Corrupção, sucateamento e ameaças de morte, a realidade por dentro da Unir

Greve na Universidade Federal de Rondônia: o início

Em meados de setembro deste ano, alunos da Universidade Federal de Rondônia (Unir) começaram a se mobilizar buscando melhorias nas condições de nossa Universidade. O início, tímido, foi no boca a boca, nas reuniões entre Centros Acadêmicos… Sem exagero, a visão da Universidade Federal de Rondônia (recentemente mostrada em uma reportagem do Fantástico) causa assombro aos desavisados. Não temos instalações elétricas seguras, falta equipamento de combate e prevenção a incêndios, temos dois para-raios radioativos no campus, nossos pontos de ônibus não têm cobertura, o mato é um convite às inúmeras cobras e caranguejeiras que vêm nos visitar nas salas, não temos água para beber ou mesmo lavar as mãos ou dar descarga nos banheiros…

É importante que se diga: a greve não busca melhorias de salário ou não se encontra sob a bandeira de nenhum partido político ou sindicato. Foi um movimento deflagrado no sentido de mudar a situação da Universidade. Não temos professores suficientes, ou salas de aula, ou iluminação, ou segurança… Evidentemente, os professores compartilharam desse ambiente insalubre e digno de filme de terror e acabaram, também, compartilhando do espírito dos alunos de que algo deveria ser feito. Essa luta não era nova. Em 2008, o reitor (o mesmo reitor de hoje), Januário de Oliveira Amaral, assinou um termo de compromisso no qual se comprometia a fornecer estrutura básica para o funcionamento de nossa Universidade (veja neste link cópia do documento). Sendo assim, no dia 14 de setembro de manhã, os professores decidiram em assembleia paralisar suas atividades, e à tarde os alunos também decidiram cruzar os braços.

Há cursos que cancelaram, inclusive, o vestibular, por não ter condições de receber novos alunos! Em outros, 16 turmas fazem rodízio para um espaço onde há apenas seis salas! Como querer que alguém estude ou trabalhe em um local onde no banheiro não há luz, mictório, água para lavar as mãos ou dar descarga, tampouco papel higiênico?! Não… Isto tinha que mudar.

A pauta grevista era, naquele momento, para que o acordo de 2008 fosse cumprido.

Em resposta à pauta grevista, a administração da Universidade disse que as reivindicações por melhorias não fariam sentido, já que a Universidade, por mais que apresentasse problemas, estava bem, obrigado. Segundo a reitoria, 95% da pauta grevista já estava atendida (o documento está disponível no site do DCE da Unir, acima).

Aos poucos, o movimento dos alunos se transformou em um movimento para afastamento da administração atual, por entender que havia uma série de denúncias – em licitações, obras, recursos, fundação de apoio (Fundação Riomar), concursos públicos, etc. – que precisavam ser tiradas a limpo. Ato contínuo, o movimento grevista montou um dossiê de 1.500 páginas onde essas denúncias eram sistematizadas e foi a Brasília, encaminhá-las ao MEC e à Casa Civil da Presidência da República. Isto foi em 17 de outubro, quase um mês após o início da greve.

Na Casa Civil, com todas as letras, ouviram oficiosamente de um assessor que uma vez que a administração atual da Universidade contava com o apoio de um político da executiva nacional do PMDB, base aliada do governo federal no congresso, nada haveria a ser feito.

A governabilidade e as alianças do governo federal eram, afinal, mais importantes que a moralização e a ética no ensino superior, ainda mais em um lugar como Rondônia, onde a mídia não chega… A partir de então, os ânimos começaram a se acirrar…

E começa a violência…

Em 21 de outubro, quatro dias após a reunião com o MEC em Brasília, a Polícia Federal (PF), em uma tentativa desastrada (e desastrosa) de descoupação do prédio da Reitoria, ocupada pelos alunos da instituição desde o dia 5 de outubro, acabou agredindo um deputado federal (Mauro Nazif, PSB-RO), que lá estava tentando negociar, e prendendo um professor, que nada fazia a não ser observar a cena.

A ocupação da reitoria por parte dos alunos se deu de forma pacífica, ao amanhecer… Aproveitando um descuido do guarda que cuidava da segurança do prédio, eles entraram por uma porta lateral. Sua justificativa: salvaguardar os documentos que lá se encontram, pois eles poderiam servir como provas em eventuais investigações sobre as denúncias. O reitor, como forma de pressioná-los a sair, mandou que cortassem a luz e a água do prédio. Mesmo assim eles seguem resistindo… Cheguei a entrar no prédio, após a ocupação dos alunos, e garanto que o prédio está intacto e não sofreu qualquer tipo de vandalismo. Até coleta seletiva os alunos mantêm por lá…

Abaixo alguns vídeos mostrando o momento da prisão do professor Valdir Aparecido, do Departamento de História (campus de Porto Velho), bem como a agressão ao parlamentar.

[youtube width=”640″ height=”360″]https://www.youtube.com/watch?v=xeBQh3BlGaU&feature=player_embedded[/youtube]

[youtube width=”640″ height=”360″]https://www.youtube.com/watch?v=II88f_0Xn_E&feature=player_embedded[/youtube]

[youtube width=”640″ height=”360″]https://www.youtube.com/watch?v=xnj1zx0nW3M&feature=player_embedded[/youtube]

(em 04:32 vê-se claramente o deputado ser agredido pelo policial a golpes de cassetete)

esse link tem uma foto do mesmo momento da prisão, onde se vê, de branco, ao centro, o professor Valdir sendo levado por dois agentes à paisana (um moreno, à esquerda, com uma pistola na mão e outro, à direita, de camisa vermelha, com um cassetete, que daí a alguns segundos seria utilizado para agredir o deputado Nazif, de camisa azul clara, no alto da imagem, à direita). De laranja, no canto esquerdo da foto, um rapaz que se identificou como agente da PF, carregando uma câmera subtraída de um dos professores que teria registrado parte da confusão.

Naquela mesma noite, o professor Valdir foi encaminhado para um presídio comum, onde passou a noite em uma cela. Alguns dias após o ocorrido, um jornalista local foi coagido por policiais federais, por publicar notícias apoiando a greve na Universidade.

… e a violência aumenta

Sim. Isso é Brasil. Sim, isso é Amazônia brasileira. Sim, isso é a forma como os direitos humanos e a educação são tratados onde há omissão do Estado… Mas a coisa piora, justamente pelo fato de a grande mídia não noticiar esses fatos e – talvez como consequência direta disso – de o governo federal ser completamente omisso com esses fatos. Mas a inércia do governo nos tem cobrado um alto preço por aqui…

Na semana passada uma aluna de psicologia, membro da comissão de negociação junto ao MEC, foi surpreendida na porta de sua casa por homens encapuzados. Da soleira de sua porta, ela pôde ouvir estranhos lhe gritarem que lhe em breve ela morreria.

Naquele mesmo dia um bilhete anônimo foi colocado sob a porta de diversos laboratórios e departamentos do campus com os dizeres:

“NÃO ADIANTA CANTAR VITÓRIA ANTES DO TEMPO. MUITA ÁGUA AINDA PODE ROLAR… SEGUE ALGUNS NOMES QUE PODEM DESCER NA ENCHENTE DO RIO:”

Segue-se uma relação de nomes de alunos e professores (entre os quais, eu).

Aos que não estão acostumados com os jargões amazônicos, a menção a “descer na enchente do rio”, ao qual o bilhete se refere, é uma referência clara ao hábito de se desovar cadáveres nos rios da região.

Além desses fatos, tivemos recentemente um professor do interior que recebeu em seu carro uma tijolada vinda de um motoqueiro. No tijolo um bilhete, onde se lia: “Se o semestre for cancelado, o próximo será na sua cara, seu filho de uma vadia!”. Tivemos uma bomba jogada sobre alunos que saíam de um programa local de entrevistas. Tivemos alunos presos pela Polícia Federal sob a acusação de injúria, portando panfletos. Tivemos o vidro do carro de um aluno do comando de greve completamente estilhaçado, sem que nada fosse roubado – inclusive o notebook, que estava no banco da frente… Tivemos – e temos – o relato de vários professores e alunos que têm sido seguidos pela cidade, o que os obriga a dormir em casas de amigos ou parentes e mudarem suas rotinas… O que não temos é a presença do Estado, ou uma postura mais peremptória do governo federal, que se omite, sabe-se lá o porquê, enquanto esses atos de violência contra professores e estudantes seguem completamente impunes.

É bem possível que todos os implicados nessa história sejam absolutamente inocentes e/ou tenham agido de boa fé. Entretanto, a única forma de garantirmos transparência no processo de investigação dos fatos aqui relatados é divulgando esses acontecimentos junto a ONGs, governo, imprensa e associações científicas. O fato é que meus colegas de Universidade, alunos, jornalistas e simpatizantes estão, hoje, com medo de morrer. Precisamos de ajuda por aqui, urgente!

Nos ajudem a dar visibilidade a esses episódios brutais. Os ânimos aqui andam acirrados. Aos que tiverem contatos em ONGs, entidades acadêmicas ou no governo, ou mesmo os que queiram manifestar seu apoio publicamente por meio de moções, toda a ajuda é bem-vinda.

Não peço a nenhuma entidade que se manifeste contra ou a favor do movimento grevista, mas a favor da transparência nas investigações e no comprometimento do governo brasileiro com que a segurança das pessoas, que vêm sendo ameaçadas, seja garantida.

Há informações atualizadas sobre esses eventos no site mantido pelo comando de greve da Universidade.

Vão aí, a título de ilustração, mais alguns sites com fotos do estado de nosso campus em Porto Velho e outro link, com um laudo técnico do corpo de bombeiros tornado público no final de outubro.

Link com fotos 1

Link com fotos 2

Laudo do Corpo de Bombeiros sobre o campus de Porto Velho

* Estêvão Rafael Fernandes é antropólogo, professor e chefe do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Rondônia (Unir), e coordenador do Observatório de Direitos Humanos de Rondônia (Cenhpre/Unir).

** Publicado originalmente no site Brasil de Fato.