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Contrabandistas devassem biodiversidade do Golfo de Mannar

Algas marinhas próximas da costa do Parque Marinho do Golfo de Mannar. Foto: Malini Shankar/IPS

Rameshwaram, Índia, 8/5/2012 – Funcionários florestais da Reserva da Biosfera Marinha do Golfo de Mannar, localizado entre Índia e Sri Lanka, informam uma redução na biodiversidade marinha, enquanto contrabandistas se lançam sobre espécies protegidas. A ação predatória, que se aproveita de leis de conservação na região, busca espécies utilizadas em gastronomia e em medicinas tradicionais chinesas. Em coordenação com a Guarda Costeira indiana, funcionários florestais registraram mais de 200 casos de contrabando, equivalentes à perda de 13 mil quilos de pepinos do mar (Holothuria scabra) e cavalo marinho (Hippocampus), apenas nos últimos 16 meses.

Os traficantes de biodiversidade marinha na Índia vendem o que capturam em países vizinhos, como Sri Lanka e Bangladesh, onde as espécies ameaçadas se convertem em exportações marinhas legais para outras nações do sudeste asiático, devido às isenções previstas na Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas de Fauna e Flora Silvestres (Cites). “O cavalo marinho encontrado no Parque Nacional Marinho do Golfo de Mannar é um dos cinco mais raros”, informou à IPS Shekhar Kumar Niraj, da Reserva da Biosfera Marinha.

Em 2001, a rígida Lei de Proteção da Natureza da Índia listou os pepinos do mar e os cavalos marinhos entre os mais ameaçados, fazendo os funcionários florestais legalmente responsáveis por sua proteção. Quase ao mesmo tempo, explodiram os mercados de medicina tradicional chinesa. O Parque Nacional, que é parte da Reserva da Biosfera Marinha, é uma reserva submarina formada pela faixa de terra que antes ligou a Índia ao Sri Lanka. A península separa o estreito de Palk, no norte, do Golfo de Mannar, no sul.

O frágil ecossistema de arrecife é plano e constitui habitat de corais, caranguejos, peixes-palhaços, golfinhos, botos, camarões, dourados, pepinos do mar, cavalos marinhos, serpentes marinhas, tartarugas, baleias e muitas outras espécies marinhas endêmicas atualmente ameaçadas. A diversidade marinha inclui quatro espécies de camarão, 106 de caranguejo, 17 de pepinos do mar, 466 de moluscos, 108 de esponjas e cem de estrela do mar. No Golfo de Mannar há mais de duas mil variedades de peixes de barbatana, e as algas marinhas também são claramente visíveis em suas águas rasas.

O Prosopsis jujuba, um arbusto endêmico de zonas áridas, “surpreendentemente domina mangues e marismas, o que justifica amplamente a proteção dada ao Parque Nacional Marinho”, destacou à IPS o guardião da biodiversidade da reserva submarina, Sunar Kumar. O conservador-adjunto de florestas para a Reserva Marinha, T. Rajendran, denunciou à IPS que Rameshwaram, Mandapam e Tuticorin são três focos de crimes ligados à biodiversidade marinha e que todos se localizam em torno da costa indiana do Parque.

Para os bens contrabandeados “não há consumo ou mercados locais. Só ganham os intermediários. Estes estão vinculados com as organizações mafiosas internacionais”, acrescentou Niraj. Esses intermediários compram os pepinos do mar dos pescadores, por cerca de US$ 50 o quilo, e os vendem a US$ 307 o quilo, lucrando 600%. “Os pepinos do mar têm papel ecologicamente significativo, ao cavar em costas e leitos marinhos, o que ajuda outras espécies, como os corais e as algas marinhas, a florescerem e se propagarem”, explicou Niraj.

K. David, pescador tradicional de Rameshwaram, contou que “só os donos de barcos dedicados à pesca de arrasto capturam furtivamente pepinos do mar”, o que é um duplo castigo para os que pescam como ele. Por um lado, as existências se esgotam e os preços do combustível aumentam. Por outro, os pescadores tradicionais se convertem em suspeitos para as agências que aplicam a lei. Niraj não acredita que os que praticam a pesca de arrasto sejam os únicos contrabandistas envolvidos, apontando estatísticas de blitze recentes que mostram que os pescadores tradicionais também traficam pepinos e cavalos marinhos.

David está convencido de que a pesca tradicional chegará ao fim quando sua geração tiver morrido, já que as crianças como Vishal Selvan, de dez anos, e Alan, de 11, querem ser capitão da marinha mercante e funcionário do Serviço Administrativo indiano, respectivamente. Para impedir que os pescadores tradicionais se envolvam com contrabandistas, por estarem economicamente desesperados, foram implantados programas de emprego para garantir seu sustento.

Entre as alternativas de sustento alternativo do Fundo para o Meio Ambiente Mundial (GEF) e do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), por meio da Fundação para a Reserva da Biosfera Marinha do Golfo de Mannar, estão a elaboração de esteiras e telhados de palha, engorda de peixe palhaço, criação de cabras e cultivo de jasmim, contou à IPS o especialista V. Deepak Samuel, da Unidade de Energia e Meio Ambiente do Pnuma-GEF.

“Ainda não somos capazes de rastrear a rota dos bens contrabandeados e dos vínculos além do Sri Lanka, para os mercados do Oriente distante, principalmente porque depois que chegam ao Sri Lanka se convertem em exportações legais, bloqueando mais nossas investigações”, explicou um inspetor de crimes de biodiversidade que pediu para não ser identificado.

Patrulhar o mar é todo um desafio, devido à pouca capacidade logística das agências de aplicação da lei. Liderada por Rajendran, toda operação de patrulhamento inclui quatro funcionários florestais, 22 silvicultores, 11 guardas, dois observadores e 33 vigilantes contra capturas ilegais, que dividem seis jipes, seis equipamentos de comunicação sem fios, duas estações de base e oito botes de patrulha mecanizados, entre outros implementos, para controlar uma área de 10.500 quilômetros quadrados.

“A oposição à proteção da biodiversidade marinha procede inclusive de entidades oficiais, como o Instituto Central de Pesquisa sobre Pesca Marinha, a Autoridade para o Desenvolvimento das Exportações de Produtos Marinhos e o Instituto Nacional de Oceanografia, tudo em nome dos meios de sustento”, enfatizou Niraj. Tão grande é a captura ilegal de pepinos do mar, mesmo nas águas que circundam as ilhas Andamán e Nicobar, que os nativos praticamente não os veem mais. Envolverde/IPS

* Malini Shankar é repórter fotográfico e cineasta especializado em biodiversidade, radicado em Bangalore, Índia.