Roma, Itália, 24/10/2013 – Quando a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) lançou, em 2006, seu programa Segurança Alimentar por Meio da Comercialização da Agricultura (FSCA), tentou adotar um enfoque diferente dos esforços que se centravam principalmente na produção de alimentos. Esse programa apostou na comercialização dos produtos de pequenos agricultores, pois verificou-se que ali havia uma brecha no ciclo da segurança alimentar.
No entanto, agora o futuro do FSCA está em risco devido a cortes orçamentários, ainda que a FAO e a Cooperação Italiana para o Desenvolvimento, seu principal doador, apresentem seus êxitos. “Se queremos vencer a fome, não basta aumentar a produção para enfrentar os desafios de um mercado alimentar globalizado”, argumentou Maria Helena Semedo, diretora-geral adjunta da FAO para Recursos Naturais, em uma reunião paralela do programa, realizada no dia 14 deste mês, em Roma, durante a Semana Mundial da Alimentação.
O FSCA busca centrar-se na pequena produção e melhorar o acesso ao mercado para a agricultura familiar. A política é trabalhar na cadeia de valor capacitando e aperfeiçoando a irrigação, a tecnologia para processar os alimentos, as embalagens e o marketing, para que os pequenos produtores tenham melhores preços por seus cultivos nos mercados locais, nacionais e inclusive internacionais.
“Centrar-se na cadeia de valor é o que faz o sucesso desse programa”, afirmou Giampaolo Cantini, diretor-geral da Cooperação Italiana para o Desenvolvimento. A Itália entregou US$ 100 milhões a um fundo fiduciário para a segurança alimentar, e metade dessa quantia foi destinada ao FSCA. “Estamos discutindo o financiamento futuro” com a FAO, explicou à IPS.
“O que é um fato é que a Itália continuará comprometida com o apoio aos pequenos agricultores e que também incluirá esse assunto na agenda de sua presidência de seis meses da União Europeia, na segunda metade do próximo ano”. Os países de cada uma das quatro regiões que participam do FSCA – América Central, África oriental, África ocidental e Caribe – adaptaram o programa às suas necessidades.
Mousa Djagoudi, do escritório sub-regional da FAO para a África ocidental, explicou em um discurso que em Serra Leoa o dinheiro foi usado para construir 30 centros de agronegócios, a fim de melhorar a qualidade e reduzir a perda de alimentos, em alguns casos em 40%. “O programa melhorou a transferência de tecnologia para os pequenos produtores, e mudou sua maneira de entender a agricultura. Agora entendem que cultivar é negócio”, disse Djagoudi, lembrando que comunidades e organizações de agricultores participaram de todo o processo, desde o plano de negócios até a parte de mercado.
De modo semelhante, em Dominica membros da Associação de Produtores de Piña de Nature Island fazem parte da implantação regional do FSCA no Caribe. Winston Magloire, alto funcionário técnico do Ministério da Agricultura e Silvicultura, declarou à IPS que, graças ao programa, “os pequenos produtores puderam competir com grandes atores do mercado” e atender os requisitos de qualidade dos consumidores. Isso é importante porque “melhor qualidade pode ser o primeiro passo para superar as restrições de segurança impostas pelos mercados mais ricos”, afirmou.
Enquanto exportar para mercados de regiões ricas é um objetivo para alguns agricultores locais, na região dos Grandes Lagos da África a ênfase foi dada em projetos transfronteiriços e demandas locais, pelo menos para alguns produtos. Bright Rwamirama, ministro da Agricultura de Uganda, disse que mais de 15 mil famílias rurais se beneficiaram diretamente de projetos do FSCA em seu país, Ruanda, Burundi e República Democrática do Congo.
Alguns projetos foram desenhados para os mercados locais, como no caso do destinado à produção de mel, que “atendeu uma demanda local não aproveitada”. Outros, dedicados ao abacaxi e à manga, se internacionalizaram quando uma empresa de frutas privada os comprou. Na América Central, o FSCA é o eixo do programa Agrocadeias Alimentares, implementado pelo Ministério de Agricultura de El Salvador.
Segundo Jorge Alberto Salinas Rodríguez, diretor do Escritório de Planejamento e Políticas Públicas nessa pasta, mais de 600 produtores locais participaram do programa, que ajudou a reduzir as perdas de alimentos “de 20% para cerca de 8% das colheitas”. Já a renda dos produtores de jocote e loroco (cultivos locais) aumentaram 50%, e dos produtores de banana 80%.
Edwin Cortez, diretor da Funprocoop, de El Salvador, uma cooperativa de agricultores pertencente à organização Via Camponesa, faz uma avaliação diferente e mais ampla. “Esse programa foi positivo porque reduziu um pouco o estado de abandono que experimentavam os pequenos produtores, mas não é suficiente para abordar as causas estruturais da pobreza rural”, ressaltou à IPS.
Apesar de Cortez admitir que foram distribuídas sementes de milho e feijão entre os pequenos agricultores, quebrando o padrão de patrocínio político do passado e desafiando as grandes empresas, também destacou que “esses passos se dissociaram de uma perspectiva estratégica de preservação do solo e incentivaram o uso de produtos químicos em lugar de métodos mais verdes de manejo do solo.”
Além disso, “as medidas para aumentar as cadeias de valor agregado, os insumos tecnológicos e a ação de mercado foram muito frágeis, e seu impacto no setor quase insignificante”, acrescentou Cortez. Porém, em um país onde a produção rural cai há anos, “todo pequeno esforço é bem-vindo”, ressaltou. Envolverde/IPS