Buenos Aires, Argentina, 6/6/2013 – Na Argentina, país de grande tradição sindical, se consolida uma experiência inédita: uma organização que defende os direitos trabalhistas de um coletivo especialmente vulnerável, o das pessoas processadas ou condenadas na prisão. “Nunca se lutou por algo assim aqui dentro”, disse à IPS o interno Gustavo Moreno, de 33 anos, que cumpre pena de 22 anos no Complexo Penitenciário da Cidade Autônoma de Buenos Aires, mais conhecido como Presídio de Devoto.
Preso há três anos, Moreno trabalha na equipe de limpeza da prisão, é coordenador do ciclo básico comum do centro universitário que funciona no local e estuda administração de empresas. Também é secretário de ação social do novo Sindicato Único de Trabalhadores Privados da Liberdade de Locomoção (Sutpla), criado em julho de 2012 e reconhecido pelo Serviço Penitenciário Federal graças a um acordo. O Sutpla integra a Central de Trabalhadores da Argentina (CTA, de centro-esquerda), cujos dirigentes informaram que seu desenvolvimento é observado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) como uma experiência a de ser levada para outros países.
“Temos 700 filiados e cem filiadas e a ideia principal é reivindicar o direito de pessoas que estão sem nenhuma defesa e em estado de vulnerabilidade”, explicou à IPS o secretário-geral do Sutpla, Rodrigo Díaz, em liberdade assistida desde abril. Atualmente, reclamam status sindical com apoio dos advogados da CTA. Quando conseguirem, deverão passar a cobrar uma cota, mas não é um assunto importante para a organização.
A consolidação do sindicato entusiasma Díaz, que esteve preso em diversas oportunidades. “No total, 12 anos, em diferentes prisões”, contou. Começou a estudar direito ainda preso e agora continua o curso em liberdade, faltando um ano para se formar. Seus estudos e sua passagem por diversas prisões lhe permitiram conhecer melhor os direitos trabalhistas dos presos, que nem sempre são cumpridos. “A lógica do serviço penitenciário não é a de outorgar um direito, mas um benefício”, argumentou.
Atualmente, 64% dos quase dez mil detentos a cargo do Serviço Penitenciário Federal (SPF) trabalham, sob a órbita da administração nacional. Outras 49 mil pessoas estão presas em recintos dependentes dos governos provinciais, onde as porcentagens dos que realizam tarefas variam. A Lei de Execução da Pena Privativa da Liberdade, profundamente reformada em 2012, estabelece que os detentos têm direito a trabalhar e estudar, como parte de sua reabilitação. Também fixa que seu trabalho “deve ser remunerado”.
O Ministério da Justiça estabeleceu que os presos e as presas recebam o salário mínimo em vigor no país, equivalente a US$ 553 mensais, com independência do horário que cumpram. Contudo, na prática, a maioria dos reclusos que trabalham recebem uma quantia muito menor, pois o SPF realiza uma série de polêmicos descontos. “Alguém está ficando com a diferença e é provável que seja o Encope”, denunciou Díaz.
O Encope (Ente de Cooperação Técnica e Financeira do Serviço Penitenciário) “não cumpre as funções para as quais foi criado. Simula uma legalidade que não tem e eles mesmos se fiscalizam”, denunciou o sindicalista. O diretor do SPF, Víctor Hortel, admitiu que no passado houve irregularidades nos descontos feitos para um fundo de reserva para quando o preso ficasse em liberdade. Mas descartou que essas práticas continuem agora é há maior controle por parte de órgãos anticorrupção sobre o processo.
Com assistência dos advogados da CTA, o sindicato apresentou vários recursos legais contra os descontos aos trabalhadores encarcerados, com exceção das retenções para sua futura aposentadoria. Além disso, este ano a luta contra os descontos e outras reivindicações trabalhistas levou os filiados do Sutpla à sua primeira greve, de 72 horas. O sindicato também pede a entrega de roupa e calçado adequado para a higiene e segurança dos trabalhadores, sobretudo quando manipulam resíduos ou bens que possam contaminar.
Além disso, Díaz se reuniu com autoridades da segurança social para conseguir que os recém-libertados possam receber um seguro-desemprego por seis meses como qualquer trabalhador demitido. Ele mesmo, que recebia um salário até abril por seu trabalho no Presídio de Devoto, ficou sem renda tão logo conseguiu a liberdade, seis meses antes de completar sua pena.
Díaz acrescentou que a pior situação ocorre nas prisões que dependem dos governos provinciais. “Na Unidade Nº 1 de Olmos (província de Buenos Aires), os internos recebem como pagamento dois cartões de telefone por mês”, afirmou, explicando que em algumas prisões o trabalho dos presos é trocado por benefícios como permissão para visitas em dias de semana. Não o consideram parte do tratamento, nem um direito, e tampouco que seja remunerado.
“Não se transmite aos internos a ideia de que com o trabalho podem aprender um ofício e ajudar suas famílias. Por isso há tanta reincidência”, opinou Díaz. Diante desse cenário, o Sutpla propõe reforçar a atividade sindical no Presídio de Devoto onde nasceu a organização, e depois estender esses direitos para as demais prisões masculinas e femininas.
As atividades trabalhistas nas prisões são muito diversas. Há oficinas de produção agropecuária (hortas, viveiros, produção de forragens, leiteria) e industrial (gráfica, artigos esportivos, bicicletas, bolsas, móveis), além de poderem trabalhar em atividades próprias da prisão como no serviço de limpeza, onde trabalha Moreno, que recebe US$ 385 líquidos mensais.
“Trabalho para meus filhos”, afirmou Moreno. Tem quatro, de 13, 11, sete e um ano. “Para mim, o que faço é estudar. Isso me dará uma ferramenta para quando sair”, enfatizou Moreno, à espera de um trâmite que pode reduzir sua longa condenação. “O estudo me desliga da vida aqui dentro”, confessou. Não é a primeira vez que fica sem liberdade. Em outra ocasião em que esteve preso conseguiu terminar os estudos secundários. “Quando estava fora não tive oportunidade”, lamentou. Envolverde/IPS