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Crescem protestos contra expropriações

Pequim, China, 16/4/2012 – No meio da noite, alguém bateu na porta da casa que Zhang Haxia e seu marido tinham no sudoeste da China. Os estranhos os tiraram a força e os colocaram em uma caminhonete. Quando puderam regressar, não restavam nem escombros de sua casa. Esta foi mais uma das várias expropriações feitas neste país. Promotores imobiliários e funcionários locais corruptos, e desejosos de embolsar dinheiro devido ao auge da construção civil, coagem a população a abandonar terrenos valiosos em troca de uma mínima indenização.

Este fenômeno rapidamente se converteu na principal fonte de inquietação na China e ocupou as manchetes da imprensa esta semana com o anúncio de duras penas de prisão contra dois ativistas de direitos humanos que travaram prolongadas batalhas para ajudar as vítimas.

Ni Yulan, de 52 anos, e seu marido, Dong Jiqin, foram detidos este mês por ajudarem os atingidos pela apropriação ilegal de propriedade. Ela foi condenada a dois anos e oito meses de prisão e o marido a dois. O casal, que perdeu uma batalha legal de seis anos para evitar a demolição de sua tradicional casa com jardim em Pequim, em 2008, foi acusado em dezembro de “provocar disputas, incitar distúrbios e destruir de forma deliberada propriedade privada e pública”.

Na audiência do veredito, que durou apenas dez minutos, segundo a organização Defensores dos Direitos Humanos, o Tribunal Popular do distrito de Xicheng condenou o casal por “criar distúrbios”. Ni Yulan ficou machucada devido às torturas que sofreu em outras ocasiões em que esteve presa, a primeira vez um ano e depois mais dois, segundo contou. Em 2002, foi por “obstruir assuntos oficiais” e em 2005 por “danificar propriedade pública” enquanto lutava para salvar sua casa.

As expulsões levaram milhares de pessoas a protestarem todos os meses. Muitos manifestantes enfrentaram a polícia. A história de Zhang (nome fictício) é uma entre milhares.

“No dia 4 de dezembro, às três da manhã, funcionários do governo local, acompanhados de mafiosos, nos arrastaram, eu e meu marido, para fora de casa, nos colocaram em uma caminhonete e nos levaram para um lugar distante e desconhecido”, contou à IPS a agricultora de 55 anos por telefone desde sua casa na cidade de Chengdu, capital da província de Sichuan. “Tropecei e caí, e vi o filho do secretário do Partido (Comunista) local. Quatro horas depois nos trouxeram de volta. Nossa casa já não existia, e os tijolos e as telhas haviam desaparecido”, acrescentou.

Quando Zhang foi a Pequim reclamar junto ao governo central, a polícia a deteve junto com o marido e os enviou a uma delegacia de Sichuan, onde apanhou antes de ser liberada, afirmou. “Nos obrigaram a assinar um papel. Eu não queria porque sabia que se assinasse estaria aceitando minha detenção, então me bateram. Meu marido chamou o superior e fomos liberados”, acrescentou.

Zhang não é a única. Há poucos dias, um site de Sichuan informou o desaparecimento de três ativistas que reclamaram indenizações por serem expulsos de suas propriedades na província de Jiangsu. Mao Jianzhong, Gu Xingzhen e Xia Kunxiang foram até Pequim para reclamar com o governo central. Contudo, funcionários de Jiangsu os levaram de volta para sua cidade, Suzhou, e não se soube mais deles, informou a Rádio Free Asia.

Muitos queixosos, que costumam sofrer a crescente corrupção de policiais e funcionários locais, não têm outra opção, a não ser levar seu problema ao governo central. No entanto, costumam ser levados de volta às suas localidades, segundo o ativista Huang Qi, quem primeiro denunciou o incidente em seu site na internet, Tianwang.

Huang afirmou que muitos manifestantes são levados a uma das milhares de “prisões negras” sem o devido processo ou detidos sob acusações falsas. As reclamações costumam ser caladas no âmbito local por medo de as demandas e os distúrbios prejudicarem a reputação dos funcionários, exporem a corrupção ou impedirem sua promoção. “Desde o governo de Hu-Wen (pelo presidente Hu Jintao e o primeiro-ministro Wen Jiabao) aumentou a expropriação, e também os casos por indenizações ou as demandas”, contou à IPS.

“A apropriação ilegal não acabou. Recebi um telefonema há poucos dias de um agricultor de Sichuan cuja casa foi destruída às duas da manhã. As expulsões costumam ocorrer durante a noite porque não querem que as pessoas façam fotos nem gravem áudios ou vídeos como prova”, detalhou Huang. “As pessoas que não estão informadas acreditam que os assuntos mais importantes da China são a Revolução Cultural ou a reforma da estrutura política. De fato, estão mais preocupadas em proteger seus direitos”, acrescentou.

As repercussões dos distúrbios rurais por apropriações ilegais são comuns. Um site informou recentemente sobre choques com a polícia no norte e sudoeste da China. Alguns casos, como os protestos em Wukan, na província de Guangdong, no sul, tiveram repercussão na imprensa internacional. Os ativistas de Wukan conseguiram expulsar os funcionários corruptos e o direito de realizar eleições locais. O povoado se converteu no símbolo do protesto contra a expropriação ilegal de terras na China e é considerado um exemplo vitorioso de como o governo deve agir para acabar com as reclamações generalizadas.

A mudança está em marcha, segundo a organização não governamental Landesa, dedicada a defender o direito à terra dos agricultores das nações em desenvolvimento. O grupo diz em seu site (www.landesa.org) que trabalha com o governo central para introduzir uma série de melhorias legais históricas. O governo começou a garantir aos agricultores direitos de 30 anos sobre suas terras, segundo a Landesa, bem como a documentar e divulgar os direitos dos agricultores.

No entanto, muitos cidadãos os desconhecem, e a lei é amplamente ignorada pelas autoridades locais, que costumam abusar de seu poder. Em Chengdu, Zhang comprou outro terreno e construiu outra casa. Segundo ela, o problema está na cobiça dos funcionários locais, mais do que no governo central. “Continuarei reclamando em Pequim porque tenho esperanças no governo. São as autoridades locais as corruptas. Não peço uma quantia ridícula, apenas uma indenização razoável”, afirmou. Envolverde/IPS