Arquivo

Cresce oposição ao acordo de paz com Israel

Cairo, Egito, 3/6/2011 – O acordo de Camp David, de 1979, contribuiu para manter a paz entre dois inimigos históricos, Egito e Israel. Porém, após a derrubada, em fevereiro, do presidente egípcio, Hosni Mubarak, aumentou o número de defensores de sua anulação. Em um dos primeiros anúncios oficiais, o governante Conselho Supremo das Forças Armadas (SCAF) do Egito declarou que este país continua comprometido com “todos os tratados e obrigações regionais e internacionais”. O comunicado de 12 de fevereiro foi interpretado por muitos analistas como uma alusão específica ao acordo de paz de Camp David.

O SCAF, que prometeu realizar eleições parlamentares e presidenciais livres em um ano, governa o país desde a renúncia de Mubarak, no dia 11 de fevereiro, após 30 anos no governo. Desde sua saída, ocorrem numerosas manifestações diante da Embaixada de Israel no Cairo e no Consulado da cidade de Alexandria. Os manifestantes pedem às novas autoridades que rompam relações diplomáticas com o Estado judeu, reabram as fronteiras com a Faixa de Gaza e se retirem do controvertido acordo de Camp David.

No dia 27 de maio, foi reaberta a passagem, para pessoas, na cidade fronteiriça de Rafah. Milhares de manifestantes se concentraram, no dia 15 de maio, diante da Embaixada de Israel e enfrentaram a polícia, um episódio que recordou os 18 dias de protestos na Praça Tahrir, que acabaram com a saída de Mubarak. Centenas de pessoas foram afetadas pelo gás lacrimogêneo, que teria causado a morte de duas delas. Cerca de 350 foram detidas e levadas a tribunais militares, muitas delas foram liberadas de forma condicional.

Dois dias antes, no contexto de uma prevista “terceira intifada”, centenas de milhares de egípcios se concentraram na Praça Tahir, no Cairo, em uma demonstração de solidariedade com seus irmãos palestinos. Membros da Frente para a Libertação da Palestina Árabe-Islâmica, criada após a revolta popular, aproveitaram a oportunidade para recolher assinaturas pedindo que seja abandonado o acordo de Camp David.

“Juntamos mais de cinco mil assinaturas em um só dia”, contou Mohamed Mahmoud, membro-fundador da Frente para a Libertação da Palestina. “Pretendemos chegar a um milhão e, depois, entregá-las ao governo de transição”, acrescentou. “Não creio que seja pouco realista, pois a maioria dos egípcios está contra o acordo”, prosseguiu. Dos consultados em um estudo do centro de pesquisas Pew, 54% disseram ser a favor da anulação do tratado.

O acordo de paz de 1979 incluiu a devolução da Península do Sinai ao Egito, ocupada por Israel em 1967, e em troca o Cairo estabeleceu relações diplomáticas com o Estado judeu, convertendo-se no primeiro país árabe a fazê-lo. A Jordânia, que assinou seu próprio acordo de paz em 1994, é outro país árabe a reconhecer oficialmente o autoproclamado Estado judeu. Mas a devolução do Sinai teve várias consequências. A mais importante foi que o acordo restringiu de forma explícita o deslocamento de militares egípcios na Península e converteu uma faixa de 220 quilômetros, na fronteira oriental, em zona desmilitarizada de fato.

“Durante 30 anos, o acordo evitou tensões que poderiam levar a uma guerra, mas as relações nunca foram genuínas”, disse à IPS o professor de Ciência Política, Abdel Menaam al-Mashaat, da Universidade do Cairo. “O contínuo maltrato dos palestinos por Israel fez com que a população egípcia se opusesse de forma consistente à normalização”, acrescentou. Durante o regime de Mubarak, o Egito manteve com diligência sua parte do trato, apesar das frequentes críticas internas aos termos do acordo de Camp David.

Antes da queda de Mubarak, foi discutido, várias vezes, modificar o tratado para que fosse mais favorável ao Egito, recordou Tarel Fahmi, diretor do escritório israelense do Centro Nacional de Estudos para o Oriente Médio, com sede no Cairo. “Mas os intercâmbios nunca chegaram à fase de implementação”, acrescentou à IPS.

Camp David representa “um pilar central do antigo regime que se mantém intacto”, apesar da saída de Mubarak, disse Mahmoud. “Pedimos a anulação porque restringe o deslocamento militar do Egito em seu próprio território, o que limita sua capacidade de defesa. Além disso, o acordo obrigou este país a reconhecer Israel e, portanto, a legitimar a flagrante violação de terras palestinas”, ressaltou.

Porém, nem todos acreditam que o tratado deva ser descartado de qualquer maneira. “Uma retirada precipitada do acordo pode levar a uma escalada imprevisível, incluindo a permanente mobilização militar ou, no pior cenário, a uma guerra”, disse Al-Mashaat. A Irmandade Muçulmana, que poderia desempenhar um papel importante no futuro governo após as eleições, declarou formalmente seu compromisso de respeitar “todos os tratados internacionais” assinados pelo Egito, inclusive o de Camp David.

No entanto, alguns membros do partido disseram que, em último caso, a população decidirá sobre o assunto. “Após as eleições haverá um referendo sobre a retirada, ou não, do tratado”, disse à IPS o dirigente Saad al-Husseini. “Em qualquer caso respeitaremos a vontade da população”. À luz das últimas mudanças políticas pós-revolucionárias, Fahmi acredita que se prepara um pedido oficial para mudar o tratado.

“O governo de transição lida de forma gradual com algumas questões importantes em relação à Palestina: suspendeu exportações de gás para Israel, reabriu a passagem na fronteira com Gaza e o Hamas e o Fatah chegaram a um acordo. É provável que agora o governo se concentre no tratado de Camp David”, afirmou.

O Hamas (Movimento de Resistência Islâmica), que controla Gaza, manteve inimizade com o partido laico Fatah, à frente da Autoridade Nacional Palestina, com sede na Cisjordânia. Funcionários israelenses se anteciparam ao pedido e “preparam um acordo alternativo”, disse Fahmi. Por sua vez, o governo de Israel se mantém em silêncio a respeito. Também, milhares de jordanianos protestaram, na semana passada, na capital do país, contra a corrupção e pediram o fim do acordo de paz de 1994 com Israel. Envolverde/IPS