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Criminalidade marca eleições em Honduras

Nos bairros de Tegucigalpa, como o de Flor de Campo, as gangues delimitam seus territórios com bonecos nos fios elétricos. Foto: Thelma Mejía/IPS
Nos bairros de Tegucigalpa, como o de Flor de Campo, as gangues delimitam seus territórios com bonecos nos fios elétricos. Foto: Thelma Mejía/IPS

 

Tegucigalpa, Honduras, 22/11/2013 – A capital de Honduras é o exemplo da insegurança que vive esse país. Nos últimos dois anos essa cidade de ruas íngremes e estreitas, onde vivem 1,6 milhão de pessoas, se converteu em uma jaula de grades e portões de ferro em seus principais bairros. Nas áreas pobres a regra é outra: as pessoas têm de pagar extorsão às gangues que decretam horas de entrada e saída nos lugares sob seu controle. Em alguns desses bairros, as gangues delimitam seu território com bonecos pendurados na rede elétrica, conforme constatou a IPS.

Essa sociedade sequestrada pela criminalidade escolherá entre propostas repressivas ou integrais para mitigar o problema nas eleições do dia 24 deste mês. Em Honduras, com 8,5 milhões de habitantes, acontecem 20 homicídios por dia. Só em 2012 foram registrados 7.172 crimes, segundo o Observatório da Violência da Universidade Nacional Autônoma de Honduras (pública). Isso coloca esse país no nível mais alto de homicídios do planeta, segundo o último ranking do Escritório das Nações Unidas contra a Droga e o Crime, com 96,1 mortes para cada cem mil habitantes, quando a média mundial é de 8,8, na América central de 41 e na América Latina 29.

No bairro Peña por Bajo, no sul de Tegucigalpa, há três meses a polícia anunciou orgulhosa a recuperação de uma dezena de casas em mãos de gangues. Porém, um mês atrás, esses bandos destruíram as casas e seus moradores tiveram que fugir para outro lugar, já que as patrulhas policiais acabaram.

A extorsão é o que mais afeta os cansados habitantes de Tegucigalpa e dela não escapam nem os políticos, cujos candidatos denunciaram na imprensa que têm de pagar “tributo” aos criminosos para realizarem suas campanhas eleitorais. Nos últimos quatro anos, 2.607 pessoas tiveram que se mudar por causa da violência em Honduras, segundo a Agência das Nações Unidas para os Refugiados.

Karim Vargas é mais uma vítima, e não sabe até onde as eleições mudarão sua sorte. Ela vive em Peña por Bajo, é recepcionista em um hotel e, embora queira segurança, não está muito convencida de que a solução seja a militarização. Essa é a proposta do candidato do governante e direitista Partido Nacional (PN), Juan Orlando Hernández, que promete mão dura contra a criminalidade.

Hernández, presidente do Congresso, que seu partido controla, é o artífice da recém-criada Polícia Militar de Ordem Pública, destinada a trabalhos de inteligência para combater o crime organizado. Seus primeiros mil efetivos começaram em outubro a patrulhar as ruas da capital e da segunda cidade do país, San Pedro Sula, de forma improvisada e em plena campanha, sem ter recebido formação para cuidar da segurança da sociedade.

“Posso me sentir um pouco mais segura quando os vejo nas ruas, mas sabemos que isso não dura, quando vão embora os criminosos voltam, atemorizam e tudo continua igual”, lamentou Karim, de 28 anos e mãe de uma menina de dois anos. “Tudo é política e isso não salva minha vida”, afirmou à IPS.

Hernández encabeça a proposta mais agressiva contra a criminalidade, eixo da batalha de promessas para eleger quem sucederá Porfírio Lobo a partir de 27 de janeiro. O especialista político Ernesto Paz afirmou à IPS que esse candidato tenta converter “o voto castigo” contra as políticas do governo “em um voto de medo. Veremos se conseguirá”. O candidato do PN acredita que terá êxito. “Vou recuperar a paz e a tranquilidade pelas mãos da polícia militar”, afirmou a jornalistas estrangeiros.

Hernández compete com outros sete candidatos, de nove partidos políticos, em eleições que consagrarão o fim da hegemonia do bipartidarismo e o surgimento do poder do PN e do Partido Liberal (PL), de direita mais moderada. A eles se somam os também tradicionais Partido Inovação e Unidade, socialdemocrata, Partido Democrata Cristão, e o esquerdista Unificação Democrática.

O terreno social, político e institucional deixado pelo golpe de Estado de junho de 2009 – contra Manuel Zelaya, então dirigente do PL –, provocou o surgimento de quatro novos partidos, nos quais repousa a esperança de se arejar os poderes democráticos. São eles o esquerdista Liberdade e Refundação (Libre), criado por Zelaya quando retornou ao país em 2011, o esquerdista Frente Ampla Popular Eleitoral em Resistência, o Partido Anticorrupção, de centro-esquerda, e a Aliança Patriótica, de extrema direita.

Essas eleições também poderão encerrar os efeitos institucionais do golpe, porque as eleições de quatro anos atrás, vencidas por Lobo, foram realizadas à sombra do governo golpista e o novo mandatário demorou meses para ser reconhecido pelas comunidades regional e internacional. Na verdade, o partido do presidente derrubado, Libre, tem opção de jogar o PN e o PL juntos na oposição. Sua candidata é a esposa de Zelaya, Xiomara Castro, que chega à jornada eleitoral com um empate técnico com Hernández quanto à intenção de voto, segundo as últimas pesquisas, feitas em outubro.

Castro tinha intenção de votos de 29%, contra 27% para Hernández, enquanto o terceiro na disputa, Maurício Villeda, do PL, mostrou notável crescimento, o que gera incerteza sobre os resultados. Castro, como Villeda, defende uma política integral para combater a criminalidade, que contemple repressão, prevenção e reabilitação. Nesse contexto, propõe uma polícia comunitária, próxima das pessoas.

Ramón Custodio, o Defensor do Povo, lamentou à IPS a politização da insegurança, porque enfrentá-la é uma prioridade de Estado “e não deve ser uma plataforma em busca de votos”. Custodio argumentou que quem vencer não resolverá os problemas de insegurança, e que Honduras deve entrar em uma era de pactos e reformas, para evitar uma “caixa de Pandora” que gere maior ingovernabilidade.

Nessas eleições, além de escolher o presidente para os próximos quatro anos, os eleitores também elegerão três vice-presidentes, 128 deputados e igual número de suplentes, e os prefeitos dos 298 municípios do país. Envolverde/IPS