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Cooperação internacional na corda bamba

Havana, Cuba, 16/3/2012 – A excessiva demora do governo de Cuba na avaliação de projetos de colaboração internacional, para determinar se estes se ajustam ao plano diretor da economia, mantém na incerteza cooperantes, obrigados, às vezes, a devolver fundos aos doadores por causa do vencimento dos prazos de execução. “Se perde muito dinheiro por mera burocracia”, denunciou à IPS um economista que pediu para não ser identificado. Em conversa com a IPS, representantes de várias organizações não governamentais (ONG) estabelecidas em Cuba coincidiram que o mais grave é que muitos são programas relacionados à segurança alimentar.

“Vivemos há três anos em um impasse no qual não sabemos exatamente qual é o papel, nem a função que será destinada à cooperação”, explicou Pepe Murillo, da Fundação Mundubat, uma ONG espanhola que trabalha em Cuba desde 1996, nos setores agropecuários e do habitat. Um projeto dessa ONG e do Japão para melhorar os sistemas de fornecimento de água potável e de saneamento no município de Ilha da Juventude, beneficia, desde 2011, quase 80 mil habitantes da área urbana e do entorno rural de Nueva Gerona, sua capital.

Dentro do processo que o governo cubano chama de “atualização” do modelo econômico, todas as ações de cooperação internacional das quais o país é receptor devem estar incluídas no “plano da economia nacional”, a fim de garantir a “integração das mesmas” com o planejamento do Estado. Nas Diretrizes da política econômica e social do partido e da revolução, o mapa das mudanças para modernizar a economia cubana, também se considera necessário “aperfeiçoar e complementar o contexto legal e regulatório”, tanto para a cooperação que o país concede quanto para a que recebe.

Até agora, a ajuda internacional está regulada pela Resolução 50 de 2008, que modificou a Resolução 15 de 2006, sobre as “normas para a colaboração econômica que Cuba recebe”. Estas regras tendem, antes de tudo, a estabelecer as obrigações e os deveres das organizações cooperantes. Em 2009, o Ministério de Investimento Estrangeiro e Colaboração Econômica se fundiu com o de Comércio Exterior, que desde então responde pelo setor.

Para algumas ONGs que atuam no país foi como voltar ao início, com novos especialistas, outros métodos de trabalho e concepções diferentes. “Ficou em um mesmo saco, as relações comerciais e a colaboração das organizações da sociedade civil da União Europeia ou de outros países que aqui estão, com uma vontade de solidariedade que nada tem a ver com o comércio exterior”, afirmou Eva Fernández, da organização Acsur Las Segovias, com sede na Espanha.

Desde então, o plano econômico se converteu em uma camisa de força que impede o avanço dos projetos no tempo necessário. Estes precisam primeiro ter aprovação do Comércio Exterior e depois do Ministério de Economia e Planejamento, dentro de um processo muito lento e complicado. “Temos projetos que esperam há dois anos uma determinação quanto a serem, ou não, incluídos no plano da economia”, afirmou Paola Larghi, do Comitê Internacional para o Desenvolvimento dos Povos, uma ONG europeia com sede na Itália, que trabalha há 20 anos em Cuba.

Em sua opinião, falta clareza e transparência no processo, cuja excessiva demora na tomada de decisões afeta muitíssimo as ONGs com relação aos doadores e ao seu próprio planejamento. “Estão sendo devolvidos fundos da cooperação por projetos que não puderam ser executados por esse motivo”, destacou Murillo. Para Elio Perón, consultor do Hivos, o holandês Instituto Humanista de Cooperação para o Desenvolvimento, a filosofia de incluir os projetos de ajuda no plano da economia objetiva melhorar a eficiência.

“Essa é a Bíblia, cheia de boas intenções”, afirmou Perón, acrescentando que o problema é fruto das mudanças administrativas que o país tenta introduzir, e que “infelizmente” ainda não encontraram o melhor canal. “A questão está em colocar em prática as novas concepções, porque, a meu ver, não se trata de uma posição política, mas de um problema administrativo”, ressaltou. Neste ponto, os representantes das ONGs coincidem que a visão política que existiu em relação a eles na década de 1990 foi substituída na atualidade por uma “visão tecnocrática e burocrática”, que tem particular impacto em projetos relacionados com a produção de alimentos.

“Esse setor que o governo de Raúl Castro colocou como prioridade nacional é o que mais dificuldades passa neste momento. Apontamos esta contradição, mas a resposta dos funcionários é sempre a mesma: se não está nas diretrizes nem no plano de economia não procede”, contou Murillo. Fontes da Delegação da União Europeia (UE) em Havana disseram à IPS que uma dezena de ONGs desse bloco têm atualmente projetos de cooperação em Cuba. Além disso, a UE subvenciona planos executados por “atores não estatais” europeus não necessariamente estabelecidos em Cuba.

As ONGs chegaram a este país nos piores momentos da crise econômica dos anos 1990. A maioria veio não só para colaborar economicamente, mas em demonstração de solidariedade com o povo cubano. “Eram momentos em que se previa a queda do socialismo aqui”, recordou Perón. Na opinião do assessor do Hivos, as autoridades não parecem se dar conta de que ao reduzir a cooperação não governamental estão reduzindo as potencialidades políticas, de solidariedade e influência internacional que ela traz consigo. “O mais inteligente seria dar um apoio especial a estas organizações solidárias com Cuba”, ressaltou. Envolverde/IPS