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Cota de gênero não se reflete no Legislativo municipal

Rio de Janeiro, Brasil, 15/10/2012 – A cota de 30% de candidaturas femininas que estreou nas eleições deste mês não refletiu totalmente esse avanço. Embora tenha ocorrido um aumento no número de mulheres eleitas para chefiar prefeituras, as Câmaras Municipais foram mais esquivas com as mulheres. “O maior avanço é o fato de pela primeira vez na história do país representarmos mais de 30% das candidaturas para um cargo eletivo”, afirmou à IPS a professora de ciências políticas Patrícia Rangel, da Pontifícia Universidade Católica de Goiás, no Estado de Goiás.

Nas eleições do dia 7 foram escolhidos prefeitos e vereadores de 5.568 municípios, e no dia 28 haverá segundo turno em 50 cidades, sendo 26 capitais estaduais. Apesar das dúvidas anteriores, o Partido dos Trabalhadores, da presidente Dilma Rousseff, conseguiu 14% mais prefeituras do que nas eleições de 2008, somando 628, o que o coloca em terceiro lugar, enquanto seu aliado em nível nacional, o PMDB, conseguiu 1.025, e o PSDB 693.

Promulgada em 2009 e aplicada efetivamente pela primeira vez nestas eleições, a legislação de cotas estabelece “um mínimo de 30% e um máximo de 70% de candidaturas para cada sexo nas respectivas listas”. A nova legislação acaba com as deficiências e a ineficácia da lei de cotas aprovada em 1997, que apenas determinava que os partidos políticos deviam reservar para as mulheres até 30% de vagas nas listas de candidatos e, além disso, não estabelecia sanções se não fosse cumprido.

A grande participação de candidatas desta vez garantiu o triunfo de um número também histórico de prefeitas. As 663 eleitas entre 2.025 candidatas equivalem a 11,8% dos cargos a serem preenchidos. Um estudo do demógrafo José Eustáquio Diniz, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), compara a quantidade de prefeitas eleitas agora com as 317 que triunfaram em 2000, representando na época apenas 5,5% do total; com as 404 de 2004 e as 504 de 2008. “Podemos concluir que em 2012, quando se comemora 80 anos do voto feminino no Brasil, as mulheres deram um passo adiante na participação política municipal”, afirmou Diniz à IPS.

Por sua vez, Clara Araújo, coordenadora do Núcleo de Estudos sobre Desigualdade e Relações de Gênero da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UFRJ), atribui o aumento de prefeitas eleitas à característica desses cargos, que exigem um tratamento mais direto com os cidadãos e devem abordar assuntos imediatos e cotidianos. Além disso, o cargo executivo nas prefeituras permite às mulheres estarem mais perto de suas casas, sem necessidade de sair de sua cidade, ao contrário das que chegam ao Legislativo, sejam municipais ou nacionais, acrescentou.

Um dado que chama a atenção é que a maioria das prefeitas eleitas é de cidades com menos de 200 mil eleitores, o que Clara atribui ao fato de nesses municípios menores serem necessários menos recursos financeiros e a campanha acontecer nas proximidades do domicílio dos candidatos, dois elementos que “favorecem a presença de mulheres”.

Contrastando com o êxito da disputa pelas prefeituras, o desempenho feminino por uma vaga nas Câmaras Municipais foi menor. Segundo Diniz, as 7.648 vereadoras eleitas no dia 7, equivalente a 13,3% do total de cargos em disputa, embora representem também um recorde histórico, ainda é considerado um número insuficiente para as expectativas que havia diante da exigência da cota mínima de 30% de candidaturas femininas. Nas eleições de 2000 foram eleitas 7.001 vereadoras, em 2004, 6.555 e em 2008, 6.512, o que representou 12,5% do total.

Patrícia entende que “o maior retrocesso foi o fato de o crescimento percentual em candidaturas não ter se traduzido em mais vereadoras, sendo que cresceram de 12,5 para pouco mais de 13%”, enquanto Clara não se surpreendeu com o resultado. É que os estudos quantitativos e qualitativos sobre o assunto “constataram que o aumento de cotas não tem a ver com o aumento de mulheres eleitas”, afirmou. Isso, segundo ela, se explica principalmente pelo “caráter individualista eleitoral causado pelo sistema de listas abertas, que incentiva a competição entre candidatos inclusive dentro de um mesmo partido ou coalizão e os lança em busca de recursos próprios”.

Nesse contexto, as mulheres costumam ter menos recursos financeiros e escasso apoio de suas “redes partidárias”, acrescentou Clara, afirmando que “o que existem são condições de desigualdade na estrutura partidária que fazem com que, no momento da candidatura, as mulheres tenham condições desvantajosas”. Clara concorda com as cotas por gênero, “como auxiliares de um processo mais amplo”, e menciona três fatores que devem ser melhorados: apoio de um financiamento público em campanha eleitoral, distribuição mais democrática do tempo para propaganda política na televisão, e fortalecimento e formação da participação das mulheres dentro dos partidos.

No entanto, Patrícia alerta que para conseguir o que Clara propõe é preciso promover mudanças culturais. “O sistema político e eleitoral brasileiro é elitista, racista, personalista e sexista, além de favorecer pessoas com maiores recursos financeiros e influências políticas”, assegurou. “A escolha de candidatos é feita no jardim secreto das decisões das elites partidárias, onde mandam os homens”, ressaltou.

A reclamação de muitos partidos é que foi difícil cumprir a cota de gênero por não haver candidatas suficientes. Isso provocou distorções, como o surgimento de candidatas apenas para cumprir a lei e que, por isso, não fizeram campanha e, consequentemente, quase não conseguiram votos. Patrícia considera que, embora não seja generalizada, essa sempre foi uma preocupação do movimento feminista.

“Infelizmente, a cota não foi um estímulo para que os partidos investissem capital financeiro e político em candidatas”, acrescentou Patrícia. Como instituições “conservadoras e machistas que são”, os partidos políticos do Brasil preferem candidaturas femininas quase fantasmas “para continuar repetindo o mantra de que as mulheres não se interessam por política”, enfatizou.

No entanto, Diniz questionou essa análise, afirmando que “o argumento da falta de mulheres” não é verdadeiro. Explicou que em 2012 houve 133.868 candidatas a ocupar 57.353 vagas das câmaras de vereadores em todo o país, “portanto, houve mais de duas mulheres para cada cadeira disponível”, acrescentando que “o problema é que os partidos não investem na formação política das mulheres nem em suas candidaturas, porque historicamente são controlados por homens e estes resistem a abrir espaços”. Envolverde/IPS