião na semana passada, Churkin queixou-se de que lhe “aplicaram todas as artimanhas, em uma tentativa de estrangular o presidente do Conselho de Segurança”. Entretanto, as acusações contra três dos cinco membros do Conselho que têm poder de veto (Estados Unidos, França e Grã-Bretanha) também podem ser aplicadas aos outros dois, China e Rússia.

Em resposta às suas prioridades e aos seus interesses políticos, econômicos e militares em todo o mundo, os “cinco grandes” mantêm congelada a capacidade de ação do máximo órgão de segurança internacional em assuntos graves que acontecem no Bahrein, Iêmen e Israel (protegidos pelas três potências ocidentais), e na Síria e no Irã (apoiados por China e Rússia).

Chris Toensing, editor da publicação Middle East Report, com sede em Washington, disse à IPS que as críticas de Churkin não podem ser levadas ao pé da letra, à luz dos estreitos interesses que orientaram a conduta da Rússia este ano no Conselho. “Não esqueço o escândalo russo pela Líbia. Robert Gates (ex-secretário da Defesa dos Estados Unidos) disse com todas as letras, bem antes de ser votada a resolução 1.973: a exclusão aérea será seguida de intensos bombardeios”, afirmou.

A decisão de Moscou e Pequim de se absterem de votar a resolução representou o sacrifício de um regime com o qual tinham mínimos laços. “Quando os vínculos são significativos, como com a Síria, eles se entrincheiram. Naturalmente, os Estados Unidos tratam o Conselho de Segurança com o mesmo critério utilitário”, acrescentou Toensing, que também é diretor-executivo do Middle East Research and Information Project (Projeto de Informação e Pesquisa sobre o Oriente Médio).

Para James A. Paul, diretor-executivo do Global Policy Forum, com sede em Nova York, o Conselho é um órgão político que atua de maneira despótica. Tem 15 membros, entre eles os cinco permanentes, mas na realidade é conduzido pelo que Paul chama de P3, o triunvirato formado por Estados Unidos, França e Grã-Bretanha. Estes três países redigiram a grande maioria das resoluções e determinam o funcionamento do Conselho em todos os aspectos, acrescentou Paul, que acompanha de perto e diariamente os trabalhos desse organismo.

Paul disse à IPS que o mais importante é que esse triunvirato conta com apoio mais ou menos automático de pelo menos seis dos dez membros eleitos, o que significa que têm assegurado um bloco de votos que lhe permite levar adiante quase qualquer resolução. Mediante pressões e pactos recíprocos, o triunvirato consegue comumente levar para sua órbita a totalidade dos membros, inclusive China e Rússia. “Essa dominação do P3 é cada vez mais anômala, se for considerado o minguante poder mundial desses Estados, embora sua hegemonia no Conselho continue sólida”, ressaltou Paul.

O professor de política e estudos internacionais Stephen Zunes, da Universidade de São Francisco, nos Estados Unidos, disse à IPS que o Conselho sempre foi manipulado pelas prerrogativas dos cinco países com poder de veto. Os “cinco grandes” costumam permitir a adoção de resoluções críticas sobre seus aliados, mas asseguram que estas se enquadrem no capítulo sexto da Carta das Nações Unidas (acordo pacífico das controvérsias) e não no sétimo (ação em caso de ameaças à paz, quebra da paz ou atos de agressão).

“Durante décadas, os Estados Unidos e seus aliados apoiavam ou se abstinham em resoluções contra Indonésia, Marrocos ou Israel sobre suas conquistas territoriais, por exemplo, mas assegurando que não fossem executadas mediante sanções ou outras medidas”, disse Zunes. A maior mudança dos últimos tempos é que os “cinco grandes” se tornaram mais inclinados a vetar tais resoluções, impedir que cheguem à instância de votação ou insistir em moderá-las até torná-las inúteis, acrescentou Zunes, que escreve intensamente sobre a política do Conselho de Segurança.

Uma amostra. Na década de 1970, os Estados Unidos se abstiveram ou votaram a favor de quatro resoluções que se referiam à ilegalidade das colônias israelenses em territórios palestinos ocupados e reclamavam seu desmantelamento. Em fevereiro deste ano, Washington vetou uma resolução que reiterava essa ilegalidade e pedia simplesmente a Israel que congelasse a construção de novos assentamentos.

“Lamentavelmente, esta tendência vai aumentar devido à decisão da Otan de ir muito além de seu mandato dado pela resolução do Conselho, sobre a exclusão aérea para proteger os civis líbios, para converter-se em verdadeira força aérea dos rebeldes líbios”, afirmou Zunes. Essa conduta ajudou, sem dúvida, a disposição chinesa e russa de bloquear inclusive iniciativas razoáveis do Conselho, com as últimas propostas sobre a Síria, acrescentou.

Paul declarou à IPS que, em 2011, se distinguiu um interessante grupo de membros não permanentes – especialmente Brasil, Índia e África do Sul –, que trouxe certo espírito de independência. “Nem sempre aceitaram alinhar-se ao P3” e preferiram políticas alternativas, sobretudo o uso da mediação e da negociação em lugar da força, afirmou. “São Estados fortes o suficiente para suportarem a pressão e contam com sistemas políticos firmes e democráticos, que não replicam simplesmente o pensamento ocidental nem seguem seus interesses”, ressaltou Paul.

Críticos ocidentais alegam atualmente que o Conselho de Segurança está bloqueado por sabotadores, que o impedem de adotar ações humanitárias urgentes em lugares como a Síria, onde a repressão governamental a um movimento insurrecional causou mais de cinco mil mortes. Contudo, esta visão é equivocada, segundo Paul. As evidências indicam com muita clareza que as potências ocidentais não atuam motivadas pelos direitos humanos ou por razões humanitárias, afirmou.

Os bloqueios refletem a insistência do triunvirato em seguir – em um mundo mutante – seu próprio rumo de colisão contra todo alinhamento de potências novas e emergentes. “Isto nos recorda que o Conselho de Segurança está muito necessitado de uma reforma entre seus membros, se deseja ter um papel criativo para a paz e para refletir melhor o mundo que está emergindo, e que não é o mesmo de 1945”, alertou Paul. Envolverde/IPS