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Corrupção afunda os indianos na pobreza

 A economia paralela da Índia ampliou as desigualdades. Foto: Ranjit Devraj/IPS

A economia paralela da Índia ampliou as desigualdades. Foto: Ranjit Devraj/IPS

 

Nova Délhi, Índia, 9/10/2913 – Os preços sobem, a rúpia desvaloriza e os olhares na Índia se voltam para a enorme economia paralela, que desvia grandes recursos destinados ao desenvolvimento e os deposita nos bolsos de uma elite corrupta. No dia 30 de setembro, um tribunal especial condenou o dirigente político Lalu Prasad Yadav, cujo partido integra a coalizão governante, pelo desvio de milhões de dólares destinados à compra de forragem enquanto era ministro-chefe do Estado de Bihar, na década de 1990.

A pena é de cinco anos de prisão. Como supera os dois anos, Yadav perderá a cadeira que ocupa no parlamento e não poderá se candidatar nas eleições do próximo ano, segundo decisão do Supremo Tribunal de Justiça anunciada em julho e que o governo tentou revogar mediante um decreto. Contudo, Rahul Gandhi, descendente da dinastia política Nehru-Gandhi e possível primeiro-ministro se o governante Partido do Congresso ganhar novamente em 2014, se opôs abertamente ao decreto, selando o destino político de Yadav e de outros legisladores condenados por corrupção.

“Se queremos combater a corrupção, seja do Partido do Congresso ou do Bharatiya Janata (o principal da oposição), não podemos continuar incorrendo nessas pequenas condescendências. Porque, se o fazemos, transigimos em tudo”, disse Gandhi. A oposição de Gandhi às medidas de seu próprio partido aspiram dar resposta à crescente indignação popular que a corrupção desperta. Seu pai, Rajiv Gandhi, primeiro-ministro entre 1984 e 1989, também criticava os “agentes do poder” do Partido do Congresso, que roubavam fundos destinados ao desenvolvimento.

No entanto, o dinheiro ilícito ou não declarado é impossível de erradicar, pois é a seiva que mantém com vida os partidos políticos da Índia, opinou Ashwini Sharma, professor de economia política mundial na Universidade de Nova Délhi, acadêmico de governança global na Universidade de Londres, e professor-visitante na Universidade de Varsóvia. “Pedir aos partidos políticos que combatam a corrupção é como pedir à raposa para cuidar do galinheiro”, disse à IPS.

Como o dinheiro clandestino está tão arraigado na Índia, é importante avaliar os custos reais que impõe ao corpo político, pontuou Sharma. “Já sabemos que a grande economia paralela torna impossível que as economias elaborem análises precisas e tracem políticas e programas que funcionem”, acrescentou. E, pior, o dinheiro ilícito sai do país pelos canais clandestinos da “hawala”, um sistema informal de transferência de efetivo, segundo Sharma. E se retorna à Índia é apenas para que uns poucos privilegiados levem vidas de luxo.

Sharma atribui, em parte, a desvalorização da rúpia, que caiu 20% frente ao dólar nos últimos quatro meses, à crescente fuga de capitais, típica dos períodos pré-eleitorais. A economia paralela constitui um sistema extragovernamental sustentado por uma falange de operadores, intermediários e guarda-costas que se unem com contadores públicos, policiais e burocratas, explicou Sharma. Para cada um há uma mordida. “A corrupção alimenta a si mesma mediante a constante geração de dinheiro ilícito”, apontou.

Na Índia, ter recursos para luxos depende de uma parte importante da renda vir de dinheiro ilícito obtido com o aproveitamento das oportunidades proporcionadas pela economia paralela. Um estudo, publicado em 2012, concluiu que nesse país são pagos anualmente US$ 70 bilhões em subornos em troca de serviços governamentais comuns e correntes.

Esses subornos funcionam como uma espécie de imposto paralelo, que não chega aos cofres do Estado, indicou à IPS o autor deste estudo, R. Vaidyanathan, professor de finanças no Instituto Indiano de Administração, na cidade de Bangalore. “O sistema está tão bem desenvolvido, que a verdadeira arrecadação é terceirizada mediante agentes privados”, destacou. Por causa desse “sistema fiscal do suborno”, um governo após outro se nega a ampliar a base do imposto sobre a renda para além dos 3% da população, acrescentou.

Segundo Vaidyanathan, “obviamente, não se pode pedir às pessoas que paguem dois tipos de impostos, um formal e outro que alimenta a economia irregular”. Dados do Ministério das Finanças indicam que, no ano fiscal 2011-2012, apenas 30 milhões de pessoas, neste país de 1,2 bilhão de habitantes, pagaram o imposto de renda anual, e 90% pagaram quantias inferiores a US$ 7 mil cada uma.

A expressão política da rejeição popular à corrupção se concretizou no Partido Aam Aadmi, o Partido da Gente Comum, liderado por Arvind Kejriwal, ex-arrecadador de impostos, que promete limpar o sistema e se apresenta como candidato tendo uma vassoura como símbolo. Kejriwal é famoso por promover a transparência. Seus esforços se materializaram na Lei de Direito à Informação, de 2005. Mas os partidos continuam tentando reformar a lei para evitar que ela os alcance. “É uma burla os partidos resistirem à prestação de contas quando deveriam apoiá-la. Isso mostra o quanto dependem da economia paralela”, ressaltou Sharma.

Para Joginder Singh, ex-diretor do Escritório Central de Investigações do Departamento de Polícia, os pobres são as piores vítimas da corrupção, pois não se salvam de desembolsar subornos cada vez que precisam fazer um trâmite em uma repartição pública. “A corrupção é o que mantém a maioria dos indianos na pobreza, apesar de viverem em um país rico em recursos naturais e humanos”, explicou Singh, que defente as iniciativas anticorrupção. “É segredo conhecido que a maioria dos projetos públicos tem uma dimensão de corrupção incorporada”, acrescentou.

Em 2010, a organização Global Financial Integrity, com sede em Washington, estimou que o dinheiro que a Índia havia perdido por fuga de capitais somava cerca de US$ 462 bilhões, e que 68% saíram a partir de 1991, quando o país embarcou em reformas econômicas. Sharma insiste que é vital avaliar a verdadeira dimensão da economia paralela. “O último estudo do Instituto Nacional de Finanças e Políticas Públicas é de 1984, quando o dinheiro ilícito era estimado em 20% do produto interno bruto (PIB). Mas a maioria dos especialistas concorda que agora deve girar em torno de 50% do PIB”, ressaltou. Envolverde/IPS