A Copa do povo, agora e depois

Ao unir Copa e a justa exigência dos seus direitos, o povo brasileiro revelará que sabe exercer sua cidadani

1No mundo inteiro, as pessoas querem entender por ­que o Brasil, que sempre foi considerado o país do futebol, está dividido sobre esse assunto. A forma como o gover­no brasileiro e a Fifa se comportaram na preparação des­se Mundial de Futebol não levou em conta o necessário diálogo com a população, nem a realidade de nossas ci­dades. Mesmo quem não acompanhou todas as discus­sões sobre o evento, se solidariza com as comunidades pobres que, nas várias capitais, sofreram desapropria­ções forçadas e injustiças cometidas pelo poderio econô­mico que se apossou do processo preparatório da Copa.

Para a maioria da população, ficou a imagem de que o governo entregou o Brasil à Fifa, cuja coordenação não parece primar por ética e menos ainda por sensibilida­de social. A consequência disso é que, provavelmente, o encanto que o povo brasileiro sempre manifestou para com a Copa do mundo, e principalmente quando a sele­ção brasileira está em campo, não apareça nessa copa, do mesmo modo como antes. No entanto, certamente, have­rá a Copa da Fifa e a Copa do povo.

Sobre a Copa da Fifa, certamente vão continuar as dis­cussões sobre a necessidade de construir arenas gigan­tescas e caríssimas em cidades que não têm times nem de terceira divisão. Também a população tem direito de exigir que as obras urbanas, preparadas para a Copa, se­jam não apenas maquiagem e sim soluções reais para o transporte urbano e para a humanização de nossas cida­des. No entanto, o povo se apossará da Copa e fará de­la um ensaio para um mundo mais irmanado e pacífico.

A Copa do Mundo e o amor ao futebol são valores in­questionáveis. Assim como, nem por sonho, deixaremos de acolher bem os turistas e todas as equipes que vêm participar do evento. O futebol é expressão do encontro de culturas. Leva os povos ao conhecimento uns dos ou­tros e ao entendimento humano. Apesar do seu caráter competitivo e do fato de que envolve tantas emoções, às vezes conflitivas, tudo se passa em torno de uma bola e não de armas ou estratégias militares.

As manifestações racistas que, vez por outra, ainda eco­am nos estádios e os episódios de violência entre torcedo­res são crimes que aviltam e desonram a natureza do es­porte. Pesquisas revelaram: durante a copa de 2010, em todas as grandes cidades, enquanto a seleção brasileira jogava, os crimes e incidentes de violência urbana foram quase inexistentes, como se toda a sociedade celebrasse uma trégua social e se unisse em torno do campeonato.

Há quem ainda pense o futebol como se fosse o corres­pondente moderno do circo romano, espetáculo pensado para a alienação das massas. Alguns meios de comunica­ção tendem a investir nesse caminho.

No entanto, é bom saber: nos anos 1970, no auge da ditadura militar brasileira, a Campanha pela Anistia te­ve seu começo por uma faixa que apareceu no Maracanã, no meio de um jogo entre o Flamengo e Fluminense. Do mesmo modo, no Chile, a ditadura do Pinochet começou a cair a partir de manifestações de torcedores no Estádio Nacional, durante uma partida de futebol.

É claro que, atualmente, o futebol não é mais o mesmo. A Copa da Fifa se tornou um dos mais rendosos negócios do mundo. E os jogadores são vendidos e comprados, co­mo objetos de consumo. Mas, o povo é capaz de manter a consciência crítica e ganhar o jogo para a sua causa. Sem dúvida, a maioria dos brasileiros torcerão por nossa sele­ção e pela vitória do Brasil. Ao unir Copa e a justa exigên­cia dos seus direitos, o povo brasileiro revelará que sabe exercer sua cidadania. Mostraremos aos estrangeiros que o Brasil não é apenas o país do samba e do futebol. Para os brasileiros, essa Copa e seu clima de festa se prolonga­rão. Serão um ensaio de um gol diferente para o Brasil.

Na Semana da Pátria, os movimentos sociais coordenarão uma campanha de assinaturas pedindo um referendo sobre uma nova Constituição soberana que poderá fazer a reforma política e outras reformas estruturais necessárias para um Brasil novo e mais soberano. E aí sim a Copa será do povo e de forma mais profunda. Quem é cristão, se lembrará de uma palavra do apóstolo Paulo: “os jogadores lutam por uma copa perecível. Nós lutamos por uma copa que não passa” (1 Cor 9, 24- 25).

* Marcelo Barros é monge beneditino em Goiás e escritor. Tem 45 livros publicados, dos quais o mais recente é Boa Notícia para todo mundo (Conversa com o Evangelho de Lucas), Ed. FASE, Recife.

** Publicado originalmente no site Brasil de Fato.