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Crianças aprisionadas no coração do levante

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Crianças em una manifestação na Praça da Mudança, em Sana’a.
Sana’a, Iêmen, 28/4/2011 – As crianças correm cada vez mais riscos na vanguarda das manifestações contra o governo do Iêmen. Seus pais os levam consigo na convicção de que também devem se sacrificar na luta contra o presidente Ali Abdulah Saleh. Na Praça da Mudança, como passou a ser chamado o principal cenário de protestos em Sana’a, crianças pequenas correm livremente com escassa vigilância dos adultos. Um garoto de 12 anos, acompanhado de outros dois, disse sentir-se seguro. “Ficamos felizes em vir”, afirmou. Os três disseram que estão no local com seus pais e irmãos desde meados de fevereiro.

 

As crianças adotaram os lemas das manifestações com enorme entusiasmo, levantando os punhos e gritando “o povo quer outro governo”. Como os adultos que pernoitam em centenas de barracas na Praça, estas crianças mascam folha de qat, uma planta com propriedades estimulantes. Mas nenhum conseguiu entender os riscos que correm. As baixas infantis nos choques entre setores contrários e favoráveis ao governo já são centenas em todo o país.

O escritório local da Organização das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e uma de suas organizações não governamentais associadas, a Seyaj, informaram este mês que 662 crianças sofreram diferentes danos por essa razão entre 18 de fevereiro e 8 de abril, sendo que 24 morreram e 31 ficaram feridas com projeteis letais. “Outras 47 sofreram ferimentos devido a violência física direta, 552 sofreram lesões causadas por gás lacrimogêneo, e oito foram presas ilegalmente”, segundo o informe da Seyaj.

O Unicef cobrou do governo “respeito à Convenção sobre os Direitos da Criança, aos direitos humanos e ao direito humanitário internacional, sem importar se está em vigor o estado de emergência”. O parlamento aprovou leis de exceção no final de março, e a presença militar aumentou nas ruas. Quase sempre as crianças estão acompanhadas por seus pais na Praça da Mudança, mas cada vez são mais comuns as mensagens de alertas sobre menores perdidos ou de filhos que não encontram os pais.

Alia Saleh tem cinco filhos, três meninos e duas meninas com idades entre dois e 12 anos. Ela os leva todos os dias à Praça. “Os soldados do presidente mataram meu marido na província de Marib (centro do país) e por isso estou aqui”, disse as IPS. “Não posso deixá-los em casa. Não posso ir a lugar nenhum sem meus filhos. Devo trazê-los, pois quero que sejam como seu pai”, acrescentou.

Abdul-Karim al-Sanfani é outro pai que leva os filhos às manifestações. Comparece à Praça da Mudança com a mulher, os dois filhos e a filha, todos com menos de dez anos. “Não posso vir sozinho, por isso trago a família. Os filhos dizem que não querem ir brincar no parque e que preferem vir protestar. As crianças podem vir quando quiserem”, disse Al-Sanfani. “Temos muita gente jovem aqui. Isto mostra que não tememos ninguém. Queremos enviar ao mundo a mensagem de que não temos medo dos assassinos. Trazemos nossas famílias. Posso inclusive deixar meus filhos aqui e ir, porque estarão seguros. Nos sentimos seguros e não podemos abandonar a manifestação”, acrescentou.

Hamadi, outro pai presente na Praça, disse que “para proteger as crianças temos o exército”, referindo-se ao general Ali Muhsin al-Ahmar e às tropas da Primeira Brigada de Blindados, que se uniram à dissidência no final de março, em meio a uma onda de deserções do regime. Mas Hamidi reconhece que a situação nem sempre é segura para as crianças. “Algumas vêm por conta própria e sem autorização dos organizadores. Deveriam estar aqui com seus pais. Eles são responsáveis pela proteção dos filhos”, disse.

A manifestante Fatima al-Bakri afirmou que os protestos são perigosos para as crianças e que elas “deveriam ficar fora disso e, se tivesse filhos, não os traria”. Nem os pais nem o pessoal de segurança assume o problema, acrescentou. “Não creio que um pai queira que seu filho morra. Mas sentem que não são melhores do que outros pais que morreram protestando, por isso estão prontos para sacrificar seu bem mais precioso, seus filhos, em nome da liberdade”, prosseguiu Fatima.

É muito fácil para um menor entrar na Praça da Mudança sem que um adulto o vigie. Os postos de controle só funcionam para impedir a entrada de gente armada. Os militares desertores também controlam os manifestantes. Mas seu objetivo não é proteger as crianças, e não se confia completamente neles, sobretudo depois de várias denúncias de assédio contra mulheres.

A organização Human Rights Watch acusou o general Al-Ahmar de recrutar crianças-soldados para proteger os manifestantes. Em um comunicado divulgado este mês, a HRW afirmou ter “encontrado dezenas de soldados armados aparentando terem menos de 18 anos”. A organização acrescentou que “entrevistou 20 soldados em Sana’a que disseram ter 14, 15 e 16 anos e estarem prestando serviço há um ou dois anos. Os opositores ao presidente Saleh não deveriam perpetuar o uso de menores para dar segurança no local das manifestações”, afirmou a HRW. Envolverde/IPS