COP19: “A sensação é que a coisa ainda está devagar”, diz coordenador do Observatório do Clima

As negociações ainda estão incipientes em Varsóvia, segundo Ferretti. Foto: MVI
As negociações ainda estão incipientes em Varsóvia, segundo Ferretti. Foto: MVI

 

A 19ª Conferência das Parte da Convenção do Clima das Nações Unidas (COP-19) começou na segunda-feira, 11 de novembro, em Varsóvia (Polônia), com ecos do relatório do IPCC, de alerta da ONU e do Tufão Haiyan, que deixou um rastro de milhares de mortos nas Filipinas. A expectativa é que até 22 de novembro, quando as negociações serão finalizadas, o mundo finalmente tenha bases mais sólidas para tecer um novo acordo global em 2015, quando está previsto a assinatura de um protocolo na COP-21, em Paris.

O coordenador geral do Observatório do Clima, André Ferretti, também coordenador de Estratégias da Conservação da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, está acompanhando de perto as negociações do clima em Varsóvia e, em entrevista exclusiva ao EcoD, conta um pouco do que está vendo por lá. Confira:

Portal EcoD: Como está o clima dentro da COP-19?

André Ferretti: Ainda estamos no final da primeira semana e até o momento as discussões se dão muito em grupos de trabalhos específicos. Quem não está envolvido diretamente acaba vendo pouca coisa. A sensação de quem anda pelos corredores é que a coisa está muito devagar. A gente vê muito menos movimento do que em COPs anteriores. Você anda em Varsóvia e não vê nada em relação a COP, o que não é comum, porque geralmente as cidades ficam muito envolvidas. Mas aqui parece que não tem nada acontecendo, até mesmo no aeroporto não tem nada.

E como andam as expectativas em relação às negociações?

A expectativa é que na próxima semana, quando chegarem os ministros para votarem, espero que evoluam em alguns pontos. Mas não se espera nenhuma grande decisão. Tudo que está acontecendo aqui deve contribuir para um novo acordo global do clima que espera-se ser firmado em 2015, durante a COP-21 em Paris. Então, a expectativa maior é que se consiga avançar nas discussões que estão sendo travadas há algum tempo.

As Conferências das Partes (COPs) são reuniões periódicas que ocorrem desde os anos 90, representando o órgão supremo decisório no âmbito da Convenção do Clima, da Organização das Nações Unidas (ONU). A Convenção é parte de um tratado originado na ECO-92, com o objetivo de reunir países, chamados de ‘partes’, para discutir e implementar ações de diminuição da emissão de Gases do Efeito Estufa (GEEs), responsáveis pelo agravamento das mudanças climáticas.

Aqui, no Brasil, o discurso emocionado do negociador filipino teve uma boa repercussão. Temos notícias inclusive que diversos ativistas acompanharam ele em sua greve de fome, para agilizar o andamento da tomada de ação. E, por aí, o Tufão Haiyan teve alguma influência nas negociações?

Isso chamou atenção logo na cerimônia de abertura. Somente algumas pessoas podiam participar da cerimônia, mas ela foi transmitida por diversos telões ao longo da COP. Então, as pessoas aplaudiram, se emocionaram também… aquele foi o grande assunto do dia, e da COP até o momento. Na quarta-feira também houve uma adesão de pessoas à greve de fome.

Mas, sinceramente, infelizmente, não achamos que esse vai ter alguma influência sobre as negociações. Pode até ser que sensibilize as organizações da sociedade civil, as empresas, que estão por aqui. Mas não os negociadores. A maioria deles está envolvida nessas negociações há anos e esse tipo de coisa sempre vem acontecendo.

Ano passado, o mesmo negociador das Filipinas chorou porque o país também tinha passado por um tufão às vésperas da COP. Esse ano ele falou: “Olha, ano passado aconteceu isso, agora está acontecendo de novo. A delegação das Filipinas não quer nem mais vim para a COP, parece que está dando azar”. Enfim, aqui a gente não ouve mais falar sobre isso entre os negociadores.

André Ferretti já é "veterano" de COPs. Foto: Gisele Koprowiski/Fundação Boticário
André Ferretti já é “veterano” de COPs. Foto: Gisele Koprowiski/Fundação Boticário

E quanto à delegação brasileira?

O que está causando alvoroço agora, entre os negociadores brasileiros, é o anúncio do aumento de 28% do desmatamento da Amazônia que a ministra Izabela Teixeira acabou de fazer em Brasília [Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) divulgados nesta quinta-feira (14) apontaram o desmatamento de 5.843 km², uma área que corresponde a quatro municípios de São Paulo].

Isso está chegando aqui agora e está todo mundo alvoraçado com essa informação. O Brasil nas últimas COPs vinha mostrando que a partir de ações domésticas era possível reduzir em muito o desmatamento. E justamente na área que o Brasil vinha mostrando mais avanços – o ano passado foi a menor taxa registrada – surge essa notícia no meio da COP.

De certa forma, isso acumula com o fato do Brasil ter feito o primeiro leilão do Pré-Sal. Isso tem sido discutido por aí?

Ah é. Não tem sido discutido por aqui, mas a gente sabe que o Pré-sal é sinônimo de emissões futuras. As emissões brasileiras vão aumentar muito. Inclusive, na quinta-feira passada, o Observatório do Clima mostrou que de 1990 para cá as emissões brasileiras têm crescido em todos os principais setores, menos no desmatamento.

Mas, por exemplo, no setor de energia, as emissões brasileiras cresceram 126% desde 1990, e sabemos que 2013 também vão aumentar – pelas grandes secas que prejudicaram o abastecimento por hidrelétricas e ativaram termoelétricas. É uma tendência que infelizmente está se apresentando para os próximos anos. No Plano Decenal de Energia (2012-2022), há a previsão de que 72% dos investimentos em energia no Brasil serão para combustíveis fósseis.

* Publicado originalmente no site EcoD.