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Crianças do Zimbábue são a chave na guerra contra o HIV/aids

Muitas crianças menores de 15 anos no Zimbábue são portadores de HIV, mas só ficam sabendo quando caem gravemente enfermos em uma etapa posterior de suas vidas. Foto: Jeffrey Moyo/IPS
Muitas crianças menores de 15 anos no Zimbábue são portadores de HIV, mas só ficam sabendo quando caem gravemente enfermos em uma etapa posterior de suas vidas. Foto: Jeffrey Moyo/IPS

 

Harare, Zimbábue, 20/1/2015 – Mateline Msipa, do Zimbábue, tem 51 anos e é portadora do vírus HIV, causador da aids. Sua filha de 17 anos, nascida depois de sua mãe receber o diagnóstico de portadora do vírus, poderia tê-lo, mas nunca fez o exame médico para saber. “Minha filha não sabe se é soropositiva, e com o estigma associado à doença é difícil para mim revelar a ela minha condição”, contou à IPS.

Sua filha diz que nunca fez um exame de HIV, apesar de as leis no Zimbábue permitirem que as jovens de sua idade o façam independente do consentimento paterno. “Não tenho nenhum motivo para fazer o teste de HIV porque nunca mantiver relações sexuais”, explicou.

As estatísticas revelam que milhares de meninos e meninas do Zimbábue estão infectados pelo HIV. O Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/aids (Onusida) calcula que cerca de 200 mil crianças até os 14 anos de idade têm o vírus mas não estão em tratamento porque não foram devidamente analisadas. É uma tendência que os pesquisadores qualificam de “subótima” nesse país.

“Comumente, as crianças só fazem exame de HIV quando caem gravemente enfermas e, em geral, não se salva de morrer”, afirmou Letwin Zindove, um conselheiro de HIV/aids no Zimbábue. Os dados ameaçam jogar por terra o esforço deste país do sul da África para cumprir o sexto dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), dedicado a deter e começar a reduzir a propagação do vírus até 2015. As crianças maiores, entre seis e 15 anos, que poderiam ter contraído o HIV ao nascer são especialmente vulneráveis a que o vírus se desenvolva até se transformar em aids.

Um estudo realizado em 2014 pela universidade britânica Escola de Londres de Higiene e Medicina Tropical concluiu que esse grupo teve um acesso insuficiente aos exames e à assessoria dos responsáveis primários pela atenção médica. Os trabalhadores de saúde eram reticentes em oferecer o exame que pudesse expor o menino ou a menina a abusos caso o resultado fosse positivo, segundo o estudo. Além disso, os longos períodos de espera para ser atendido por um médico era obstáculo para a assessoria e os exames de rotina.

Em 2014, o Zimbábue lançou suas pautas nacionais para a assessoria e o exame de HIV, com especial ênfase em casais, crianças e adolescentes, a fim de deter a propagação do vírus antes da data limite de 2015 para cumprir os ODM. Assim, um jovem de 16 anos pode dar seu pleno consentimento para fazer o exame e receber assessoria relacionada ao vírus.

Em alguns casos, a falta de leis nacionais claras referentes ao teste de HIV/aids provocam confusão e diagnósticos perdidos. Foto: Jeffrey Moyo
Em alguns casos, a falta de leis nacionais claras referentes ao teste de HIV/aids provocam confusão e diagnósticos perdidos. Foto: Jeffrey Moyo

 

Entretanto, o estudo concluiu também que muitos trabalhadores da saúde não compreendem plenamente as novas diretrizes. Estes “manifestaram confusão sobre a idade em que um jovem pode optar pelo exame, que tipo de cuidador qualificar como tutores legais e se os tutores deveriam fazer o exame antes”, afirma a pesquisa.

A lenta progressão do HIV entre meninos e meninas também contribuiu para perigosos atrasos nos exames médicos. Uma nova pesquisa mostra que um número considerável de crianças infectadas sobrevive até uma idade adulta maior. As demoras nos exames e no diagnóstico até surgirem os sintomas geram um alto risco de complicações crônicas, como atraso no crescimento e danos nos órgãos.

A incidência do HIV no Zimbábue pode ser alta, com 14,7% na população adulta, mas é maior ainda na África do Sul (17,8%), Botsuana (23%), Lesoto (23,6%) e Suazilândia (25,9%). Os países com menores porcentagens são Mali, Guiné, Burkina Faso, Benin, Sudão, Senegal, Níger, Mauritânia e Somália, que vão de 1% a 0,7%. A maioria avança com relativo êxito para o cumprimento do ODM, mas dois são uma grande decepção.

As infecções no Chade e em Uganda aumentaram, o que contrasta com a década de 1990, quando uma forte campanha de sensibilização pública que defendia o tratamento médico e as relações sexuais monogâmicas fez cair em queda livre as taxas de infecção da população ugandesa. Em Uganda, as mesmas aumentaram 6,4% em 2005 e 7,3% em 2012.

Os ativistas garantem que as meninas e os meninos não estão imunes ao estigma arraigado em torno do HIV/aids, o que é outra barreira para não fazerem o teste. “Os zimbabuenses são uma grande comunidade, estreitamente unida e, uma vez que uma criança se submeta ao teste de HIV, fica difícil manter isso reservado”, o que a exporia ao estigma, pontuou Sifiso Mhofu, da Rede Nacional do Zimbábue de Pessoas que vivem com HIV.

O problema é sério para órfãos como Tracey Chihumwe (nome fictício), de 13 anos e natural de Mabvuku, um bairro de alta densidade em Harare, capital do Zimbábue. “A rejeição, o estigma e a discriminação das pessoas soropositivas aqui me fazem duvidar se devo fazer o teste de HIV, embora não saiba o que foi que matou meus pais”, disse a jovem à IPS.

O governo pretende que 85% da população, incluídos crianças e adolescentes, saibam se são soropositivos ou não até o final deste ano, em uma tentativa desesperada de cumprir o prazo do ODM em dezembro. Mas não será uma tarefa fácil. “Apesar das novas pautas para o teste do HIV, existem focos de resistência entre as próprias crianças, seus pais e tutores”, afirmou um alto funcionário do governo que pediu para não ser identificado. Envolverde/IPS