Carachi, Paquistão, 17/1/2012 – Vistos de longe, os contêineres vermelhos, azuis e laranja, cuidadosamente empilhados sugerem que os negócios são bons no porto de Kemari, na cidade paquistanesa de Carachi. O problema é que não se movem. O encarregado do porto afirmou que a carga pertence às Forças Armadas dos Estados Unidos e suas destinatárias são a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e a Força Internacional de Assistência para a Segurança (Isaf) que atuam no Afeganistão.
Estes bens “em trânsito para o Afeganistão” estão parados no porto desde 27 de novembro, depois que o Paquistão cortou a linha de fornecimento. Fez isso em protesto contra o ataque aéreo a dois postos de controle paquistaneses que, no dia 26 de novembro, matou 24 soldados. Segundo fontes portuárias e de empresas de navegação, cerca de dois mil contêineres estão parados no porto de Qasim, em Carachi, e o mesmo ocorre em outros 1.700 e com uma quantidade semelhante de veículos militares norte-americanos em Kemari.
Até agora, a questão está em ponto morto. Qualquer reinício implicará um preço e uma desculpa formal. Washington nega-se a se desculpar pelo ataque. Uma investigação do Pentágono culpou as duas partes pelas falhas nas comunicações. As conclusões foram rejeitadas pelo Paquistão, que avalia seus “termos de compromisso” com os Estados Unidos e se deve reabrir a linha de fornecimento.
Após cinco semanas parados nos postos de controle na localidade de Chaman, limítrofe com o Afeganistão, centenas de caminhões carregados de suprimentos destinados à Otan e tanques com combustíveis estão retornando a Carachi. Não tiveram autorização para descarregar ou continuar para a fronteira. O Paquistão não parece ter pressa para reabrir a rota.
Os funcionários dos Estados Unidos e da Otan no Afeganistão parecem estar desesperados. Embora a Rede Norte de Distribuição através da Rússia seja uma opção, qualquer bloqueio ali pode significar uma alteração importante para as operações da Otan. E também pode implicar um possível isolamento das forças norte-americanas. Washington e a Otan abriram caminho pelo Paquistão, segundo o analista de temas de defesa Ikram Sehgal. Ele acredita que as rotas serão abertas “em questão de dias”.
O ministro da Defesa, Chaudhry Ahmad Mukhtar, sugeriu que o governo considera abrir a linha de fornecimento e cobrar dos caminhões. “Se o fornecimento recomeçar, não será gratuito”, disse à imprensa. Esse transporte terá um preço porque as estradas estão danificadas por três mil contêineres que passam por elas todos os dias, acrescentou o ministro. “Cobraremos da Otan e repararemos nossas estradas a partir desses impostos”, declarou. Até agora o Paquistão não cobra nenhum direito de trânsito da Otan. Este é um bom momento para fazer isto, afirmou Mukhtar.
Enquanto isso, o Comitê Parlamentar de Segurança Nacional, integrado por legisladores do partido governante, a oposição e partidos políticos religiosos, finalizou uma lista de recomendações para os “novos termos de compromisso”. Está previsto que logo apresente seu projeto ao primeiro-ministro, que em seguida convocará uma sessão conjunta para sua aprovação.
“Colhemos subsídios de várias instituições, como os Ministérios de Finanças, Defesa e Relações Exteriores”, disse à IPS Haider Abbas Rizvi, integrante do comitê e pertencente ao Movimento Muttahida Qaumi. “Também tivemos colaborações do exército e de suas agências de inteligência que nos ajudaram com as recomendações”, prosseguiu. “O objetivo de nossas sessões para apresentação de ideias no último mês foi pôr fim ao abuso e mau uso da soberania do Paquistão. Não toleraremos ataques unilaterais contra o Paquistão de fora e nem de dentro”, acrescentou Rizvi.
Entretanto, o Conselho de Defesa do Paquistão, uma aliança de 40 partidos político-religiosos, ameaçou opor-se a toda tentativa do governo de reabrir a linha de fornecimento para a Otan sob a fachada das recomendações do Comitê, porque isso equivaleria a atrair “ataques e terrorismo contra o Paquistão”. Em uma reunião realizada na semana passada na cidade de Lahore, o Conselho de Defesa pediu urgência ao governo para abandonar a “guerra contra o terrorismo”, e ameaçou com um movimento nacional contra “o terrorismo dos Estados Unidos no Paquistão”.
Descrevendo o bloqueio como um passo na direção certa, Maulana Atta-ur-Rehman, do partido Jamat-e-Islami, disse à IPS que “é melhor se os suprimentos da Otan continuarem cercados”. Para ele, a sensibilidade das massas foi profundamente ferida, por isso não apoiarão nenhuma reabertura. “Sairão às ruas”, afirmou. Os líderes religiosos afirmam que o terrorismo em solo paquistanês cessou depois que o país se afastou dos Estados Unidos e da Otan. A aliança aconselhou o governo a impulsionar seus laços com a China e o mundo muçulmano.
Enquanto isso, no porto surgem disputas sobre a capacidade de manter as cargas armazenadas. Um empregado portuário disse à IPS (pedindo para não ser identificado) que descartava as notícias da imprensa de que isso ocupa um importante espaço nesse terminal.
“A situação não é tão alarmante quanto dizem. Temos espaço suficiente para armazenar 200 milhões de contêineres em nossos portos, e os suprimentos para Otan e Isaf ocupam apenas 5% do espaço disponível. Uma porcentagem tão pequena não pode congestionar nossos portos”, afirmou a fonte. Contudo, se essa carga continuar no lugar nos próximos seis meses, e continuar chegando mercadorias, será preciso encontrar espaço fora do porto, acrescentou.
Até 2009, quase 70% dos fornecimentos enviados aos 140 mil soldados da Isaf seguiam via Carachi e chegavam a Kandahar através da Khyber Pass. Depois que, naquele ano, aumentaram os ataques contra os caminhões da Otan, esta abriu a rota do norte. Agora, “apenas entre 25% a 30% das mercadorias passam pelo Paquistão”, disse o diretor de uma linha de navegação em Carachi. O Carachi Port Trust, que cobra US$ 15 diários pelo espaço ocupado por cada contêiner, não parece apressado em vê-los partir.
O bloqueio é o mais longo desde o começo da guerra afegã em 2001. O Paquistão já havia fechado antes, parcialmente, as rotas de abastecimento. Em particular, durante 11 dias depois que os ataques transfronteiriços da Otan mataram, em setembro de 2010, três soldados desse país, e depois, em abril de 2011, quando milhares se manifestaram contra os ataques teledirigidos lançados pelos Estados Unidos e por seus aliados. Envolverde/IPS