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Crise da Síria atinge a Turquia

Refugiados sírios do campo de Oncupinar, atacado pelas forças do regime de Assad. Foto: AFP

Doha, Catar, 10/4/2012 – Disparos vindos do lado sírio da fronteira atingiram ontem um acampamento de refugiados localizado em território turco, ferindo pelo menos três pessoas, sendo dois refugiados e um tradutor turco. O incidente aconteceu no acampamento de Kilis, na província turca de Gaziantep, informou um funcionário do Ministério das Relações Exteriores da Turquia. Porém, não está claro se o acampamento foi alvo deliberado de um ataque. Outro funcionário da chancelaria turca disse que após o episódio o encarregado de negócios da Síria em Ancara foi convocado pelo Ministério. “Exigimos que esses disparos acabem”, enfatizou o funcionário.

Anita McNaught, da rede de televisão árabe Al Jazeera, informou em um comunicado, da localidade turca de Antakya, que o incidente implica “uma destacável escalada das tensões nessa área fronteiriça já tensa”. O incidente aconteceu depois de alguns informes indicarem que forças do governo sírio tentavam impedir que refugiados entrassem na Turquia. Milhares de sírios estão refugiados em oito acampamentos instalados nas províncias turcas de Hatay e Gaziantep, enquanto outros seguiram para Líbano, Jordânia e Iraque.

Neste contexto, parece particularmente frágil o acordo de cessar-fogo na Síria, mediado pela Organização das Nações Unidas (ONU), cuja entrada em vigor está prevista para hoje. No último momento, o governo de Bashar Al Assad fez novas reclamações que foram rechaçadas pela oposição armada. Segundo esse acordo, que teve a intermediação de Kofi Annan, enviado especial da ONU, da Liga Árabe e da Síria, o exército deve se retirar hoje das cidades opositoras, pondo fim às lutas 48 horas depois.

Desde então, o regime de Assad disse que só cumpriria sua parte no trato se os rebeldes primeiro entregassem garantias por escrito de que deixariam de lutar. O líder do maior grupo armado da oposição, o Exército Síria Livre (FSA), não aceitou o pedido. A China pediu urgência à Síria no sentido de cumprir seu compromisso anterior e deixar de combater e começar a retirar seus soldados, ao mesmo tempo em que chamou a oposição a também cumprir seus compromissos.

“Bando criminoso”

O coronel Riad al-Asaad, do FSA, destacou que seu grupo está comprometido com a paz, mas que daria garantias somente à comunidade internacional, e não ao governo sírio. “Não é um regime no governo do país. É um bando criminoso. Assim, não lhe daremos garantias”, afirmou à Al Jazeera, apenas horas depois de o governo ter apresentado sua demanda, no dia 8. O coronel afirmou que, se o governo sírio se ater ao plano de seis pontos apresentado por Annan para acabar com a violência, o FSA também não atacará. Além disso, cobrou que o governo retire suas forças e as bases e tire das ruas os postos de controle.

Na semana passada, o regime de Assad aceitou o acordo para o cessar-fogo, que também exige que combatentes do governo e da oposição deponham suas armas às 6 horas locais (1 hora de amanhã em Brasília) do dia 12. Por sua vez, Annan pediu urgência ao governo sírio no sentido de implantar plenamente seu compromisso com o cessar-fogo, e condenou “um aumento da violência e das atrocidades”.

Idlib bombardeada

O objetivo da trégua é preparar o caminho para as negociações entre governo e oposição em torno do futuro político da Síria. Porém, vários ativistas afirmam que soldados sírios continuam atacando regiões estratégicas. Forças leais ao presidente Assad também bombardearam uma área na província Síria de Idlib, perto da fronteira com a Turquia, deixando dezenas de mortos ou feridos, informaram no dia 8 ativistas da oposição.

Aproximadamente 90 tanques e blindados, apoiados por helicópteros, bombardearam a planície de Al Rouge, sudoeste da cidade de Idlib, a capital provincial, informou a agência de notícias Reuters citando ativistas de dentro da Síria e na fronteira com a Turquia. Os ativistas também indicaram que combatentes do FSA foram cercados em Al Bashiriya, uma das cerca de 40 aldeias localizadas na planície.

O Conselho Nacional Sírio, como se conhece a principal aliança da oposição, pediu no dia 8 uma intervenção da ONU, depois de grupos de monitoramento informarem que 86 dos assassinados no dia 7 eram civis. As localidades que ficam ao norte de Aleppo sofrem há vários dias enfrentamentos e bombardeios, o que levou três mil civis a fugirem pela fronteira turca somente no dia 6. O número é dez vezes maior do que o registrado diariamente antes de Assad aceitar o plano de Annan, há dez dias.

“No momento temos 24 mil sírios que entraram na Turquia. Naturalmente, este número aumentará”, informou o primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdogan, no dia 7, antes de viajar para a China. “Em particular, Annan tem que se manter firme. Anunciou como data limite 10 de abril. Creio que ele deveria monitorar a situação muito de perto”, acrescentou. A ONU estima que pelo menos nove mil pessoas foram assassinadas na Síria desde que a crise começou, há 13 meses. Envolverde/IPS